«Tudo o que na Igreja cresce fora destas coordenadas está privado de fundamento: é como uma casa construída sobre a areia. É Deus que faz a Igreja, não o clamor das obras. É a Palavra de Jesus que enche de sentido os nossos esforços. É na humildade que se constrói o futuro do mundo. Cada cristão que não tem medo de dedicar tempo à oração pode fazer suas as palavras do apóstolo Paulo: “Esta vida, que eu vivo no corpo, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim”. Só no silêncio da adoração se experimenta toda a verdade destas palavras.»

Os primeiros passos da Igreja no mundo foram marcados pela oração. Os escritos apostólicos e a grande narração dos Atos dos Apóstolos restituem-nos a imagem de uma Igreja em caminho, uma Igreja operativa, que, no entanto, encontra nas reuniões de oração a base e o impulso para a ação missionária.

A imagem da primitiva comunidade de Jerusalém é ponto de referência para qualquer outra experiência cristã. Escreve Lucas no Livro dos Atos: «Eram perseverantes no ensinamento dos apóstolos e na comunhão, no partir o pão e na oração». A comunidade persevera na oração.

Encontramos aqui quatro características essenciais da vida eclesial: a escuta do ensinamento dos apóstolos, a salvaguarda da comunhão recíproca, a fração do pão e a oração. Elas recordam-nos que a existência da Igreja tem sentido se estiver solidamente unida a Cristo, isto é, na comunidade, na sua Palavra, na Eucaristia e na oração. É a maneira de unirmo-nos, nós, a Cristo.

A pregação e a catequese testemunham as palavras e os gestos do Mestre; a busca constante da comunhão fraterna preserva dos egoísmos e particularismos; a fração do pão realiza o sacramento da presença de Jesus no meio de nós: Ele nunca estará ausente, vive e caminha connosco. E, por fim, a oração, que é o espaço do diálogo com o Pai, mediante Cristo no Espírito Santo.

Por vezes, sinto uma grande tristeza quando vejo algumas comunidades que, com boa vontade, erram o caminho porque pensam que fazem a Igreja em ajuntamentos, como se fosse um partido político: a maioria, a minoria, o que pensa este, aquile, o outro…

Tudo o que na Igreja cresce fora destas coordenadas está privado de fundamento. Para discernir uma situação devemos perguntar-nos como, nessa situação, estão aquelas quatro coordenadas: a pregação, a busca constante da comunhão fraterna, a caridade, a fração do pão – ou seja, a vida eucarística – e a oração.

Qualquer situação deve ser avaliada à luz destas quatro coordenadas. Aquilo que não entra nestas coordenadas está privado de eclesialidade, não é eclesial. É Deus que faz a Igreja, não o clamor das obras. A Igreja não é um mercado; a Igreja não é um grupo de empreendedores que avançam com esta empresa nova.

A Igreja é obra do Espírito Santo, que Jesus nos enviou para nos congregar. A Igreja é precisamente o trabalho do Espírito na comunidade cristã, na vida comunitária, na Eucaristia, na oração, sempre. E tudo aquilo que crsce fora destas coordenadas está privado de fundamento, é como uma casa construída sobre a areia. É Deus que faz a Igreja, não o clamor das obras. É a Palavra de Jesus que enche de sentido os nossos esforços. É na humildade que se constrói o futuro do mundo.

Só no silêncio da adoração se experimenta toda a verdade destas palavras. Devemos retomar o sentido da adoração. Adorar, adorar Deus, adorar Jesus, adorar o Espírito. O Pai, o Filho e o Espírito: adorar. Em silêncio

Por vezes, sinto uma grande tristeza quando vejo algumas comunidades que, com boa vontade, erram o caminho porque pensam que fazem a Igreja em reuniões, como se fosse um partido político: a maioria, a minoria, o que se pensa sobre isto, aquilo, aqueloutro… «Isto é como um sínodo, uma caminho sinodal que temos de fazer.» Pergunto-me: onde está o Espírito Santo, ali? Onde está a oração? Onde está o amor comunitário? Onde está a Eucaristia? Sem estas coordenadas, a Igreja torna-se uma sociedade humana, um partido político – maioria, minoria -, as mudanças fazem-se como se fosse uma empresa, por maioria ou minoria. Mas o Espírito Santo não está.

E a presença do Espírito Santo é garantida, precisamente, por estas quatro coordenadas. Para avaliar uma situação, se é eclesial ou não é eclesial, perguntemo-nos se estão presentes estas quatro coordenadas: a vida comunitária, a oração, a Eucaristia, [a pregação], como se desenvolve a vida nestas quatro coordenadas. Se falta isto, falta o Espírito, e se falta o Espírito seremos uma bela associação humanitária, de beneficiência, muito bem, muito bem, até um partido, digamos assim, eclesial, mas não há a Ihreka.

E por isso a Igreja não pode crescer por estas coisas: cresce não por proselitismo, como qualquer empresa, cresce por atração. E quem move a atração? O Espírito Santo. Nunca esqueçamos esta palavra de Bento XVI: «A Igreja não cresce por proselitismo, cresce por atração». Se falta o Espírito Santo, que é quem atrai a Jesus, não haverá Igreja. É um belo clube de amigos, muito bem, com boas intenções, mas não há Igreja, não há sinodalidade.

Deus dá amor e pede amor. É esta a raiz mística de toda a vida crente. Os primeiros cristãos em oração, mas também nós que somos semelhantes séculos depois, vivemos todos a mesma experiência. O Espírito anima cada coisa

Lendo os Atos dos Apóstolos descobrimos, então, como o poderoso motor da evangelização são as reuniões de oração, onde quem participa experimenta ao vivo a presença de Jesus e é tocado pelo Espírito.

Os membros da primeira comunidade – mas isto vale sempre, inclusive para nós, hoje – percebem que a história do encontro com Jesus não se ficou pelo momento da ascensão, mas continua nas suas vidas.

Ao narrar aquilo que o Senhor diz e fez, rezando para entrar em comunhão com Ele, tudo se torna vivo. A oração infunde luz e calor: o dom do Espírito faz nascer neles o fervor. A propósito, o Catecismo tem uma expressão muito densa: «O Espírito Santo (…) recorda Cristo à sua Igreja orante, condu-la também à Verdade inteira e suscita novas formulações, as quais exprimirão o insondável mistério de Cristo, que atua na vida, nos sacramentos e na missão da sua Igreja».

Eis a obra do Espírito na Igreja: recordar Jesus. O próprio Jesus disse-o: Ele ensinar-vos-á e recordará. A missão é recordar Jesus, mas não como um exercício mnemónico. Os cristãos, caminhando nas veredas da missão, recordam Jesus enquanto o tornam novamente presente; e dele, do seu Espírito, recebem o impulso para ir, para anunciar, para servir.

No próximo domingo, a Igreja entrará no tempo de Advento. Acompanhados pela Mãe de Jesus no caminho para o Natal, nestes tempos difíceis para muitos, esforcemo-nos por redescobrir a grande esperança e a alegria que nos dá a vinda do Filho de Deus no mundo

Na oração, o cristão mergulha no mistério de Deus, que ama cada ser humano e deseja que o Evangelho seja anunciado a todos. Deus é Deus para todos, e em Jesus todo o muro de separação ruiu definitivamente: como diz S. Paulo, Ele é a nossa paz, Ele «que de dois povos fez um só». Jesus faz a unidade.

Assim, a vida da Igreja primitiva é ritmada por um contínuo suceder-se de celebrações, convocações, tempos de oração comunitária e pessoal. E é o Espírito que concede força aos pregadores que se põem a caminho, e que por amor de Jesus sulcam mares, enfrentam perigos, submetem-se a humilhações.

Deus dá amor e pede amor. É esta a raiz mística de toda a vida crente. Os primeiros cristãos em oração, mas também nós que somos semelhantes séculos depois, vivemos todos a mesma experiência. O Espírito anima cada coisa.

E cada cristão que não tem medo de dedicar tempo à oração pode fazer suas as palavras do apóstolo Paulo: «Esta vida, que eu vivo no corpo, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim».

Só no silêncio da adoração se experimenta toda a verdade destas palavras. Devemos retomar o sentido da adoração. Adorar, adorar Deus, adorar Jesus, adorar o Espírito. O Pai, o Filho e o Espírito: adorar. Em silêncio. A oração de adoração é a oração que nos faz reconhecer Deus como início e fim de toda a História. E este oração é o fogo vivo do Espírito que dá força ao testemunho e à missão.

Advento

No próximo domingo, a Igreja entrará no tempo de Advento. Acompanhados pela Mãe de Jesus no caminho para o Natal, nestes tempos difíceis para muitos, esforcemo-nos por redescobrir a grande esperança e a alegria que nos dá a vinda do Filho de Deus no mundo [saudação às pessoas de língua francesa].

À medida que nos preparamos para empreender o nosso caminho do Advento, possa a luz de Cristo iluminar os nossos caminhos e dissipar as trevas dos nossos corações [saudação às pessoas de língua inglesa].

No próximo domingo começará o Advento, tempo litúrgico que nos ajuda a preparar-nos para o Natal. Animo-vos, portanto, a dedicar momentos à oração, meditando à luz da Palavra de Deus, para que o Espírito Santo que a habita ilumine o caminho a seguir e transforme o coração, na espera do nascimento de Nosso Senhor Jesus [saudação às pessoas de língua espanhola].

Papa Francisco
Audiencia geral, Vaticano, 25.11.2020
Fonte: Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: “Pentecostes” (det.) | Emil Nolde
Publicado em 25.11.2020
http://www.snpcultura.org