Testo pdf:

Segunda Meditação
O “PRINCIPIO E FUNDAMENTO” DO EVANGELHO SEGUNDO JOÃO

O tema das reflexões que agora lhes proponho é este: O “Princípio e Fundamento” do Evangelho segundo João. Divido a meditação em duas partes. A primeira parte, que introduzirei com algumas considerações gerais sobre as relações entre “Fundamento” inaciano e prólogo joanino, pode ser intitulada: “o ponto de partida da pregação joanina”: trata-se de uma breve meditação sobre alguns aspectos do prólogo de João, que se adaptam ao início dos Exercícios. A segunda parte, que se poderia intitular “o ponto de chegada”, refere-se a outro aspecto “fundamental” da mensagem joafina sobre o qual já refletimos, mas ao qual é preciso voltar sempre de novo: aonde quer levar-nos esta sua pregação?.

Gostaria de adiantar uma reflexão sobre as sugestões que lhes propus na primeira meditação: se aceitamos a hipótese de que o quarto Evangelho é o Evangelho do cristão perfeito, do gnóstico, como é que João nunca usa a palavra gnosis, e nem a palavra “perfeito” (téleios), palavras que — como vimos — em 1 Coríntios, Romanos, Hebreus servem precisamente para descrever esta situação típica cristã? É o caso de perguntar, então, quais são as palavras usadas em João para designar a situação do discípulo que escuta e o caminho que ele deve percorrer.

Há duas palavras fundamentais, às quais se deve acrescentar uma terceira, para as quais chamo-lhes a atenção. Um primeiro tema mediante o qual João resume o caminho do discípulo, e que corresponde àquele do téleios (do perfeito), ou seja, à gnosis de Paulo, é certamente o tema da e do crer, a que voltaremos com uma meditação adequada. O Evangelho de João termina dizendo: “Estas palavras foram escritas para que creiais” (20,31); a cena culminante da cruz é narrada “para que creiais” (19,35); Jesus ora por aqueles que “crerão nele” (17,20). Por isso, todo o vocabulário da “fé” — que não é, em minha opinião, a fé inicial, mas uma fé especial, isto é, a fé perfeita, a fé aprofundada e madura — oferece a João os termos que indicam o caminho e o ponto de chegada do cristão.

É verdade, além disso, que em João não aparece a palavra téleios (perfeito): mas, como acontece também em outros casos no Novo Testamento, onde não se encontra o substantivo às vezes se encontra o verbo. Por exemplo, João usa muitíssimo o verbo pisteuo (creio), mas nunca o substantivo pistis (fé): trata-se de interessantes fenômenos linguísticos. Assim João nunca usa téleios (perfeito), mas fala em alguns pontos fundamentais do “levar à perfeição”. O escopo de toda a ação de Jesus é que “todos sejam teteleioménoi (“levados à perfeição”) na unidade” (17,23). Portanto, reaparece de outra forma o tema paulino: que todos sejam levados à perfeição, assim como Jesus deve “aperfeiçoar”, “realiza (o verbo é teleioun) a obra do Pai” (5,36; 4,36): uma obra que Jesus declara realizada (com o verbo teleioun) sobre a cruz (19,28-30).

Quanto ao termo gnosis — o conhecimento de que nos fala Paulo — não há dúvida alguma de que este não aparece em João; como também não aparece o termo sophia (sabedoria); mas encontra-se o verbo gnoskein, usado num sentido que. praticamente equivale àquele de gnosis, ou seja, o conhecimento superior. Há toda uma série de passagens em que, através do uso do verbo “conhecer”, João nos faz ver que tipo de conhecimento maduro constitui o escopo de sua instrução. Em particular, podemos citar entre as muitas passagens: “Conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem (10,14. 15); é este conhecimento íntimo, terminal, que constitui o escopo da pregação de João.

Santo Inácio no Princípio e Fundamento (ES, n. 23) propõe ao exercitante alguns pontos de partida fundamentalíssimos, que depois serão desenvolvidos. Ao cristão que quer percorrer o caminho do espírito sob a sua disciplina, João propõe uma premissa teológica amplíssima — amplíssima porque contém já os desenvolvimentos sucessivos — : é o prólogo do Evangelho (1,1-18). Ele é, de certa forma, o “princípio e fundamento” do Evangelho de João. Uso esta expressão porque noto algumas analogias entre os dois textos, que evidentemente continuam muito distantes entre si sob muitos aspectos.

Uma primeira analogia: ambos os textos são escritos depois: Inácio escreveu o Princípio e Fundamento quando já tinha clara a estrutura dos Exercícios; João escreve o prólogo, ou mais provavelmente o tira de outras fontes completando-o, quando é claro nele todo o conjunto da obra.
Percebo, além disso, uma segunda analogia: ambos estes textos nasceram da necessidade de um enquadramento inicial. Poder-se-ia ler o livro dos Exercícios e compreendê-lo também sem o Princípio e Fundamento. Mas o Princípio e Fundamento é de grande ajuda para um enquadramento inicial e constitui um ponot de referência para compreender e bem colocar cada coisa. Da mesma forma, parece-me que a mensagem de João poderia ser entendida também sem o prólogo. Mas o prólogo dá o enquadramento e aqueles pontos de referência que depois permitem compreender melhor o porquê da insistência sobre as coisas que são ditas a seguir.
E ainda uma terceira analogia: como o Princípio e Fundamento, assim também o prólogo já compreende de certa forma os desenvolvimentos sucessivos. No Princípio e Fundamento de Inácio está tudo, porque se alguém aceita que depende de Deus e que deve tender a ele e que por isso nas escolhas deve sempre procurar o que aproxima de Deus, já fez os Exercícios, isto é, alcançou o escopo fundamental. O que falta? Falta a assimilação cordial de tudo isso: assimilação que acontece participando do mistério de Cristo — vida, morte e ressurreição. Em síntese, porém, o Princípio e Fundamento já dá o ponto de chegada, isto é, já compreende de maneira global os desenvolvimentos ulteriores. E assim também João, quando diz: “O Verbo habitou entre nós”, já diz tudo isso que depois encontramos no seu Evangelho. O que falta? Falta que a este Verbo, que habita entre nós, se dê o devido lugar. Por isso todo o Evangelho é uma disciplina espiritual que nos convida a reconhecer as implicações, que derivam da presença do Verbo entre nós: que significa “dar lugar ao Verbo entre nós”?

Sugiro-lhes agora alguns pontos de meditação sobre o prólogo joanino, compreendido como premissa à instrução do presbítero, isto é, entendido como uma espécie de quadro de referência para aquilo que se refere ao ponto de partida e ponto de chegada da pregação joanina. Proponho-lhes que reflitam sobre os vários significados que pode ter a palavra logos, que desempenha o papel de protagonista na ação do drama representado brevemente nos 18 versículos do prólogo.

Esta palavra logos é uma palavra desesperadora, porque talvez seja a palavra grega com maior número de significados: a mente, a razão, a conta da despesa e muitas outras coisas extremamente diversas. É o caso de perguntar qual a razão que pode ter levado João a escolher esta palavra em vez de escolher outras mais precisas. Por exemplo, se queria indicar a “palavra de Deus”, por que não escolheu rema, que talvez fosse o termo mais apropriado para indicar expressamente a palavra criadora de Deus? Se queria indicar a palavra “sabedoria”, por que não escolheu sophia ou outras palavras análogas? Em vez disso, encontramo-nos aqui diante de uma verdadeira e própria dança de significados; contudo, parece-me não ser inútil levar em consideração os principais deles, sem pretender colocar-nos de forma alguma no plano exegético e sim naquele de nossa meditação existencial. Provavelmente João, dando-nos uma visão “telescópica” de todos estes significados, quis precisamente oferecer-nos uma espécie de escada para subir, degrau após degrau, até onde nos quer levar.

Os significados da palavra, pois, são muitos: para um grego o significado mais evidente, que ele recebia do difuso contexto filosófico, era aquele de logos das coisas, isto é, a razão última do ser da realidade. Ainda que os exegetas geralmente não insistam neste significado, porque sustentam que a derivação do logos joanino seria antes de tipo sapiencial, ou em geral veterotestamentário, é impossível imaginar que um presbítero de Éfeso daquele tempo, ouvindo falar do logos em sentido absoluto, não pensasse na razão última das coisas, no porquê do mundo, e portanto não começasse por aqui a sua reflexão.

Enumero, pois, cinco significados fundamentais: 1. razão de ser da realidade; 2. palavra criadora: Deus criou tudo com a palavra; 3. sabedoria que preside a criação, por isso sabedoria ordenadora; 4. palavra iluminadora e vivificante; 5. palavra reveladora: o Filho de Deus vem a nós em Jesus (encarna-se), e e Jesus quem revela o Pai.

Parece-me que João vê toda a série desses cinco significados — entre outros que talvez se poderiam acrescentar — como se eles fossem enfileirados ordenadamente um no outro; por isso, podemos levá-los em consideração um depois do outro, e assim reconstruir o projeto joanino.

1. Logos, razão última das coisas

A razão última da minha existência assim como é.está em Deus. Esta é certamente a primeira mensagem, talvez implícita, mas evidentíssima, de que deve partir o presbítero. A minha existência assim como é — e toda a situação humana — tem uma razão, tem um porquê, tem um significado. E este significado último está em Deus.

2. Logos, palavra criadora

Onde está o significado último de toda a realidade, de todas as coisas, de minha situação humana? Está na dependência de Deus. Dependência que deve ser reconhecida, com Inácio, no louvor e na reverência. Se a razão última de todas as coisas é a palavra criadora de Deus, este sentido de dependência total de Deus que deve ser reconhecido com reverência e louvor é a primeira atitude sobre a qual as outras podem ser construídas e sem a qual nenhuma disciplina espiritual pode ser construída.

3. Logos, sabedoria ordenadora

Em Deus está a razão última não só do ser das coisas, mas do ser “aqui e agora”. Ou seja: todas as situações da existência, tudo o que gegonen (“aconteceu”) e acontece agora tem um significado na sabedoria ordenadora de Deus. Todo o cosmos, de que se fala no v. 9 tem este significado.
Esta consideração é amplíssima e esclarecedora, visto que a partir dela nenhuma situação humana é privada de sentido, também aquela aparentemente mais estranha; tanto a minha situáção de homem, como a situação da humanidade e do mundo, como também a situação da igreja: tudo tem um significado na sabedoria ordenadora de Deus. Somente confiando nisso, pode ter início a formação do presbítero. Se faltar esta confiança, entrará logo a amargura e a pessoa será presa fácil do espanto diante da impressão de desordem ilimitada.
Portanto, em Deus está a razão última de todas as situações da existência: do ser o cosmos hoje assim como é.

4. Logos, pbos e zoé

Esta razão da existência é logos, no sentido de phos (luz) e zoé (vida); tudo tem um sentido, e este sentido é luminoso e vivificante. Ou seja, apesar das obscuridades da situação presente do homem, apesar da tragédia humana que nos cerca, apesar das provações da Igreja e das situações quase absurdas nas quais se encontra o mundo e podemos encontrar-nos também nós, existe no fundo de tudo um euaggélion (um “evangelho”), que nos assegura de que há uma razão luminosa e vivificante de todas estas coisas; basta que saibamos captá-la e nos deixemos transformar por ela.

5. Este logos é Jesus Cristo entre nós que nos fala do Pai

As palavras de Jesus que ouvimos na Escritura e a sua própria realidade pessoal constituem o sentido luminoso e edificante de toda a experiência humana, assim como nós a percebemos. É este o pano de fundo certo e necessário sobre o qual se enxerta toda a construção posterior. Sem esta confiança de fundo na sabedoria criadora, que regula as situações presentes e se manifesta em Cristo como “evangelho”, não há esperança de uma melhora, não há esperança de que nós mesmos mudemos e não há esperança para o mundo. A nossa esperança, com efeito, está toda neste radicar-se de todas as coisas na razão última, que é a criação divina e a presença de Jesus Cristo entre nós, o qual revela as palavras de Deus e cria uma situação de verdade e de graça no mundo: Jesus “cheio de graça e de verdade” (1,14).

Ali está, pois, a atitude a assumir diante do Evangelho de João — que, aliás, corresponde de modo total àquela solidez do princípio e de apoio que Inácio queria oferecer com o seu Princípio e Fundamento — : uma atitude inspirada no sentido de que tudo depende de Deus e a Deus se dirige, e que nossa ação pode inserir-se de maneira sensata, racional, justa, neste movimento, qualquer que seja a nossa condição presente.

Proponho-lhes agora uma consideração sobre o ponto de chegada da pregação de João. Já o definimos como a formação do cristão maduro, do cristão iluminado, do gnóstico, ou seja, do cristão que compreendeu o sentido da fé. Mas gostaria de caracterizar agora tal cristão de uma forma que me parece mais joanina, e que por isso — como tal — nos pode oferecer uma chave de leitura mais concreta do Evangelho de João.

Parto deste conceito: no Evangelho de João (que é o Evangelho dos símbolos, das semelhanças e das figuras), a segunda parte (caps. 13 — 21) manifesta a primeira (caps. 1 — 12). É sobretudo nos d.iscursos do cap. 13 ao cap. 17 — ali onde se diz de Jesus: “Agora não falas mais em parábolas, não falas mais por semelhanças” — que devemos procurar e encontrar o sentido dos sinais que precedem. Entre estes discursos tomo como ponto de referência (poder-se-iam tomar outros, mas parece-me que este nos orienta melhor para o nosso tema) o texto de Jo 15,15: “Não vos chamo mais servos, mas chamei-vos amigos”. Parece-me que aqui se exprime concretamente o ponto de chegada da disciplina espiritual a que João submete o discípulo: o Verbo é recebido entre nós na intimidade misteriosa da amizade.

O termo “amigo” é raro no Novo Testamento: é encontrado para indicar situações profanas da vida. João é o único evangelista que usa o termo philos, philéin para indicar a relação com Cristo; por isso pode ser interessante aprofundar o significado desta expressão, que indica um dos pontos de chegada da pregação joanina, e perguntar-nos quais são em João as figuras de amigos do Senhor, que ele concretamente põe diante de nós, para indicar-nos de maneira plástica onde nos quer conduzir. Damo-nos conta, então, de que o quarto Evangelho nos apresenta uma galeria de retratos de amigos do Senhor, cada um dos quais aprofunda um aspecto da intimidade do Verbo entre nós. São figuras a serem contempladas segundo a proposta inaciana: “olhar, ver, ouvir, tirar fruto”.

Quais são estes amigos? Identifiquei sobretudo cinco nomes: talvez se pudessem acrescentar outros, mas estes me pareceram os mais importantes, ou porque são explicitamente referidos a eles os termos philos ou philéin, ou então porque aparece uma situação evidente de amizade com o Cristo, que é útil para explicar um aspecto do Cristo com Jesus.

Qual é o primeiro amigo que nos é apresentado com este nome? É “o amigo do esposo”, isto é, João Batista (3,29) que se alegra com a proximidade do esposo. E se alegra ainda que não veja claramente a presença manifestada, ainda que permaneça fora da porta; mas se alegra igualmente porque, como ele afirma, “eu devo diminuir e ele crescer” (3,30). Há um aspecto importante da amizade com Jesus, que seria interessante comparar com a figura de Nicodemos. Enquanto Nicodemos está todo preocupado consigo mesmo, com a própria situação, com a própria responsabilidade alcançada, João é aquele que se alegra porque o outro se afirma: o outro cresce e ele diminui.

O segundo exemplo de amizade, que no texto vem antes (embora, de fato, o Batista já seja mencionado no prólogo), é aquele dos dois discípulos de João que Jesus acolhe no seu eremitério: “Vinde e vede. Foram e viram e passaram com ele aquele dia” (1,38s.). Aqui encontramos expresso o que Marcos diz dos doze: Jesus os escolhe para que estejam com ele (Mc 3,14). Ë este outro aspecto da amizade com Jesus: o estar com ele, demoradamente, de boa vontade, e gozar com ele de seu eremitério.

A terceira figura é dupla: Marta e Maria. Cada uma exprime um aspecto particular da relação da amizade. Maria (ao contrário do que nos apresenta Lucas) exprime aqui o serviço amoroso: é aquela que por duas vezes unge os pés de Jesus. Marta é aquela que vai ao seu encontro familiarmente, lhe fala com franqueza e simplicidade num diálogo que é totalmente cheio de audição e confiança. E aqui se poderia notar a diferença da Samaritana. Enquanto a Samaritana está cheia de preocupações e só fala com circunspecção, sem descobrir-se, sem tocar os pontos fundamentais. Marta imediatamente fala a Jesus com a máxima “parresia”, isto é, com a máxima franqueza: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas, ainda agora, sei que Deus te concederá tudo quanto lhe pedires” (Jo 11,2 ls.). Marta é capaz de um entendimento imediato com o Senhor, que lhe permite plena limpidez de transmissão das coisas que tem no coração.A quarta figura é Lázaro, de quem se diz expressamente: on philéis, “aquele que Jesus amava” (11,3; 11,36), ou philos. “o amigo” de Jesus (11,11). Enquanto nos Outros casos se pode ter uma explicitação do amor por Jesus (João lhe prepara o caminho, os dois discípulos gostam de estar com ele, Maria o serve, Marta lhe fala familiarmente), em Lázaro é difícil captar qual o aspecto da amizade que é sublinhado, porque Lázaro não faz nada: não fala, não age, não se sabe quem é, não tem um caráter preciso. Ora, se quisermos encontrar também aqui um aspecto típico, dado que Lázaro não faz nada, quer dizer que Jesus faz tudo: é Jesus quem escolhe os amigos e não há necessidade de possuir alguma característica especial, porque a primeira característica da amizade édeixar-se escolher: “Não fostes vós que me escolhestes, fui eu quem vos escolhi” (15,16). E note-se que este texto segue imediatamente o v. 15, que contém uma passagem fundamental sobre a amizade. Lazaro representa, na minha opinião, a pessoa que é amada por Jesus porque Jesus assim o quer, e que aceita a sua iniciativa.

A quinta figura, a mais eminente de todas, representa o discípulo enquanto presbítero que ouve e que abre caminho: trata-se do “discípulo que Jesus amava”, muitas vezes lembrado (13,23; 19,26; 21,7; 21,20). Por que esta figura misteriosa? Certamente ela tem na mensagem do quarto Evangelho o valor de um ponto de chegada. Ela nos mostra como a estrada do acolhimento do mistério da encarnação nos deve levar até aquela intimidade com o Senhor que é descrita sobretudo na última ceia e na cena final do Evangelho (cap. 21).

Por fim, acrescentamos ainda uma figura, para a qual se usam os mesmos verbos philéin e agapan: Pedro; este, no diálogo do capítulo final (21,lSss.) — que talvez seja o lugar neotestamentário onde são repetidos mais vezes os verbos philéin e agapan — ‘ representa o amor apostólico (ao passo que o “discípulo que Jesus amava” é antes o tipo da intimidade mística com o Senhor, aquele que compreendeu profundamente o mistério do Verbo), isto é, o amor que, tendo intuído o mistério, se dedica ao serviço apostólico, ao serviço eclesial.

Vemos, a partir de agora, como esta mensagem não se orienta de forma alguma para a determinação de uma teoria, ou seja, para um conjunto de proposições lógicas ou doutrinais, mas antes nos impele para a aquisição de uma intimidade com o Senhor de tipo novo que ainda não possuíam nem o catecúmeno nem o discípulo do segundo ciclo de instrução, preocupados que estavam com tantas coisas a aprender e com tantas prescrições a pôr em prática. Agora delineia-se a possibilidade de um relacionamento realmente novo, que deve ser cultivado, mas que na verdade nos é preparado como dom do próprio Deus.

Evangelho segundo São João
Carlo Maria Martini
Edições Loyola
S. Paulo – Brasil – 1980