Um trecho da Lectio intitulada “Onde se gera o futuro: sobre a juventude da Igreja em tempo de crise” que o padre Antonio Spadaro, diretor da Civiltà Cattolica, proferiu em 21 de fevereiro, na Aula Magna na Universidade Católica de Milão. O encontro faz parte da série de conferências “Um século de futuro. A universidade entre as gerações”, promovida pela Universidade por ocasião do centenário de sua fundação.
O texto é publicado por Corriere della Sera, 20-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
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Segundo Spadaro, “se não há sensação de vertigem, se não se experimenta o terremoto, se não há a dúvida metódica – não aquela cética -, a percepção de surpresa incômoda, então talvez não haja experiência de Igreja. O futuro da Igreja, nesse sentido, vive não somente como abertura ao futuro, suspense, inquietude, ritmo das diversidades harmoniosas, mas também plena reconciliação com todas as dinâmicas do humano, inclusive aquelas centrífugas em relação à própria Igreja”.

“Hoje reconhecemos que uma ‘civilização católica’ – afirma o diretor da Civiltà Cattolica – não é uma bolha fechada em si mesma, nem alimenta ressentimentos em relação a um mundo que para alguns parece perdido e à deriva, abandonado por Deus. A civilidade católica não é aquela construída sobre a intransigência dos puros que mata o espírito. A tentação identitária é a necrose do cristianismo”.

Nesse sentido, Bergoglio não rejeita a “utopia” como mera abstração. Pelo contrário, reconhece a sua carga positiva e o seu valor político. A utopia para o Papa é uma crítica da realidade, mas também uma busca de novos caminhos. Aqui há uma tarefa radical: reconstruir o imaginário da fé e da convivência humana em uma sociedade em mudança, onde as referências simbólicas e culturais não são mais aquelas de antigamente.

Se não há sensação de vertigem, se não se experimenta o terremoto, se não há a dúvida metódica – não aquela cética -, a percepção de surpresa incômoda, então talvez não haja experiência de Igreja. O futuro da Igreja, nesse sentido, vive não somente como abertura ao futuro, suspense, inquietude, ritmo das diversidades harmoniosas, mas também plena reconciliação com todas as dinâmicas do humano, inclusive aquelas centrífugas em relação à própria Igreja.

Somente no eschaton a unidade, a santidade, a catolicidade e a apostolicidade da Igreja aparecerão em toda a sua plenitude. A Igreja não é uma societas perfecta paralela à humana, civil. Não é um “mundo em si “. É povo fiel de Deus a caminho, communio viatorum. A sua juventude e o seu futuro consistem em reconhecer onde o Senhor já está presente no mundo, compreender onde se deixou encontrar e onde está: ora encorajando ora chamando à conversão. É necessário reler a vivência do mundo à luz da Providência e da Graça, reconhecer os semina verbi, sem nunca cair na tentação da desolação e da solidão.

Delineamos uma Igreja inquieta, instável, “desinstalada”, por assim dizer, que, no entanto, à luz da tensão rumo ao Reino de Deus e graças ao Evangelho, é capaz de ler um sentido para os eventos humanos. Assim descobriremos como verdadeiras as palavras que Julien Green escreveu em seu Diário: “Creio que estamos todos em caminho do cristianismo, e isso é praticamente tudo o que podemos dizer”.