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Quinta Meditação
JESUS TIRA O PECADO DO MUNDO
Esta meditação corresponde nos Exercícios ao chamado “colóquio de misericórdia” (EE, n. 61), que se faz no fim da “Meditação sobre os pecados” (EE, n. 55-61). O tema teológico que a anima é o seguinte: Jesus tira o pecado do mundo. Este é também o título da nossa meditação na qual nos ocuparemos de três situações humanas (o paralítico, o cego de nascença, a morte de Lázaro), das quais Jesus se aproxima com a força da sua amizade.
Num primeiro projeto, eu tinha acrescentado a estes três relatos aquele do milagre de Caná, porque assim poderíamos levar em consideração as quatro palavras sobre as quais já meditamos: trevas, mentira, escravidão, morte. A situação que Jesus contorna em Caná é uma situação de inautenticidade, de embaraço convivial e de mentira prática (o povo foi convidado, mas não há mais nada a dar e então se começa a procurar as desculpas). Da mesma forma, a situação do paralítico pode ser pensada em relação ao tema da escravidão: o paralítico é aquele que está ligado, não se move, não tem o poder de fazer o que quer. No que se refere ao cego de nascença, João é explícito em relacionar este episódio com as trevas. Neste caso, a aplicação “cego de nascença-luz-trevas” é claramente feita pelo próprio Evangelho. Também no que se refere a Lázaro, o tema “morte-vida” é claríssimo em toda a estrutura do capítulo.
Vemos, pois, que Jesus resolve situações de mentira, de escravidão, de trevas, de morte. Todavia, deixaremos de lado o episódio de Caná e nos ocuparemos dos outros três episódios evangélicos, seguindo a ordem que nos é sugerida pela própria narração joanina.
Sobre estas três passagens não pretendo dar mais do que alguma indicação de leitura espiritual, porque cada uma delas bastaria para dias e dias de exegese acurada. Parte do capítulo 5, mas sobretudo os capítulos 9 e 11 são construídos com uma arte refinada: cada qual poderá, lendo o texto, notar também estes aspectos. Quanto a mim, faço questão de sublinhar Jesus que transforma as situações humanas com a força da sua amizade.
1. A cura do paralítico – cap. 5
Tomo, pois, o capítulo 5 e dou alguma indicação de leitura: a cura de um paralítico na piscina de Betezatá. O contexto é dado por uma festa dos judeus (5,1); portanto, estamos num dos grandes momentos da manifestação de Jesus, que — como já dissemos — em João estão sempre ligados a festas.
Jesus sobe a Jerusalém, que é de novo o centro de sua atividade pública. Que é que Jesus encontra nesta sua ida a Jerusalém? Um paralítico incurável. O texto sublinha este aspecto (v. 5): um homem que há trinta e oito anos estava doente, isto é, um homem que não tem mais nenhuma esperança; enquanto nos primeiros anos de doença alguém ainda pode esperar e desejar ansiosamente a cura, chega um ponto em que é abandonado: pelos homens e por si mesmo. Que faz Jesus diante deste doente sem esperança? “Jesus, vendo-o estendido e sabendo que há muito tempo estava assim, disse-lhe: ‘Queres ser curado?’” (5,6). Aqui podemos contemplar Jesus que toma a iniciativa, se aproxima. No meio daquela multidão imensa, “grande número de enfermos, cegos, coxos e paralíticos” (5,3), Jesus identifica aquele que parece ser o mais necessitado: enquanto os outros ainda podem fazer alguma coisa, este está tão doente que já renunciou a ajudar-se. Jesus começa fazendo renascer nele uma chama de esperança: “Queres ser curado?” O doente responde: “Senhor, não tenho ninguém que me faça mergulhar na piscina quando borbulham as águas. Quando chego, outro já desceu antes de mim” (5,7).
A situação deste homem é aquela de quem, não podendo fazer nada, está condenado a permanecer escravo de sua doença, isto é, não pode fazer a única coisa que poderia salvá-lo. Trata-se realmente de uma situação paradoxal: ele está materialmente próximo da salvação — representada pela virtude milagrosamente curativa da água — , mas está tão doente que não pode superar aquele passo que ainda faltaria; é esta uma situação de absoluta privação de iniciativa. Que faz Jesus? Jesus vem ao seu encontro amorosamente, faz-lhe reconhecer a sua situação de impotência, faz com que ele a confesse, e depois soberanamente o cura, dizendo-lhe: “Levanta-te, apanha tua padiola e anda. No mesmo instante o homem ficou curado. Apanhou sua padiola e começou a andar” (5,8s.).
Por que disse eu “Jesus o cura soberanamente”? Porque — e aqui João joga como sempre com estas suas representações simbólicas — quem não era capaz nem sequer de carregar a si mesmo, agora consegue carregar até sua padiola: o doente desejaria poder se arrastar à beira da piscina, e Jesus lhe concede muito mais do que ele pensava; carrega não só a si mesmo, mas também sua padiola: portanto, é um homem que pode viver, pode trabalhar, pode operar de maneira plena.
Jesus o cura com a força de sua amizade: demonstra isso com sua aproximação cordial, discreta, aquela escolha do homem mais necessitado, aquela possibilidade que dá ao homem de externar o seu sofrimento, de maneira que o seu desejo se torne claro e, finalmente, aquele dom régio que Jesus realiza.
Seja como for, Jesus faz tudo isso tendo em vista a cura do coração. E isso acontecerá mais tarde: “Mais tarde, Jesus o encontrou no Templo e lhe disse: ‘Vê, ficaste curado. Não peques mais, para que não te aconteça coisa pior’ “ (5,14). É evidente que Jesus quis ir até o fundo com este homem, quis curá-lo inteiramente. E o próprio Jesus pagará pessoalmente esta cura, porque precisamente a partir daquele dia (a cura se verifica num sábado e aquele homem carregava a padiola em dia de sábado) começa a hostilidade dos judeus que o levará à morte. Com efeito, a primeira menção da vontade de matá-lo encontra-se aqui: “Precisamente por causa destas palavras é que os judeus mais obstinadamente procuravam matá-lo” (5,18).
Mas nesta cura não deixa de haver uma nota triste que se refere à situação interior e profunda deste doente: estará ele realmente curado? Parece curado; mas parece também que João queira dizer-lhe que não está, porque não compreendeu o significado profundo do sinal. Efetivamente, logo depois o evangelista põe em cena aquele paralítico, e ele não sabe como responder aos judeus que lhe perguntam: “Quem foi o homem que te disse: Toma a padiola e anda? O que tinha sido curado não sabia quem era, porque Jesus tinha desaparecido na confusão que havia ali” (5,12s.). Ele não conhece Jesus; da mesma forma, não conhece seu pecado, que pouco depois Jesus deverá manifestar-lhe com palavras admonitórias e graves (v. 14).
Portanto, o doente vai embora sadio, mas sem estar libertado de sua falta de salvação: propriamente não vem à luz. O homem não sabe quem foi aquele que o curou; e sem saber isso, sem este conhecimento de Jesus, não há verdadeira salvação, não há vida eterna. Esta é a verdadeira falta de salvação: não conhecê-lo. Todos os dons terrenos são apenas sinais da salvação prometida. Se alguém conhecesse quem é Jesus, não só ficaria curado, mas também teria a salvação: com efeito, conhecê-lo é ter a vida eterna. Por isso, aquele homem não compreendeu o sinal; mais ainda, em certo sentido ele se torna o primeiro traidor de Jesus, porque na realidade se começa a perseguição dos judeus contra Jesus, é precisamente porque aquele tal o indica a eles: “Eis o homem que me fez caminhar em dia de sábado” (5,15s.). Daqui toda a oposição. Efetivamente, João apresenta sempre as coisas de maneira muito esfumada: apresenta-nos um aspecto, mas nem tudo vai avante gloriosamente; antes, verificam-se situações contrastantes que nos mostram toda a complexidade da obra da salvação.
2. A cura do cego de nascimento – cap. 9
Faço brevemente algumas indicações sobre o episódio do cego de nascimento no capítulo 9. Também aqui temos uma indicação inicial sobre o estado desesperado de um homem que se encontra nas trevas: um cego de nascença. Situação sem esperança à qual ele mesmo e também os outros se acomodaram. Depois de um discurso sobre o pecado (os discípulos perguntam: “Foi ele quem pecou? Foram os outros?”), Jesus, superando toda esta casuística, toma a iniciativa. De novo, é ele quem inicia a obra, não é o cego que pede. “Tendo falado isto, cuspiu no chão, fez um pouco de lama com a saliva, e untou os olhos do cego com ela, ordenando-lhe: ‘Vai te lavar na piscina de Siloé’” (9,6s.).
Jesus toma a iniciativa, mas quer que se faça alguma coisa. É seu modo típico de vir ao encontro, não dando de mão beijada, não jogando as coisas do alto, mas obrigando a pessoa a fazer a sua parte. Como com o paralítico, que não podia mover-se, e ele procura movê-lo a partir do interior, estimulando-o com perguntas e propiciando uma análise de seus desejos profundos, assim com o cego de nascença: dá-lhe algo a fazer de modo a injetar-lhe uma esperança gradual que consiga pó-lo em movimento. Depois, através deste gesto, cura-o. Com efeito, aquele “foi, lavou-se e voltou enxergando”.
A partir deste capítulo 7 desencadeia-se uma nova onda de polêmicas, que se desenvolve através de todo o capítulo 9. De novo, como no capítulo 5, Jesus, que se aproxima com benignidade e realiza uma obra de salvação, se expõe a uma nova série de problemas, encontrando a reação natural do homem que não quer abrir-se à fé e continuamente procura novas escapatórias, novos subterfúgios para não se abrir à ação de Deus.
O que sobretudo nos interessa é ver como no fim do capítulo, de maneira análoga ao que aconteceu com o paralítico, Jesus se revela a este homem. Mas ele, ao contrário do paralítico, confessa com simplicidade e humildade as obras de Cristo, reconhecendo que é um profeta; e com sua ingenuidade (aqui João o envolve num confronto irônico) este homem, que não sabe quase nada, que usa palavras simplicíssimas e diz coisas evidentes, consegue confundir os raciocínios dos outros: “Nunca ouvi dizer que Deus ouça um pecador” (9,31).
Com frases de evidência imediata, quase popular e banal, ele confunde todas as observações dos doutos, daqueles que pelo contrário querem sustentar que não aconteceu nada, que não pode ser assim. Este homem realmente faz o melhor que pode, embora ainda não conheça a fundo Jesus. E Jesus, no fim (v. 35) se revela: “Jesus ficou sabendo que o haviam expulsado (portanto este homem sofreu por Jesus), e encontrando-o lhe disse: ‘Tu acreditas no Filho do homem?’ Ele respondeu: ‘Quem é ele, Senhor, para que eu creia nele?’ Jesus declarou: ‘Tu o estás vendo: é o que fala contigo’. Ele exclamou: ‘Creio, Senhor!’ E prostrou-se diante dele. Jesus disse: ‘Eu vim ao mundo para um julgamento; a fim de que vejam os que não vêem, e os que vêem se tornem cegos’” (9,35-39).
Aqui está todo o sentido da oposição entre os fariseus e Jesus; mas este é também o sentido que nos interessa: há um sinal do Senhor que se conclui com um encontro de fé, que é o termo da ação de Jesus. Jesus, através do sinal de salvação, queria levar aquele homem até este ponto, e no momento justo o leva. E aquela pessoa, tendo compreendido que não tinha recebido um benefício apenas para gozá-lo, mas o havia recebido por uma bondade profética, ouve o convite e se abre a Jesus na fé, enquanto contra Jesus já se adensa toda a hostilidade dos fariseus.
Por fim, a conclusão (“Eu vim a este mundo para julgar, para que os que não vêem comecem a ver e os que vêem fiquem cegos”) constitui a aplicação a nós de todo este episódio. Enquanto acreditamos que vemos, ou presumimos ver, iludimo-nos e estamos cegos; enquanto sabemos que não vemos e pedimos luz, deixamo-nos aproximar pelo poder do Verbo encarnado e nos deixamos iluminar por ele.
3. A ressurreição de Lazaro cap.11
Tomemos agora o episódio de Lázaro. Também neste caso se trata de um episódio muito amplo, totalmente fundado no tema “morte-vida”. Como nos outros casos, também aqui, estando Lázaro morto há quatro dias, as pessoas já começam a se habituar a isto: não há mais esperança, é preciso adaptar-se à situação. Jesus vai ter com ele por iniciativa própria, com um ato de amizade pessoal que o leva a enfrentar um perigo (cfr. 11,8), que os discípulos consideram grave.
Depois, Jesus realizará o milagre num clima de forte emoção: “Chegando Maria onde estava Jesus, logo que o viu caiu-lhe aos pés e disse: ‘Senhor! Se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido!’ Vendo que ela soluçava e também soluçavam os judeus que a acompanhavam, Jesus se comoveu profundamente, perturbando-se. E perguntou: ‘Onde o puseste?’ Responderam-lhe: ‘Senhor, vem e vê’. Jesus começou a chorar. Os judeus comentavam: ‘Vede como o amava’. Mas alguns murmuravam: ‘Ele, que abriu os olhos ao cego, não podia fazer com que este não morresse?
Jesus ficou novamente muito comovido e foi até a sepultura. Era uma gruta com uma pedra por cima. Jesus ordenou: ‘Tirai a pedra!’ Maria, irmã do morto, lhe disse: ‘Senhor, já cheira mal, pois faz quatro dias que foi sepultado’. Jesus lhe respondeu: ‘Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus?’ Tiraram então a pedra. E Jesus, levantando os olhos ao céu, disse: ‘Pai, eu te dou graças porque me ouviste. Bem sabia que sempre me ouves, mas digo isso por causa da multidão que me rodeia, para que creiam que me enviaste’” (11,32-42).
Mais do que em todos os outros milagres sublinha-se aqui uma profunda tensão dos ânimos, e uma viva comoção no próprio Jesus. Por que esta tendência a sublinhar que não encontramos em outras partes do Evangelho? Jesus está diante do sinal fundamental da sua missão: a vida que é restituída através da própria morte. O seu gesto realiza a plenitude de sua obra, que ele enfrenta com uma compaixão e uma aderência humana tremendamente incisivas: Lázaro era seu amigo, Lázaro está morto.
Na descrição joanina é realmente admirável a perfeita fusão entre aderência à vida de todos os dias — a tragédia de um amigo morto — e a percepção de que nesta tragédia está presente o mistério de Deus e o mistério da salvação. E é precisamente por força desta fusão que Jesus nos chama a aproximar-nos dele, enquanto ele transforma não o pecado ou as situações erradas em geral, mas as situações humanas concretas. E a força de sua amizade que aqui se revela de maneira verdadeiramente impressionante: nenhum outro evangelista ousou descrever Jesus tão profundamente ligado a alguém a ponto de ficar intimamente abalado diante da morte do amigo, a ponto de não poder conter as lágrimas. Diante dessa imagem tão grave, tão solene e ao mesmo tempo dramática de Jesus, deixemos correr em nós o fluxo da oração.
Poderíamos resumir assim o que nos dizem estas passagens: as situações em que se encontram os homens, em que se encontra o homem, em que às vezes nos encontramos — mentira, escravidão, condicionamentos, inautenticidade, desorientação, morte que sempre nos ameaça, como medo da morte e como possibilidade de nos revoltarmos contra a morte — são em si mesmas situações insuperáveis. Um só vem ao nosso encontro, inesperada e gratuitamente, como amigo, tomando a iniciativa: é o Verbo de Deus feito homem, que, amigavelmente, vem a nós para socorrer-nos, elevar-nos, purificar-nos; ele nos toma ali onde estamos — e conosco aquele pouco que podemos dar-lhe naquele momento — e, de maneira superabundante e regia, nos transforma. Nesta meditação pede-se-nos que confiemos em seu poder e nos deixemos interpelar, chamar e transformar por ele naquilo que ele quer dizer-nos.
Evangelho segundo São João
Carlo Maria Martini
Edições Loyola
S. Paulo – Brasil – 1980