Pertencem ao padre franciscano capuchinho Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, as 18 meditações sobre “O rosto da misericórdia” que a Paulus Editora lançou este mês.
Na primeira parte da obra, o autor italiano «reflete sobre a misericórdia de Deus: as suas manifestações na história da salvação e em Cristo, e os meios através dos quais ela chega à humanidade através dos sacramentos da Igreja», explica a nota de apresentação.
A segunda secção centra-se no «dever» de se ser misericordioso, e «sobre as obras de misericórdia, especialmente sobre o dever de a Igreja e de os seus ministros serem misericordiosos com os pecadores».
Antes da introdução, que transcrevemos, citamos uma prece do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, sobre Deus que primeiro ama o ser humana, que lembrada nesta obra.
«Ó Deus, Tu que nos amaste primeiro. Nós disso falámos como de um simples facto histórico, como se uma vez apenas Tu nos tivesses amado primeiro. Mas, pelo contrário, Tu procedes sempre assim. Muitas vezes, continuamente, durante toda a vida, Tu nos amas primeiro. Quando nos levantamos pela manhã e a Ti dirigimos o nosso pensamento és o primeiro, Tu nos amaste primeiro. E se me levantar quando acorda a aurora e naquele mesmo instante Te dirigir em adoração a minha alma, Tu me precedeste e me amaste primeiro. Quando de uma dissipação recolho a minha atenção e penso em Ti, Tu já aí estás primeiro. E assim sempre – e depois nós, ingratos, falamos como se uma única vez só Tu nos tivesses amado primeiro.»
Introdução
Fr. Raniero Cantalamessa, in “O rosto da misericórdia”
Li em algum sítio (mas não me lembro onde) esta afirmação: «Muitos sermões sobre o amor andam à volta do mistério, em vez de entrarem nele.» Creio que se deve dizer o mesmo sobre a misericórdia, que não é outra coisa senão uma forma especial de dizer amor. Também o livro que decidi escrever não pode senão pertencer à primeira categoria, a dos sermões que se desenvolvem à volta do mistério. Para entrar dentro dele devemos ser atraídos. Pode bater-se à sua porta, mas esta não se abre senão por dentro. Na verdade, mistério da misericórdia identifica-se, na Bíblia, com o mistério puro e simples de Deus. É a sarça ardente da qual não nos podemos aproximar sem antes nos termos descalçado, e sem haver abandonado a pretensão de avançar sozinhos, com os nossos raciocínios.
Porquê, então, escrever sobre a misericórdia? A dúvida é real. A lembrança de um episódio evangélico é que me ajudou a superá-la. Refiro -me à história do paralítico de trinta e oito anos na piscina de Betesda narrada pelo evangelista São João (cf. J6 5,1ss.). Existia a convicção de que a água da piscina tinha o poder de curar o primeiro que nela entrasse quando era agitada por um anjo. O paralítico lamenta-se a Jesus que ninguém o ajuda a entrar na água em tempo devido.
A piscina opera o milagre, mas tem de existir alguém que ajude o paralítico, lhe dê a mão e o deite à água. Esta é a finalidade e a esperança que me leva a escrever estas páginas: ter vontade de “me empurrar” a mim mesmo que escrevo e, se possível, também quem lê, a mergulhar na grande piscina sanadora da misericórdia de Deus. As suas águas são novamente “agitadas”, durante um ano inteiro, graças ao Jubileu da Misericórdia inaugurado pelo Papa Francisco por ocasião do 50.° aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II.
A ligação entre o tema da misericórdia e o Concílio Vaticano II não é arbitrária ou secundária. No discurso de abertura, a 11 de outubro de 1962, São João XXIII indicou na misericórdia a novidade e o estilo do Concílio: «A Igreja» – proferiu – «sempre se opôs a estes erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Agora, porém, a Esposa de Cristo prefere usar o remédio da misericórdia do que o da severidade.» Em certo sentido, a meio século de distância, o Ano da Misericórdia celebra a fidelidade da Igreja naquela sua promessa.
Uma palavra sobre o conteúdo do livro. A palavra misericórdia (hesed em hebraico, eleos em grego) recorre no Antigo e no Novo Testamento em dois contextos e com dois significados diversos, ainda que interdependentes. Pela primeira e original aceção, indica -se o sentimento que Deus tem para com as suas criaturas; pela segunda aceção indica -se o sentimento que as criaturas devem ter umas com as outras. A misericórdia como dom e a misericórdia como dever, melhor dizendo, como veremos, como débito.
Por conseguinte, na primeira parte do livro reflete -se sobre a misericórdia de Deus: sobre as suas manifestações na história da salvação e em Cristo, e sobre os meios graças aos quais ela se nos manifesta nos sacramentos da Igreja; na segunda parte, refletiremos sobre o dever de ser misericordiosos e sobre as “obras” de misericórdia, em especial sobre o dever de a Igreja e de os seus ministros serem misericordiosos com os pecadores, como Jesus o era.
Publicado em 24.02.2016
http://www.snpcultura.org
Título: O rosto da misericórdia
Autor: Raniero Cantalamessa
Editora: Paulus Páginas: 247 Preço: 12,00 € ISBN: 978-972-301-906-3