6° Domingo de Páscoa (ciclo A)
João 14,15-21


Cenacolo 1

Referências bíblicas

  • 1ª leitura: “Pedro e João impuseram-lhes as mãos, e eles receberam o Espírito Santo” (Atos 8,5-8.14-17)
  • Salmo: Sl. 65(66) – R/ Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira, cantai salmos a seu nome glorioso!
  • 2ª leitura: “Sofreu a morte em sua carne, mas recebeu nova vida pelo Espírito” (1 Pedro 3,15-18)
  • Evangelho: “Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Defensor” (João 14,15-21)

Somos uma invenção do Espírito

Queridos irmãs e irmãos,
O drama da primeira geração de cristãos, que é no fundo o drama de todos os cristãos, é perceber se a cruz põe um ponto final, interrompe uma relação de conhecimento, de amor, de vida, de revelação, de esperança. Nós ouvíamos um dos discípulos de Emaús dizer ao misterioso companheiro: “Nós esperávamos que fosse Ele a conquistar a soberania de Israel, nós colocámos Nele tantas expectativas.” A questão é saber se a cruz interrompe essa relação ou se o mistério pascal na sua inteireza de morte e ressurreição, se aquele sepulcro que as mulheres acharam vazio, que João e Pedro confirmaram vazio, na manhã daquela primeira Páscoa, é o sinal de que esta história continua, de que não há propriamente uma interrupção mas há uma continuidade. Há uma transformação na relação, mas ela, na sua verdade, na sua autenticidade persiste e até se torna mais forte, torna-se mais radical.

Os discípulos aproximaram-se deste mistério como nós nos aproximamos, isto é, a tatear, sem ver claro, sem perceber muito bem. Mas como é que é verdadeiramente? Como é que acontece? Como é que vai ser agora? Como é que isto se torna uma verdade em mim? É a tatear, é entre dúvidas – nós estamos da mesma maneira que os discípulos, pois assim nos é narrado pelos primeiros relatos cristãos.

Contudo, do ponto de vista de Jesus, Ele explica como é este mistério que acontece em nós. Ele explica assim, nas palavras do Evangelho de S. João que dedica muito do seu evangelho precisamente a este ponto: Como é que nós vivemos a fé pascal? Como é que nós vivemos a nossa relação com Jesus, hoje, depois da Sua cruz? Não como uma relação interrompida e fracassada mas como uma relação que nos renova, que nos potencia, que nos dá vida, que nos vivifica por dentro. E no Evangelho de S. João, Jesus diz-nos: “Permanecei no meu amor, continuai a amar, continuai a amar. Porque eu não vos deixarei órfãos, não haverá um vazio. Continuai a amar-Me e eu enviarei o Espírito. Esse Espírito é o defensor, esse Espírito é o Espírito da Verdade, esse Espírito é o Consolador, esse Espírito é o Recriador, esse Espírito é Aquele que dentro de vós defenderá a fé. Porque às vezes o dilema da fé e da descrença, da noite e do dia, da esperança e do desalento é sobretudo vivido no palco do nosso coração, no interior da nossa alma. Ora, Eu vou mandar o Espírito e Ele há de ser o defensor da fé, da esperança e do amor dentro de cada um de vós.”

Tendo o Espírito nós permanecemos numa relação firme, amamos e sentimo-nos amados, sentimos que Jesus está presente, sentimos o mundo não como o lugar que é o vazio de Deus mas como um lugar onde esse encontro se celebra de tantas maneiras, numa multiplicidade de sinais. Porque amando nós sentimos Jesus presente e o Espírito ativa em nós essa capacidade de querer, essa capacidade de esperar, essa capacidade de continuar fiel ao próprio Amor. Este é o tempo em que nós dizemos “Maranathá”, dizemos “Senhor, vem. Vem no Teu Espírito.” Cada cristão é uma consequência do Espírito Santo. Nós acreditamos, nós dizemos o Credo (vamos dizer daqui a pouco de novo), o símbolo da nossa fé, porque o Espírito Santo está em nós. Nós dizemos o nome de Jesus, e esse Nome faz diferença na nossa vida, porque o Espírito nos move nesse sentido. Nós rezamos o Pai-nosso porque é o Espírito que grita “Abbá, ó Pai!” dentro de nós e Se junta à nossa fragilidade, dando força para que essas palavras nos arquitetem, essas palavras nos estruturem. O Espírito é a presença do Ressuscitado em nós. O Espírito é a continuação desta história, e uma continuação que é eloquente, uma continuação que não é repetida, não é a mesma; uma continuação que é a fantasia do Espírito, a criatividade do Espírito que faz derramar em nós dons diferentes, carismas diferentes, competências diferentes para construirmos o Reino de Deus, para fazermos essa experiência do Reino de Deus onde quer que estejamos, onde quer que seja o nosso campo de atuação. É o Espírito que nos move, por isso, o Espírito Santo é o grande protagonista.

É interessante nós olharmos para o livro dos Atos dos Apóstolos que estamos a ler nestes domingos de Páscoa. Aparecem-nos atores principais da história do Cristianismo, apareceu-nos Pedro, hoje aparece-nos Filipe que vai converter a Samaria, daqui a pouco vai-nos aparecer Paulo. Mas serão eles os verdadeiros protagonistas do crescimento do Cristianismo? Não, o verdadeiro protagonista dos Atos dos Apóstolos e da Igreja, o verdadeiro protagonista das nossas vidas é o Espírito Santo. Às vezes achamos que somos nós que fazemos, não, é o Espírito Santo que está em nós, é o Espírito Santo que atua através de nós, é o Espírito Santo que nos empurra, é o Espírito Santo que nos move, Ele é a força motriz da vida da Igreja e da vida de cada cristão. Por isso, nós precisamos tanto do Espírito Santo e precisamos redescobrir a fé no Espírito Santo.

O século XX, em termos da teologia e da eclesiologia, é um marco muito importante quando ele descobre a pneumatologia. Isto é, o Espírito Santo tem sido o grande esquecido da história do Cristianismo. Porque nós pensamos em Deus, e somos uma religião monoteísta, e falamos de Deus do Deus único. Nós somos cristãos porque acreditamos no Deus que nos é revelado por Cristo, na vida de Cristo, na Sua palavra e no acontecimento da Sua existência. E o Espírito Santo onde é que fica? O Espírito Santo muitas vezes fica completamente esquecido. E pode acontecer que nós, cristãos, até rezemos a Deus, rezemos a Jesus mas nunca tenhamos rezado ao Espírito Santo. Até pode acontecer que nós, cristãos e cristãs, não sintamos de uma forma consciente como o Espírito Santo está em nós, como nós somos um fruto do Espírito Santo, como precisamos entregar a nossa vida ao Espírito Santo, declararmo-nos seus instrumentos, pedirmos a sua ajuda, a sua iluminação, a sua força para poder ser, para poder ser mais, para poder ser melhor.

Por isso, precisamos redescobrir o Espírito Santo. Porque sem o Espírito a Igreja é só memória, o que nós estamos aqui a fazer é só uma lembrança daquilo que foi. O Espírito Santo é que diz: o Cristianismo não é só memória, é presente e é futuro. Porque, não é só lembrar o passado, nós não estamos aqui a ler palavras com dois mil anos, ou dez mil anos, nós estamos aqui a repetir um gesto que aconteceu há dois mil anos, estamos a fazer uma memória de Jesus, mas o Espírito está hoje em nós. Hoje é o primeiro dia, hoje é o dia da Ressurreição, hoje é o dia em que Jesus nos levanta, hoje somos nós os discípulos que andam a anunciar. Hoje somos nós aqueles, como diz a Carta de Pedro, que estão sempre prontos para declarar as razões da sua esperança. Hoje nós somos aqueles que são chamados a viver com alegria, com alegria mesmo o sofrimento, a perseguição, a doença, o luto, a morte. Somos chamados a viver com esperança todas as situações da vida. E porquê? Porque o Espírito Santo, a energia, a força, o vento, o sopro, o hálito, o alento do Espírito Santo está em nós. Por isso, nós precisamos redescobrir o Espírito Santo e o tempo pascal é um tempo de uma grande catequese pneumatológica. Nós temos o pneuma, o Espírito, o animus em nós.

Até em português, é interessante, temos a palavra “desanimado”. O que é um desanimado? É alguém que não tem o animus, perdeu o animus. E às vezes nós somos uma Igreja, somos uma comunidade, somos cristãos desanimados porque nos falta a vivacidade do Espírito, a juventude do Espírito, a alegria deste Espírito que é sempre uma sementeira. O Espírito que está em nós não nos deixa, Ele é o defensor do Evangelho na nossa vida e, através de nós, Ele explicita de uma maneira pacífica a própria Verdade.

Queridos irmãs e irmãos, que cada um de nós se comprometa, neste tempo pascal, a descobrir melhor o Espírito Santo. A descobrir melhor a ler, a pensar, a conversar sobre o Espírito Santo. Porque pode acontecer connosco o que aconteceu com os samaritanos. Eles primeiro receberam só o batismo, mas quando lhes perguntaram “Que batismo é que vocês receberam? Foi o do Espírito Santo?”, eles responderam “ Mas nós nem sabíamos que existe um Espírito Santo.” Ora, pode ser que nos aconteça isto, nós não sabíamos que existe um Espírito Santo. O Espírito Santo é que faz do barro um ser vivo. O Espírito Santo é que faz de uma fé que não é quente nem é fria, é que faz do nosso estado morno, é que faz do nosso tradicionalismo, é que faz da nossa fé que anda ali ‘quer, não quer’, da nossa fé a 50%, a 40%, uma fé viva. O Espírito Santo é que nos dá o sentido da plenitude, o sentido da missão, é que nos torna discípulos e discípulas de Jesus.

Por isso, descubramos o Espírito Santo e cada um de nós reze ao Espírito Santo. Maranathá! Vem Espírito Santo, enche o meu coração, conduz a minha vida! Vem Espírito Santo, ensina-me! Vem Espírito Santo, guia-me! Vem Espírito Santo e faz-me ser! Entrego-me a Ti, Espírito Santo! E veremos que a nossa vida ganhará outra liberdade, ganhará outra força, porque o Cristianismo não é uma invenção nossa.

O Cristianismo é vivido por nós, não por sermos melhores do que os outros, ou mais fortes do que os outros, ou menos cobardes do que os outros, ou menos impuros que os outros. Não, às vezes nós somos os piores do grupo – os piores, os mais fracos, aqueles que jamais seriam escolhidos para entrar num guião da virtude. E, contudo, não é isso que conta, o que conta é que numa massa frágil, vulnerável como a nossa Deus insufla o Seu Espírito. E então, nós somos uma invenção do Espírito e se nos transcendemos é na força do Espírito, e se nos renovamos é na força transformadora do Espírito, e se a nossa fé débil se fortalece é porque o Espírito acende a Sua luz dentro de nós. E se somos capazes de dizer um “sim” com uma força que nós não sabíamos existir dentro de nós é porque é o Espírito Santo que está a dizer esse “sim”, nesta hora precisa das nossas vidas. É o Espírito em nós. Por isso, precisamos abrir o nosso coração ao Espírito, pedir mais a ajuda do Espírito Santo, conhecê-Lo melhor, amá-Lo melhor. Porque é este Espírito que não nos deixa órfãos, que não nos deixa sós. E é este Espírito que é o vento de Deus, o sopro de Deus que empurra a nossa vida e a cada momento nos torna novos.

José Tolentino Mendonça
http://www.capeladorato.org

“Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Defensor”

A herança de Jesus

À primeira vista, podemos surpreender-nos ouvindo Jesus falar em ‘mandamentos’, por ocasião desta conversa íntima mantida com os discípulos, imediatamente antes da sua prisão. E este é um tema que retorna inúmeras vezes.

Lendo estes textos, sentimo-nos convidados a reler os evangelhos para reter na memória tudo o que Cristo ordenou e recomendou. Mas será que é disto exatamente que se trata?

Poderíamos pensar que, da mesma forma que Moisés partiu, deixando a Lei como herança, também Jesus nos proveu com uma lista de coisas por fazer? O que aqui nos parece, é que ele de fato nos entrega o seu testamento.

Irá morrer e, então, o que restará dele? O texto fala em mandamentos, no plural, mas também no “Espírito da verdade”, o Defensor. Isto nos convida a pensar haver estreita ligação entre o Espírito e os mandamentos, como veremos mais adiante.

Por ora, observemos que o nosso texto é «trinitário»: nele está Jesus, o Espírito e também o Pai. Se o Pai de fato não nos tivesse dado o Espírito, estaríamos sozinhos neste mundo.

Por isso Jesus disse que não nos deixaria órfãos: pelo Espírito é que definitivamente nos tornamos filhos de Deus e que Deus, por consequência, se torna totalmente nosso Pai.

Trata-se do testamento de Jesus e o que ele nos deixa em herança é a sua própria condição de Filho: «Vós estais em mim», diz, no versículo 20. Somos a morada de Deus e temos n’Ele a nossa morada. Mas o que fazem aqui os mandamentos?

Um só mandamento

Inicialmente, é preciso realçar a ambiguidade entre o plural (os mandamentos) e o singular, que encontramos em 13,34, nesta mesma conversa, portanto.

Todo o Novo Testamento repete que a lei tornou-se caduca porque resumida, porque fundada num único mandamento a uma só vez antigo e novo: o mandamento do amor.

É verdade que este único mandamento apresenta uma dupla face: o amor a Deus e o amor ao próximo. Isto, no entanto, não faz com que sejam dois mandamentos, porque o amor a Deus a quem não vemos passa pelo amor ao próximo, a quem vemos (1 João 4,20-21).

Por isso Jesus diz que o amor a Deus e o amor ao próximo são «semelhantes» (Mateus 22,37-40). Mas por que este mandamento, que já se encontrava na Lei, é dito como «novo»? Por que 1 João 2,7-8 declara ser este mandamento a uma só vez antigo e novo? É que, com Cristo e o seu êxodo pascal, tudo que era antigo, ganha outro sentido, ganha um sentido novo: é o que chamamos de “cumprimento” (o completar-se).

Com Cristo, ficamos sabendo de fato que o amor que vem de Deus vai até ao dom da carne e do sangue, até ao dom da vida. Ficamos sabendo também que este amor faz de todos nós um só corpo, tornando-nos de alguma forma interiores uns aos outros, assim como o Pai nos é interior e, nós, interiores ao Pai.

O Espírito e o mandamento

Acabamos de ver que a herança de Jesus é a uma só vez um mandamento e o Espírito. Isto, de ser o amor um mandamento, já é difícil de entender; um mandamento é uma ordem que vem do exterior, dada por algum outro.

Já o amor, ao contrário, é algo que vem de nós, do mais profundo de nós mesmos, indo para o outro, para algum outro. Sem dúvida nenhuma, esta palavra mandamento ganha aqui um sentido novo, como tudo o que nos vem de Cristo.

Para ver isto mais claramente, perguntemo-nos se o dom do mandamento e o dom do Espírito não estarão ligados a ponto de formar uma só e mesma realidade.

De fato, na Escritura, o Espírito é sempre considerado como semelhante ao Amor. A teologia O vê até mesmo como o cimento da Trindade, como o que faz a unidade entre o Pai e o Filho. Pelo dom do Espírito, o mandamento, Palavra de Deus, cessa de nos vir do exterior, para vir nos habitar.

Já os profetas haviam anunciado esta transformação do coração humano pela Palavra. Citemos Jeremias: «Porei minha lei no fundo de seu ser e a escreverei em seu coração» (31,33). O que a Lei queria obter do homem (a semelhança com Deus) nos é dado em Cristo, pelo seu Espírito.

Em Gálatas 5,13-26, Paulo enumera os frutos do Espírito em nós. Olhando mais de perto, estes frutos correspondem ao decálogo. Observamos a Lei, mas não mais em nome da Lei: em nome do amor, a presença do Espírito em nós. Claro que isto não se dá sem o nosso consentimento.

A nova Aliança no Espírito

O problema que pode se tornar um drama é que o acesso à nossa humanidade perfeita, à nossa perfeita aliança com Deus, a fonte do nosso ser, só pode se dar pela via da nossa liberdade.

Depende de nós, acolher ou recusar quem nos faz existir. Como poderíamos «ser como Deus» que é soberanamente livre, se também não o fôssemos? Aqui estamos, pois, diante do bem e do mal, do que é bom e do que é mau, da boa estrada que conduz à vida e da má estrada que conduz à morte (ver Deuteronômio 30,15-16).

Em Cristo, Deus veio tomar sobre si a maldade, o mal, a morte que temos escolhido. Recusar a criação à sua imagem já não será neutralizar Deus? Aniquilá-lo? Uma vã tentativa! Pois, em Deus, a morte vai morrer.

E eis que estamos convidados a uma nova aliança, para além da morte que nós mesmos trazemos ao mundo. De minha parte, penso que esta segunda e última Aliança esteve aí desde sempre, desde as primeiras recusas pelas quais o homem se opôs a Deus, ao Outro, aos outros; desde os primeiros Caim.

Isto quer dizer que, desde que o homem existe, o Cristo já estava aqui, escondido, de algum modo subterrâneo. Mas foi preciso esperar que «os tempos se cumprissem» para que fosse revelado em Jesus; este que para nós, é o ponto culminante do itinerário de Israel. Foi preciso que esta revelação acontecesse para que pudéssemos escolher livremente a semelhança divina, esta humanidade na qual Deus se exprime.

Marcel Domergue sj
http://www.ihu.unisinos.br

O Espírito dá vida, alegria e impulso para a Missão
P. Romeo Ballan mccj

Respira-se um clima de adeus no longo discurso-diálogo-oração de Jesus com os seus amigos depois da Última Ceia (Evangelho): abundam as emoções, lembranças, perguntas, temores… Mas sobre tudo isso prevalece a promessa certa do Mestre: “Não vos deixarei órfãos: voltarei para vós’ (v. 18); o Pai vos dará um outro Consolador… para sempre” (v. 16). Jesus promete o Espírito como dom a quem reza (Lc 11,13), apresenta-o como defensor e Paráclito (Jo 16,7-11), como Espírito da verdade plena (Jo 14,17; 16,13), como perdão dos pecados (Jo 20,22-23), como Espírito que em nós grita “Abbá, Pai!” (Rm 8,15)… Enfim, o Espírito que Jesus promete aos discípulos é um verdadeiro “Paráclito” (v.16): palavra de uso forense para indicar uma ‘pessoa chamada para acompanhar’ (v. 16) como salvador, protector, defensor. Presença amiga, uma companhia íntima e afectuosa.

É o Espírito de amor no seio da Trindade e dentro de cada um de nós, novo princípio de vida moral na observância dos mandamentos. De facto não basta apresentar a lei moral para que esta seja observada. A pura lei é como a sinalética nas estradas: indica a direcção certa, mas é incapaz de fazer andar o carro; é preciso um motor. Jesus, além de nos indicar a via, comunica-nos também a sua força, o seu Espírito para avançar em direcção à meta. Por amor! Observa-se a lei com um espírito diferente: como expressão , sinal de amor! Na gratuidade e na reciprocidade (v. 21).

O Espírito anima a missão dos fiéis no mundo, no meio de todos os povos, como se vê no Pentecostes, até aos confins da terra (cf. Actos 1,8). O mesmo se vê também na fundação da Igreja em Samaria (I leitura), que é a segunda comunidade (depois de Jerusalém), e será seguida pela de Antioquia e outras. Nos inícios da comunidade de Samaria encontramos um diácono, Filipe (v. 5); ele chega até lá fugindo da perseguição depois da morte de Estêvão, anuncia Cristo, escutam-no com interesse, realiza prodígios, baptiza, há “grande alegria naquela cidade” (v. 8). São os primeiros sinais de uma comunidade de fé, que terá depois a confirmação da parte dos apóstolos Pedro e João com o dom do Espírito Santo (v.17). Também a fundação de Antioquia tem inícios semelhantes, pela obra de simples cristãos, dispersos pela mesma perseguição; os apostos chegarão mais tarde.

A história da Igreja missionária está repleta de acontecimentos semelhantes: quase todas as comunidades cristãs iniciam com a obra de um leigo, um catequista, uma família, algumas religiosas, um grupo de leigos (a ‘Legião de Maria’, por exemplo, e outros)… Só mais tarde chegam o sacerdote e o bispo, com os sacramentos da iniciação cristã e as estruturas eclesiais. Em caso emblemático é o dos inícios da Igreja na Coreia (Sec. XVIII): alguns leigos coreanos, de regresso da China onde tinham encontrado a fé cristã e o baptismo, trouxeram com eles livros cristãos e começaram a anunciar o Evangelho de Jesus. Somente algumas décadas mais tarde chegaram à Coreia os primeiros missionários da França.

A Igreja é uma comunidade de crentes em Cristo, cujos membros – como os destinatários da carta de Pedro (II leitura) – estão “sempre prontos a responder a quem quer que vos pergunte pelas razões da esperança que está em vós” (1Ped 3,15). Nas páginas dos Actos, respira-se a frescura missionária característica das primeiras comunidades cristãs. Uma frescura e um ardor que se tornam contagiosos e que não se podem nem se devem ocultar. Com razão se afirma que “os cristãos são ridículos quando ocultam aquilo que os torna interessantes” (Card. J. Daniélou). A Igreja do Ressuscitado é uma comunidade missionária portadora de uma mensagem de vida e de esperança a anunciar a todos os povos, como declara o Concílio: “A sua comunidade (dos discípulos de Cristo) é composta de homens que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em direcção ao Reino do Pai, e que receberam uma mensagem de salvação para oferecer a todos” (GS 1).