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Décima Meditação
OS “DOIS ESTANDARTES” EM SÃO JOÃO
No quarto dia da segunda semana dos Exercícios Espirituais, Inácio propõe a meditação dos “Dois Estandartes”, que abre o tempo da “eleição” (EE, n. 136-147); a esta meditação Inácio antepõe o “preâmbulo da consideração dos Estados” (EE, n. 135), que lembra, depois da meditação de Jesus em Nazaré e no Templo e enquanto se continua a contemplar a vida do Senhor, como se deve começar a investigar e a perguntar-se “em que gênero de vida ou estado Sua Divina Majestade quer servir-se de nós”.
De que maneira tal eleição pode entrar na ótica das reflexões do presbítero? Não certamente (a não ser em casos excepcionais), como escolha de um novo modo de viver o estado em que alguém se encontra. Qual é, nesta ótica, o objetivo da meditação dos “Dois Estandartes”? Santo Inácio o apresenta principalmente no terceiro preâmbulo: “Pedir, antes de tudo, conhecimento dos enganos do chefe maligno e ajuda para evitá-los; depois, conhecimento da verdadeira vida que nos mostra o sumo e verdadeiro Chefe; e, por fim, graça para imitá-lo” (EE, n. 139).
Esta “vida verdadeira” nos lembra claramente alguns temas joaninos: Jesus vem “para que tenhamos a vida” (Jo 10,10); todo o Evangelho foi escrito “para que crendo tenhamos a vida no nome dele” (20,31). De sua parte, Inácio fala de “vida verdadeira”, enquanto supõe que existam modos errados de viver a nossa experiência religiosa. Nesta meditação gostaria de dar alguma indicação sobre alguns modos errados de entender a encarnação.
Mas antes queria refletir convosco um momento sobre a clássica meditação inaciana dos “Dois Estandartes”, que alguém pode tomar também diretamente como objeto de reflexão. Quais são os temas desta clássica meditação inaciana? Parece-me que são os seguintes:
Primeiro: O inimigo age na confusão mental e com imposições autoritárias, entre as quais devem ser enumeradas também as que vêm dos slogans do ambiente e daquele plágio social ao qual com freqüência estamos sujeitos, também no mundo eclesiástico.
Segundo: O inimigo age não somente nas pessoas, mas também nas situações, nos ambientes, nos grupos, sem excluir nada. Inácio insiste nisso no segundo ponto: “Satanás chama a si inúmeros demônios e os espalha, uns numa cidade, outros noutra, e assim por todo o mundo, não omitindo províncias, lugares, estados, pessoas”. É interessante notar que a enumeração não começa pelas pessoas, mas pelas “cidades”, e depois leva em consideração “províncias, lugares, estados”, isto é, mentalidades, ambientes, situações; as pessoas vêm em último lugar, como se fossem escravas destas mentalidades, ambientes e situações. E acrescenta: “sem excluir ninguém”; isto é, estão incluídos frades, monjas, padres, religiosos, grupos eclesiais, hierarquias etc.
Terceiro: O inimigo age segundo a linha do “gosto da posse”; também da posse intelectual, que dá prazer e que hoje pode dar também muito dinheiro; ele impele à busca do sucesso, do prestígio, da posição, da auto-suficiência, e disso deriva todo outro vício.
Mas como age o “Chefe da vida” (esta expressão poderia ser referida a At 3,15: “Jesus, Chefe da vida”)? Ele opera de maneira diretamente oposta: não com plágio do ambiente externo, mas com persuasão pessoal, de pessoa a pessoa, através de homens que não impõem com arbítrio ou império, mas propõem ao íntimo da consciência e sugerem gradualmente pobreza, desapego, aceitação cordial da própria insignificância; daqui vem a humildade.
O objetivo da meditação, pois, é o de sentir as moções diversas que estão em mim; portanto, não se trata de fazer uma análise da Igreja ou do ambiente em que vivo, mas de sentir estas moções assim como estão em mim, concretizando-as em casos e situações minhas, pedindo depois, no colóquio final, com força e insistência, a coragem de seguir o caminho difícil. Esta meditação conserva toda a sua atualidade e é para nós um ponto essencial de referência.
Proponho-lhes agora fazer esta meditação aprofundando-a do ponto de vista joanino. Tomo como ponto de partida a passagem que conclui o discurso de Cafarnaum: “Desde então, muitos discípulos o abandonaram e não mais o seguiram. Jesus perguntou, então, aos Doze: Vós também quereis ir embora? Simão Pedro respondeu: Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna (esta última expressão faz pensar em Jesus “Chefe da vida” em At 3,15, como o apresenta Inácio na meditação dos ‘Estandartes’). E nós acreditamos e conhecemos que és o Santo de Deus” (6,66-69).
Coloquemo-nos diante desta cena e reflitamos; peçamos ao Senhor que nos faça compreender como é difícil captar o seu mistério e como é fácil errar. Prova disto são os apóstolos com seus mal-entendidos. No Evangelho há um mal-entendido vivo, que é Judas. Com efeito, logo depois que Pedro disse: “Nós acreditamos e conhecemos que és o Santo de Deus”, Jesus diz: “Não fui eu que vos escolhi, a vós os Doze? Contudo, um de vós é um demônio” (6,70). Portanto, o mal-entendido já está no próprio interior da vida e da missão de Jesus: acompanha-o dia e noite. Até mesmo durante o grande discurso da revelação — em que Jesus manifesta sem véus e parábolas a sua vida, a sua união com o Pai, o seu desejo de unir os homens a si para levá-los ao Pai — ‘ quando Judas já tiver ido embora, continuam a acontecer mal-entendidos de todo tipo. Tomás diz: “Não sabemos aonde vais” (14,5); depois Filipe: “Mostra-nos o Pai” (14,8), e Jesus deve explicar-lhe que já o viu; por fim, o outro Judas: “Por que não te mostras ao mundo” (14,22)? Até mesmo nos últimos minutos o mal-entendido acompanha Jesus!
Querendo tentar alguma exposição destes mal-entendidos que acompanham a atividade de Jesus e se referem à compreensão do sentido da encarnação, procurei dividi-los em duas categorias, embora tal divisão possa ser um pouco arbitrária: os mal-entendidos dos discípulos que se situam não no primeiro nível da formação, aquele do catecumenato, mas no segundo, aquele da instrução (são os discípulos que em 6,66 abandonarão Jesus e dos quais fala todo o cap. 6); e os mal-entendidos dos presbíteros, isto é, dos discípulos que estão no terceiro nível de formação (tais mal-entendidos manifestam-se por ocasião dos últimos discursos de Jesus).
1. Entre os mal-entendidos dos discípulos da primeira categoria indíco sobretudo os dois seguintes.
Para o primeiro deles remeto para o que encontramos em 6,14s. Chamaria tal mal-entendido a “tentação do messianismo político”, ou “do clericalismo político”, no sentido de que tal tentação consiste em aproveitar as forças de pressão e de domínio social que pode derivar do fato de pertencer a Jesus e ao seu movimento: “Estes homens, vendo o sinal feito, dizem: ‘Este é verdadeiramente o profeta que deve vir ao mundo’. Jesus, sabendo que estavam para vir prendê-lo e fazê-lo rei, separou-se de novo e foi sozinho para a montanha” (6,14s.). É realmente dramática esta solidão absoluta de Jesus diante de uma massa de gente que se deixou enfatuar e plagiar, mas que não compreendeu.
2. O segundo mal-entendido dos discípulos é o que se poderia chamar a “interpretação material das palavras de Jesus”; refiro-me à interpretação “literalista”, ou “fundamentalista”.
Fala disso todo o capítulo 6, sobretudo nos vv. 52-57: “Começaram, então, os judeus a discutir entre si: ‘Como é que ele nos pode dar de comer sua carne’? Jesus insistiu: “Eu vos afirmo e esta é a verdade: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Porque minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele. Como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo para ele, assim quem me come viverá para mim. Este é o pão descido do céu. Não é igual ao que comeram vossos pais e apesar disso morreram. Quem come deste pão vive para sempre“. Todo versículo insiste no tema do comer o pão, saltando continuamente do significado material para o significado mais profundo que Jesus quer dar às suas palavras. O resultado é que muitos dizem: “Duras são estas palavras” (v. 60), e muitos até vão embora (v. 66). Este mal-entendido, que se realiza sobretudo no segundo nível da formação cristã, é devido precisamente à interpretação fundamentalista, ou seja, materialista das palavras de Cristo.
Vou dar-lhes mais alguns exemplos. Talvez nos recordemos como, há alguns anos, estavam bastante difundidas as orientações ascéticas que se inspiravam nas palavras: “Quem me come viverá por mim”, e orientavam à comunhão freqüente e até mesmo à comunhão diária, que certamente é meio seguro para a santificação. Daqui toda uma práxis pastoral que, detendo-se nas coisas (às quais se dá um valor praticamente mágico) e apegando-se a uma palavra de Jesus, cria toda uma série de mal-entendidos. Jesus não entende “quem me come” no sentido de “quem faz a comunhão”, mas entende antes “quem me recebe com fé sob o sinal sacramental, ou seja, quem aceita em sentido eclesial o dom de minha morte e ressurreição, com todas as suas conseqüências, em obediência à minha palavra”. Se não se interpreta neste sentido a palavra de Jesus “quem me come viverá por mim”, e sim no sentido material, este conselho realmente não é válido, sozinho, para transformar uma pessoa. O mesmo vale para aquelas orações e outras práticas de piedade que, baseando-se numa frase evangélica materialmente interpretada, se tornam fórmulas mágicas; talvez se creia que se obtém a coisa só porque se põe em prática certa palavra de Jesus, ou certo conselho seu; mas depois as desilusões são infinitas, quando não se vêem os frutos.
Este mal-entendido equivale a crer que a salvação esteja nas coisas, e que por isso as coisas nos salvem por si mesmas: por exemplo, às vezes se acredita que, pelo próprio fato de que Cristo se encarnou, o homem se salva: por isso seria suficiente ser homem para salvar-se, porque o Cristo está no homem; no entanto Cristo se fez homem realizando toda uma carreira de obediência, e revelando uma mensagem precisa de serviço e de amor. De outro lado, é precisamente Jesus quem diz: “É o Espírito que vivifica, a carne de nada serve. As palavras que eu vos disse são espírito e vida” (6,63). As palavras de Jesus, pois, devem ser interpretadas numa dimensão espiritual: à luz da presença do Espírito transformante.
Para concluir esta primeira parte, notemos que estes mal-entendidos não comportam absolutamente negativas, como seriam aquelas de pessoas que querem opor-se decididamente a Jesus; aqui se trata de gente que o segue até com entusiasmo: talvez com excessivo entusiasmo!
3. Passemos agora aos mal-entendidos dos que se encontram no terceiro estágio de formação, isto é, dos presbíteros, que já estão muito próximos de Jesus e escutam seu discurso de revelação (cfr. 13,31 — 14,31).
Observaremos as figuras dos três apóstolos que intervêm neste discurso: Tomé, Filipe e Judas. As frases que eles dizem poderiam, ser aplicadas a cada um de nós, sem com isso pretender que a aplicação por mim sugerida seja exegeticamente a única possível.
a) Leiamos o primeiro texto: “Depois que eu me for e vos tiver preparado o lugar, virei outra vez e vos levarei comigo. Assim, onde eu estiver, vós estareis também. Sabeis o caminho e o lugar aonde vou. Tomé lhe disse: Senhor, não sabemos para onde vais. Como poderíamos, então, conhecer o caminho? Jesus respondeu: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim; se conhecêsseis a mim, conheceríeis também a meu Pai” (14,3-7). Nesta atitude de Tomé entrevece toda a fadiga que é exigida para alcançar aquela síntese cristológica a que João nos convida. Nós estamos ainda dispersos nas práticas e nos meios, queremos sempre saber o que devemos fazer, qual é o caminho,, que livro ler etc.; mas Jesus diz: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Certamente não se trata de renunciar tout court às práticas, aos livros e aos meios; todavia, num certo ponto tudo deve unificar-se na pessoa de Jesus que nos vem ao encontro, numa visão contemplativa e unitiva, que é precisamente a que condiz com os que se encontram no terceiro estágio da formação cristã e que é a única em condições de dar valor às práticas, aos meios, aos livros, às situações, aos exercícios, às formas de renovação etc. Do contrário, estaremos sempre em busca de novas formas e de novos meios para renovar a comunidade, para renovar a Igreja e a nós mesmos, mas esquecendo que Jesus é “caminho, verdade e vida”, isto é, a única fonte de renovação, não disponível nas nossas mãos, mas a cuja ação é necessário que nos abramos. Em resumo, faremos mil coisas marginais. esquecendo o essencial.
b) Eis, depois, o mal-entendido de Filipe: “Filipe disse: Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta” (14,8). Aqui estamos diante daquele desejo de ver a Deus que exprime a ânsia religiosa profunda: “Disse-lhe Jesus: ‘Filipe, há tanto tempo que convivo convosco e ainda não me conheces?’” (14,9). É interessante este apelativo “Filipe”, que soa como quando se diz: “Meu caro”, e se subentende uma censura. “Quem me vê, vê o Pai; como tu dizes: Mostra-nos o Pai?” (14,9). Isso equivale a dizer: “Não sabes que o Pai está em mim, e quem me vê, vê o Pai?” Para nós, a frase poderia tornar-se esta: “Não sabes que quem vê a Igreja me vê?”, ou seja: “Não sabes ver através dos sinais? Não sabes abrir os olhos e ver Jesus na tua vida, e em Jesus a presença e a vontade de Deus?” É esta dificuldade de quem não sabe descobrir a graça de Deus na própria experiência opaca e às vezes também melancólica. Jesus está conosco há tanto tempo e ainda não conseguimos conhecê-lo!
c) Por fim, há o mal-entendido de Judas. Jesus acaba de dizer palavras muito bonitas: “Quem tem os meus mandamentos e os observa, esse é que ama. Quem me ama será amado por meu Pai, eu o amarei e me manifestarei a ele” (14,21). Aqui estamos num nível de êxtase místico (“eu me manifestarei a ele), quando de repente se desce: “Disse-lhe Judas, não o Iscariotes: ‘Senhor, por que te manifestarás a nós e não ao mundo?’” (14,22). Sem dúvida, estas palavras nascem do desejo ardente que Jesus, como se manifesta a Judas e aos apóstolos, assim se manifeste a todos: “Por que não te manifestas ao mundo?” Contudo, nesta expressão há algo de inexato; tanto é verdade que Jesus não responde diretamente, mas em vez disso repete quase ao pé da letra a sua frase precedente: “Respondeu Jesus e lhe disse: ‘Se alguém me ama, guardará a minha palavra, meu Pai o amará, nós viremos a ele e nele estabeleceremos nossa ‘morada’” (14,23). É como se Jesus dissesse: “Não chegaste ao núcleo da questão”.
O que se oculta, pois, sob a pergunta de Judas? Parece-me que ela exprime a dificuldade de quem não sabe aceitar as condições do crescimento da fé: com efeito, esta não comporta uma manifestação brilhante, como talvez gostaríamos, mas avança de manifestação em manifestação: Jesus aos seus, os seus a seus amigos, estes aos outros, gradualmente. Em outras palavras, esta não é a mesma tentação crassa e vulgar dos irmãos de Jesus: “Sai daqui e vai para a Judeia, para que também teus discípulos vejam as obras que fazes; porque, se alguém quer ser bem conhecido, nao deve esconder o que está fazendo. Já que fazes essas coisas, deixa que todo mundo fique sabendo”. Diante disso, João conclui melancolicamente: “Com efeito, nem mesmo os seus discípulos acreditavam nele” (7,3-5).
Esta atitude dos irmãos de Jesus em Nazaré é a atitude de quem quer — no fundo são seus irmãos — obter, fazendo conhecer Jesus, algum sucesso pessoal. De outro lado, parece que em Jerusalém, durante todo o primeiro século, os irmãos de Jesus pretenderam para si mesmos o direito de certa posição social na comunidade: como se os seus irmãos quisessem aproveitar um pouco dele. Esta tentação é a de quem está fora, porque não crê, e contudo gostaria de usar a Igreja e o prestígio dos homens de igreja para tirar algum proveito; por isso tenta adular-nos: “Vós, os melhores, os mais inteligentes e avançados expoentes da Igreja, que dizeis sobre isso?”, para depois obter um certo benefício pessoal, ou social, ou político etc.
A tentação de Judas Tadeu é diferente e mais sutil. Não se trata de obter um sucesso através da fé, mas trata-se do sucesso da fé: o que se quer é que a própria fé triunfe. E quer-se também o sucesso na fé, isto é, quer-se que a própria inserção no Cristo seja triunfalmente reconhecida, esquecendo as características próprias desta mesma fé, que é difusão e aceitação através de uma proposta pessoal, de homem a homem, como um semente lançada no coração que a seu tempo amadurece, e por isso não segue as leis de outros tipos de difusão ou de proposta, que se podem impor através de processos de persuasão global.
Com isso não se quer dizer que a fé não deva difundir-se também através dos meios que podem alcançar muitas pessoas ao mesmo tempo; o problema é discernir quais são os meios apropriados a este objetivo. De todo modo, devemos lembrar-nos de que, na realidade, o relacionamento pessoal é a última instância na qual a fé se propõe. Quando a palavra é proposta a muitos, nada está feito se cada qual não tomar a própria decisão no Senhor. A fé tem seus modos de difusão, não compreensíveis e não comparáveis com os modos de outras doutrinas. Precisamente porque é fé, ela não é obra humana, mas é obra de Deus.
Talvez poderíamos concluir esta nossa meditação sobre os “mal -entendidos da encarnação” fixando estes quatro pensamentos:
1. Deus permanece um grande mistério, até mesmo um mistério transcendente, que pede reverência pela realidade divina e humildade em recebê-la como e quando Deus no-la quer comunicar.
2. Devemos lembrar-nos também de que há sempre o perigo de representações mitológicas da encarnação: somos tentados a banalizar miticamente a presença de Deus entre nós, ou a presença de Deus em nós, ou a presença de Deus nos outros. Entre nós, como se fosse um objeto a mais ao lado dos outros — um objeto de natureza celeste — que merece adoração e transforma magicamente as condições do mundo. Em nós, quando cremos que somos transformados automaticamente por esta presença e pela fé. Nos outros, quando fazemos dos outros ídolos, ou nos apoiamos neles com a desculpa dessa presença, ou dependemos deles excessivamente.
3. O Cristo entre nós, o Deus entre nós, sem mudar ordinariamente a condição humana externamente, isto é, na sua derrelição e pobreza, abre-nos os olhos da fé, para que aprendamos a ler — em tal condição e através da mediação do Cristo pobre, crucificado e ressuscitado — a presença do amor de Deus que nos transforma interiormente.
4. Esta presença é energia, enquanto tem o objetivo de levar a fazer. Poderíamos até dizer — talvez paradoxalmente — que é uma presença a ser feita; ela é, com efeito, uma resposta a uma oferenda: Deus está presente como oferenda e como dom, enquanto espera ser tornado presente como resposta.
Concluindo, peçamos ao Senhor, que tem palavras de vida eterna, que nos faça compreender o espírito e a vida que estão nas suas palavras, para que possamos compreender o verdadeiro sentido da realidade em que vivemos.
Evangelho segundo São João
Carlo Maria Martini
Edições Loyola
S. Paulo – Brasil – 1980