
Jorge Wemans | 24 Abr 2023
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A Declaração de Kigali (Ruanda), subscrita a 21 de abril pelos líderes das igrejas anglicanas representando 85 por cento dos anglicanos de todo o mundo, constitui um passo irreversível em direção ao cisma no interior da Comunhão Anglicana, contendo uma afirmação clara e irreversível de que já não reconhecem o Arcebispo de Cantuária como “o primeiro entre iguais”.
Já em fevereiro, uma reunião de dez primazes da África e Oceânia, em representação da Global South Fellowship of Anglican Churches (GSFA), tinha terminado com a adoção de um documento [ver 7MARGENS] que acusava a Igreja de Inglaterra de “quebrar a comunhão com as províncias que permanecem fiéis a uma visão bíblica do casamento como sendo entre um homem e uma mulher”, mas estendiam ainda a mão ao diálogo com Justin Welby, arcebispo de Cantuária, acrescentando que esta mensagem devia ser por ele recebida como “uma advertência de amor”.
Dois meses depois a reunião de Kigali, que juntou representantes da GSFA e da Gafcon (Global Anglican Future Conference) terminou, porém, com a votação de um documento definitivo: “Não temos confiança de que o Arcebispo de Canterbury nem os outros Instrumentos de Comunhão liderados por ele (a Conferência de Lambeth, o Conselho Consultivo Anglicano e as Reuniões dos Primazes) sejam capazes de fornecer um caminho aceitável para aqueles que estão comprometidos com a veracidade, a clareza, a suficiência e a autoridade das Escrituras. Os Instrumentos de Comunhão falharam em manter a verdadeira comunhão baseada na Palavra de Deus e na fé compartilhada em Cristo.”
A Global Anglican Future Conference foi fundada em 2008, quando “a corrupção moral, o erro doutrinário e o colapso do testemunho bíblico em certas fações da Comunhão Anglicana atingiram tal nível que os líderes da maioria dos anglicanos do mundo sentiram que era necessário assumir uma posição fundada na verdade.”
Cedência de Welby não é suficiente
O encontro da GSFA e da Gafcon resultou na inequívoca Declaração de Kigali, que recusa “aprender a caminhar juntos em ‘bom desacordo’”, tal como lhe tem sido proposto pelos Instrumentos de Comunhão – o Arcebispo de Cantuária, a Conferência de Lambeth, o Conselho Consultivo Anglicano e a Reunião dos Primazes. E afirma, taxativa: “Rejeitamos a alegação de que duas posições contraditórias podem ser válidas em questões que afetam a salvação. Não podemos ‘andar juntos’ em bom desacordo com aqueles que deliberadamente escolheram afastar-se da ‘fé dada uma vez por todas aos santos’.”
Respondendo a esta posição cismática, o arcebispo Justin Welby reafirmou que, tal como havia deixado claro no encontro do Conselho Consultivo Anglicano que teve lugar em fevereiro no Gana, “qualquer alteração na estrutural formal da Comunhão Anglicana só pode ter lugar se acordada no âmbito dos quatro Instrumentos de Comunhão” e não por outras estruturas, por mais representativas que elas sejam.
Através de um seu porta-voz, Welby recordou que “da reunião do Gana – que contou com a presença de primazes, bispos, clérigos e leigos de 39 das 42 províncias anglicanas – saiu amplo apoio para trabalharmos juntos, de forma paciente e construtiva, para rever os Instrumentos de Comunhão, de modo que as nossas diferenças e desacordos nos permitam manter-nos juntos”, sendo que o arcebispo acolheu positivamente a decisão do Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra de 2022 de “dar à Comunhão Anglicana uma voz maior na nomeação dos futuros Arcebispos de Cantuária”.
Mas nada disto parece ter convencido os líderes da esmagadora maioria das igrejas anglicanas do mundo. Na declaração da Kigali, uma nova forma de organização já está esboçada: “Aplaudimos o convite dos primazes da GSFA no sentido de colaborarem com o Gafcon e outros agrupamentos anglicanos ortodoxos para elaborar juntos a forma e a natureza de nossa vida comum”. Uma nova forma e uma nova natureza para a organização da vida comum, longe da Igreja de Inglaterra e do Arcebispo de Cantuária!