TRIDUO PASCAL
por Enzo Bianchi
Quinta-feira Santa
Esta tarde somos comensais da mesa do Senhor. Somos todos convidados pelo Senhor a celebrar a Páscoa, a Páscoa em que o Senhor passou deste mundo para o Pai (cf. Jo 13,1), a Páscoa em que o Senhor quis resumir toda a sua vida, tanto quanto é humanamente possível, em dois gestos acompanhados de poucas palavras.
- O gesto do lava-pés, que nós recordaremos depois desta homília, como gesto que narra a acção de Jesus, não a acção de quem preside, mas a acção, o comportamento de Jesus na relação com os seus discípulos, logo na relação connosco. Um gesto que é um convite a que lavemos os pés uns aos outros e que encontra o seu cânone, a sua forma, no próprio gesto de Jesus, que procuramos narrar em toda a sua amplitude através de um sinal.
- O gesto eucarístico, agradecimento de Jesus ao Pai, bênção de Jesus para com toda a criação e toda a história, mas também resposta aos acontecimentos da sua vida e que o levaram até ao fim, até à Paixão e à Morte.
Este ano a nossa meditação será sobre este segundo gesto de Jesus: a Eucaristia, cuja narração ouvimos nas palavras de Paulo, relatando à comunidade de Corinto a memória viva, vivida pela Igreja de Antioquia (cf. 1Cor 11,23-32), uma memória que já era celebrada em todas as comunidades cristãs como memória do gesto feito por Jesus na vigília da sua Paixão e também como revelação da sua Páscoa. Procuramos simplesmente escutar as Escrituras e compreender a Eucaristia através dele.
Jesus subiu a Jerusalém com a sua comunidade, com os doze e o evangelista Lucas acrescenta, consciente da Páscoa que Lhe estava para acontecer; Jesus assumiu um rosto pesado, duro mas resoluto (cf. Lc 9,51), dando a entender que não era necessário dizer mais nada, que tudo se resumia na simplicidade, gestos elementares e poucas palavras. Jesus sabe – certo, com a sua consciência humana, humana mas vigilante, uma consciência não adormecida, antes exercitada para compreender a necessitas humana e as exigências da vontade de Deus – que se aproxima a hora da sua morte. A hostilidade nos seus encontros cresceu, a autoridade religiosa, legítima e institucional, quer calá-lo e eliminá-lo e os seus discípulos mostram-se, cada vez mais, incapazes de compreender e de aguentar estar envolvidos na sua vida.
Jesus sabe que os outros dormiam, sabe que aquele a que tinha dado o nome de Pedro – a rocha -, com medo, será mais fraco do que uma cana rachada e sabe que, de entre os seus, há quem o irá entregar para ajudar ao seu fim. Mas Jesus lê tudo isto com uma consciência humana e como uma necessidade humana: Jesus sabe que não lhe pesa nenhum destino, não existe um destino, sabe que existe uma necessidade humana na história, porque as coisas neste mundo são assim, seguem uma lógica férrea pela qual o inocente, o justo podem apenas ser rejeitados, perseguidos e abandonados aos seus inimigos (cf. Sb 1,16-2,20). A banalidade do mal deste mundo – que não é humildade do mal, palavra demasiado nobre para ser aplicada ao mal -, a banalidade do mal está no acontecer quotidiano das coisas.
Contudo, Jesus não conhece apenas a necessidade humana, conhece também a expectativa de Deus; poderíamos também falar de uma necessitas divina, mas para compreender bem e não deixar lugar a equívocos prefiro dizer que Jesus conhece a expectativa de Deus. Jesus é assíduo com Deus: reza intensamente, em particular de noite, lê as Escrituras para descobrir como fazer a Sua vontade e, sobretudo, tem a Palavra de Deus no seu íntimo, como tantas vezes repetiu rezando o Salmo 40: «a tua lei está dentro do meu coração» (Sal 40,9). Está pois, diante de Jesus, naqueles dias da Páscoa, a expectativa de Deus, seu Pai e estão também acções precisas, responsavelmente feitas pelos homens. Jesus deve responder à expectativa de Deus e às acções dos homens: e o que é extraordinário, e por isso será o coração, o núcleo da nossa fé e da nossa vida cristã, é que Jesus responde com a Eucaristia. A Eucaristia é, de facto, a melhor palavra para identificar os gestos de Jesus, porque é a Palavra que agradece: «eukaristésas» (Mc 14,23; Mt 26,27; Lc 22,17.19; 1Cor 11,24), ou seja «tendo agradecido, elevando a Deus uma prece, dizendo a Deus um “ámen” convicto e um obrigado», um obrigado que emana da sua fé inquebrável e do seu amor fiel ao Pai.
Mas este agradecimento era também uma resposta para os seus adversários, para Judas e para os seus discípulos, resposta que foi dada por Jesus com o gesto do pão e do vinho, acompanhado de pouquíssimas palavras. É significativo que Jesus não faça grandes discursos naquela tarde: sabemos que no quarto Evangelho os discursos de Adeus (cf. Gv 14,1-16,33) são a memória das suas palavras, mas palavras reveladas por um Kýrios glorioso e ressuscitado à sua Igreja, não palavras ditas por Jesus antes da sua Paixão. Jesus faz simplesmente um gesto, diz apenas que aquele gesto, aquela Páscoa tão desejada (cf. Lc 22,15), seria a última passada com os seus e diz que aquele cálice do fruto da videira, aquele vinho da convivialidade, aquele vinho que representava todo o amor possível, vivido por um homem na terra, seria o último da sua vida. Prestados os esclarecimentos, torna conscientes da sua hora, os discípulos – ouvimo-Lo e ouvimos sempre no centro da nossa Eucaristia, do nosso agradecimento feito com Ele – «Tomou, então, o pão e, depois de dar graças, partiu-o e distribuiu-o por eles, dizendo: “Isto é o meu corpo que vai ser entregue por vós”» (Lc 22,19; 1Cor 11,24). Depois, do mesmo modo, disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós.» (Lc 22,20; 1Cor 11,25), ou: «Isto é o meu sangue da Aliança, que vai ser derramado por todos.» (Mc 14,24; Mt 26,28). O gesto é muito claro, quer ser uma prefiguração do que Jesus está prestes a viver, a sua Paixão, a sua Morte; mas quer também ser uma síntese de tudo quanto viveu até ali. Eis a resposta ao Pai, à expectativa de Deus, que pode ser expressa, de facto, com as palavras do Salmo: «Aqui estou! No livro da Lei está escrito aquilo que devo fazer.» (cf. Sal 40,8-9), o corpo que tu me preparaste, aceito que seja partido, que seja dado, é um corpo para os discípulos, é um corpo para a comunidade, é um corpo para a Igreja; e o sangue derramado da minha morte, é derramado por todos os homens, de todas as épocas e de toda a terra».
Porquê corpo partido e sangue derramado? O que esperava o Pai, de Jesus? O Pai esperava de Jesus o que tinha esperado todos os dias da sua vida terrena. Esperava que Jesus, qual filho, não assumisse nenhum comportamento contrário à justiça, contraditório com o amor, em desacordo com a sua infinita misericórdia. Jesus responde ao Pai agradecendo-Lhe, um agradecimento pela vida que o Pai lhe tinha dado, porque Jesus sabia e sabia-o melhor do que nós, que a sua vida, como a vida de cada um de nós, tinha sido criada/ desejada por Deus com um desenho e amor precisos. Jesus agradece ao Pai o dom de ser um Homem, a graça de ter vindo à terra, mortal como nós; agradece ao Pai ter podido amar esta terra; agradece ao Pai porque lhe permitiu ter pão e vinho, mover-se na lógica da necessidade e da gratuidade, na qual cada homem procura todos os dias viver e fazer viver os outros a seu lado; agradece bendizendo o Pai, mas, a verdadeira benção ao Pai, o verdadeiro agradecimento está no oferecer a própria vida, oferecer-se a si próprio. Eis a resposta de Jesus a Deus. Deus esperava apenas isto; não esperava nem a morte de Jesus, nem a violência que Ele sofreu, mas esperava que Jesus permanecesse, até ao fim, fiel aos seus sentimentos, que Jesus soubesse narrar até ao fim, o amor de Deus para com os homens. Se Jesus morria, era por uma necessidade humana, não porque Deus o quisesse.
Mas através da Eucaristia Jesus dá também uma resposta aos sacerdotes e aos escribas que o acusavam de blasfemar contra Deus. Deixando que os sacerdotes e os escribas, que a autoridade legítima do seu povo disponha d’Ele, o prenda, o declare maldito, o entregue a uma morte infame; fazendo e permitindo isso, Ele mostra poder, de facto, agradecer a Deus, porque Deus permitiu narrá-Lo, mostrá-Lo neste mundo e… sem falhas. Eis porque Jesus não faz nada para contrariar o plano dos adversários, eis porque não responde com as armas que Eles usaram. A um certo momento cala-se mesmo (cf. Mc 14,61; Mt 26,63): falou, atacou os sacerdotes e os escribas, fez-lhes advertências (cf. Mt 23,1-36), mas, quando chegou o momento, é um cordeiro sem voz, não responde (cf. Is 53,7). Aquele pão partido e distribuído: eis aquilo que Jesus quer ser; aquele sangue derramado: eis o que confirma quem era Jesus, o que queria verdadeiramente e como não importava a sua vida, mas tão só que Deus pudesse ser narrado aos homens e os homens pudessem conhecer o que é o Amor.
Mas Jesus dá também uma resposta a Judas. Judas está terrivelmente presente nos textos que relatam estes acontecimentos: sentimo-lo no quarto Evangelho, mas também nos sinópticos e sabemos do anúncio que Jesus fez, falando de Judas, em conexão com a Eucaristia (cf. Mc 14,17-21 e par.). Judas é um dos doze, que O entrega e O trai e Jesus dá, também a ele, um pedaço de pão eucarístico; dá o seu corpo e o seu sangue também a Judas. O escândalo é assumido na comunidade cristã: os evangelhos não estão a analisar as causas psicológicas porque Judas traiu, não o desculpam abafando o escândalo; é escândalo, é obstáculo para todos. Se existem razões para Judas estar com os outros até entregar Jesus, só Deus é que sabe, não devemos ser nós a investigá-las, porque quando o fazemos, procuramos apenas atenuantes para nós mesmos. O que deve, de facto, ser tido em consideração é o escândalo da traição, e também a resposta de Jesus com a Eucaristia: “Judas – disse Jesus – eis o meu corpo, que te dou”. E, significativamente, no momento da denúncia, no Getsémani, a saudação que Jesus lhe dirige é: “amigo – porque era esta a relação que Jesus tinha estabelecido com ele – a que vieste?” (Mt 26,50). Não só Jesus aceitou o beijo de Judas (cf. Mt 26,49), aceitou-o sem o recusar, sem se vingar, sem se defender e sem o condenar (todos nós sabemos que o beijo é o acto essencial do amor e, talvez, só aqueles que o dão, unicamente, ao Evangelho e ao altar sabem o que significa beijar a carne de um homem…).
Enfim, Jesus, com a Eucaristia responde aos seus discípulos, a Pedro, aos outros, a quem está cheio de medo e se mostra uma cana rachada, aos que dormem e não sabem vigiar. Também aqui, Jesus “não quebra a cana rachada, não apaga a mecha que ainda fumega” como anunciava o primeiro canto do servo de Isaías (cf. Is 42,3; Mt 12,20); diz até, aos discípulos: «Dormi agora e descansai!» (cf. Mc 14,41 e par.). Mas a todos estes seus discípulos – que somos nós, porque os discípulos de Jesus não eram diferentes da comunidade cristã de hoje e de cada um de nós, medrosos como a “rocha” ou sonolentos como os outros dez –, Jesus deu o seu corpo e o seu sangue, assim como o dá a nós.
A Eucaristia é a única e definitiva resposta de Jesus a Deus e à humanidade inteira e cada vez que a celebramos devemos, de facto, ter temor – o verdadeiro timor Domini, o único princípio de sabedoria humana (cf. Sal 111,10; Pr 1,7) –, no acolher nas nossas mãos e no acolher em nós a vida de Jesus concentrada num gesto, o corpo do Senhor para nós, o sangue para todos os homens. O que celebramos com o gesto do pão e do vinho, celebramo-lo em memória de Jesus também com o gesto do lava-pés. São duas memórias de Jesus em que não é possível nenhum protagonismo, nem de quem preside, nem do presbítero que preside à acção eucarística: é o Senhor que nos lava os pés, é o Senhor que nos dá o seu corpo e o seu sangue.
ENZO BIANCHI, Bose, 21 Abril 2011, in Coena Domini
Sexta-feira Santa
Ontem à tarde, ao iniciarmos o Tríduo Pascal, fazendo memória da Ceia do Senhor, procurámos perceber o sinal da Eucaristia e o sinal que tem na hermenêutica de João, o lava-pés: sinais que pretendiam ser uma resposta de Jesus ao Pai e aos Homens, actores daqueles acontecimentos da Paixão e Morte. Entendemos sobretudo que «eukaristésas» (Mc 14,23; Mt 26,27; Lc 22,17.19; 1Cor 11,24), aquele agradecimento, e aquele «euloghésas» (Mc 14,22; Mt 26,26), aquela bênção, eram, em Jesus o «ámen», o ámen de testemunha fiel, como significativamente Jesus definirá o Apocalipse, escrevendo com audácia: «Isto diz o Ámen, a Testemunha fiel e verdadeira» (Ap 3,14), termos cristológicos que confessam a identidade de Jesus a partir da sua Paixão e Morte. Um ámen pronunciado por Jesus com toda a sua vida; um ámen que diz sim, até, à morte; um ámen pronunciado através de um martyría, um testemunho perseverante que não falhou, que nunca se contradisse nem no sofrimento nem quando posto à prova.
Ora, recordando a cruz, nós voltamos a procurar a resposta dada por Jesus, resposta que foi a Paixão no seu significado mais profundo: paixão como amor, a chama divina do amor (cf. Ct 8,6), e ao mesmo tempo Paixão como sofrimento, dor, sacrifício. A Paixão de Jesus foi um duelo combatido entre o amor humano de Jesus – amor que era a história do amor de Deus feito carne, feito da sua mente, feito de toda a sua pessoa (cf. Jo 1,18) – e a morte, o poder que aliena o homem e que tem como sujeito o diabo (cf. Heb 2,14-15), «o príncipe deste mundo» (Jo 12,31; 16,11). Não podemos por certo comentar toda a Paixão segundo João, que é a resposta de Jesus neste duelo, resposta a Deus e resposta aos Homens: procurarei apenas destacar, em alguns pontos, as respostas de Jesus aos homens envolvidos nos acontecimentos Pascais e a resposta ao Pai.
No início da Paixão, do outro lado da torrente de Cédron, aparece, de imediato, Judas, o traidor. João especifica que Judas conhecia bem aquele sítio porque Jesus se reunia ali, frequentemente, com os seus discípulos, porque ele próprio se tinha retirado ali, por várias vezes, com Jesus, para passarem a noite e para rezarem, quando vinham a Jerusalém. No quarto Evangelho, Judas não é apenas aquele que permite reconhecer Jesus, no escuro da noite, para que seja preso, mas é também aquele que guia o destacamento romano e os guardas cedidos pelos Sumos-sacerdotes e fariseus. Jesus, quando lhe deu o pedaço de pão ensopado, tinha-lhe dito: “O que tens a fazer, fá-lo depressa.” (Jo 13,27). E agora Judas faz o que quer. Para Jesus o acontecimento anunciado na última ceia não tem retorno possível. É significativo que Jesus dê a Judas, que o vem denunciar, prender uma resposta composta por uma pergunta e por uma breve afirmação. Pergunta a Judas e aos outros: «Quem buscais?». E quando eles respondem: «Jesus, o Nazareno», o próprio Jesus responde com uma só palavra: «Egó eimi», «Sou Eu!». Certamente este «Sou Eu» indica o nome Santo do Senhor, mas deve entender-se também como reconhecimento: «Sou Eu!». É com a maior simplicidade que Jesus se entrega, que faz a declaração da sua identidade, sem nenhum gesto de defesa, sem nenhum acto de violência, mas também sem procurar explicações para aquela captura. Ele não pergunta a Judas e aos outros: «Porquê?», mas apenas: «Quem buscais? … Sou Eu».
Judas veio com soldados, lanternas, archotes e armas enquanto Jesus lhe responde totalmente desarmado. Judas está armado, mas, significativamente, o quarto Evangelho tem a coragem de dizer que há também um outro discípulo que está armado e tem consigo uma espada. Os Evangelhos sinópticos não ousam dizer que aquele discípulo é Pedro, enquanto o quarto Evangelho di-lo claramente e, para testemunhar que não se inventa aquela identidade, escreve também com muita precisão o nome do servo atingido, Malco. Pedro amava Jesus, amava-O certamente mais do que os outros, até mais do que o discípulo amado; o discípulo amado era objecto do amor de Jesus, mas era Pedro quem tinha maior amor por Jesus. Mas o amor de Pedro não era inteligente, era um amor egoísta, um amor que não lhe permitia compreender a necessitas humana pela qual o inocente, o justo pode ser vítima, apenas, e assim colocar-se do lado das vítimas: é a única possibilidade para não se colocar do lado dos potentes, dos violentos e, em definitivo, dos executores. Pedro não tinha compreendido, recusara o anúncio da Paixão de Jesus quando subiam para Jerusalém, recusara o gesto de lava-pés, recusara a lógica eucarística do pão ensopado dado a Judas. De facto, só o discípulo amado sabia que aquele pedaço eucarístico tinha sido dado ao traidor; sabia-o porque tinha perguntado a Jesus (cf. Jo 13,23-26), mas não o tinha dito a Pedro, partilhando assim da inteligência de Jesus sobre Pedro. Pedro nesta sua não-inteligência não podia fazer outra coisa senão desembainhar a espada e atingir o servo do Sumo-sacerdote. E Jesus fá-lo, simplesmente, depor a espada. O cálice que Jesus tinha dado aos seus, o cálice do seu sangue, este cálice – disse Jesus – “não hei-de bebê-lo? É esta a minha vocação”. Temos aqui a resposta dada a Judas: “Eu sou, sou Eu”, a entrega da própria identidade que é também sempre missão de que se é, ou se deveria ser, consciente.
Depois Jesus responde também a Pedro que, no seu amor, tinha seguido Jesus, depois da detenção. João diz que O seguiu com um outro discípulo. Neste seguir o rasto – não um verdadeiro seguir cristão, mas mais um estar atrás de Jesus – chegou à porta do palácio do Sumo-sacerdote. A porteira fê-lo entrar e perguntou-lhe se não era discípulo do homem que tinha sido presente ao Sumo-sacerdote. Pedro responde: «Ouk eimí», «Não sou». Como Jesus tinha respondido: «Egó eimi», «Eu sou, sou Eu», assim Pedro responde: «Não sou», não sou um discípulo de Jesus. Eis o não reconhecimento de Jesus; o não reconhecimento d’Aquele que tinha sido o rabbi, o profeta em cuja vida Pedro tinha estado envolvido. A rocha sobre a qual Jesus quisera edificar a sua comunidade – e tinha-a fundado sobre Pedro e não sobre nenhum outro! -, logo aquela “rocha” nega conhecer Jesus. Conhece-se apenas a si próprio, antes, nem a si próprio se conhece, porque, a verdade era que ele era um discípulo, um seguidor de Jesus.
E enquanto Pedro renega, Jesus é interrogado pelo Sumo-sacerdote. No quarto Evangelho é simultâneo, paralelo o interrogatório de Jesus da parte da autoridade suprema do Judaísmo, o Sumo-sacerdote e o interrogatório de Pedro da parte de uma pobre porteira. Quando o Sumo-sacerdote interroga Jesus, Ele responde apenas: «Eu tenho falado abertamente ao mundo (…) e não disse nada em segredo. (…) Interroga os que ouviram o que Eu lhes disse. Eles bem sabem do que Eu lhes falei». Ora, esta é uma resposta ao Sumo-sacerdote, mas é também a única resposta que Jesus dá a Pedro. É como se dissesse: «Interroga os meus discípulos, interroga Pedro que está aqui. Pedro e os meus discípulos sabem o que Eu lhes disse». Jesus não condena Pedro e nem sequer lhe ralha: chama-o à vocação de escuta da sua Palavra, renovando-lhe assim a vocação.
«Interroga aqueles que me escutaram, interroga os meus discípulos”: estas palavras ditas por Jesus ao Sumo-sacerdote, em breve serão realidade, como testemunham os Actos dos Apóstolos. Com efeito, Caifás, nos meses seguintes depois do Pentecostes, interrogará Pedro e João (cf. At 4,1-22), aquele que talvez fosse o outro discípulo presente no pátio do Palácio do Sumo sacerdote. O Evangelho de Lucas acrescenta que, depois das negações, Jesus voltou-se e fixou o olhar em Pedro (cf. Lc 22,61); fez exactamente a mesma coisa que tinha feito no momento da vocação, quando o chamou. E eis que Jesus responde a Pedro renovando-lhe a vocação, perdoando-o, dando-lhe uma nova oportunidade, mesmo se a “rocha” o tinha negado. Então um galo cantou, em memória das palavras proféticas que Jesus dissera a Pedro.
Segue-se a resposta dada por Jesus ao Sumo-sacerdote e aos adversários; uma resposta que, também neste caso, é uma pergunta. O que tem Jesus a dizer a quem o prendeu e o quer arrastar para o suplício da cruz como maldito de Deus e dos homens, como blasfemo? Apenas uma palavra: «Se falei mal mostra onde está o mal; mas se falei bem porque me bates?” (cf Jo 18,23). É a resposta a um dos guardas que lhe bateu, mas é a resposta a todos os adversários. Jesus não tem nada mais a dizer. As palavras de Jesus na Paixão segundo João – que este quer que sejam uma doxologia, uma narração de glória, diferente dos sinópticos – são palavras de extrema simplicidade: «Se falei mal mostra onde está o mal; mas se falei bem porque me bates?».
O momento culminante acontece com a resposta a Pilatos, última resposta à arrogância dos adversários. Pilatos diz-lhe: «Não sabes que tenho o poder de te libertar e o poder de te crucificar?». Jesus, também aqui, não lhe contesta o poder: reconhece a autoridade política, não é nem um anárquico, nem um revolucionário que não reconheça a ordem necessária à polis. Não, Jesus diz-lhe simplesmente: «Não terias nenhum poder sobre mim, se não te fosse dado do Alto». Ou seja, Jesus diz a Pilatos: «A fonte do poder não está em ti, o único poder que deve ser reconhecido está no Alto, é aquele que pertence a Deus. Certo, tu podes dispor de mim, podes exercer o poder, podes libertar-me ou podes condenar-me, mas apenas porque Deus não intervém para te impedir o exercício de um poder, com injustiça e violência. E apenas porque eu não me rebelo, não actuo violentamente e não passo para o teu lado, não estou contigo». Eis a resposta que Jesus dá a Pilatos: directa, clara, mas sem se comportar de forma violenta ou negando a autoridade de que os homens têm necessidade, para organizar a sua vida em sociedade.
Na cruz, na hora da morte, Jesus responde também à sua comunidade, aos seus discípulos e discípulas. Aos seus discípulos que tinham fugido, às suas discípulas que estavam junto da cruz porque simplesmente não tinham nada a temer: eram mulheres e ninguém, naquele contexto social, se interessava por elas. Se seguissem Jesus ninguém as prendia, porque praticamente não contavam naquela sociedade. Além disso, às mulheres era permitido seguir os condenados à morte, para chorar por eles e para lhes prestar alguma ajuda. Enfim, nem mesmo elas arriscam grande coisa. Mas Jesus vê junto da sua cruz a sua mãe e o discípulo que Ele tinha amado. Repito, não o discípulo que o amava mais do que os outros, mas o discípulo que Ele amava. Antes, a bem dizer, o quarto Evangelho não diz que Jesus amava aquele discípulo mais do que os outros onze: não, simplesmente era o discípulo que Ele amava, sem qualquer reciprocidade. Vendo pois o discípulo amado e a própria mãe, Jesus vê, de facto, toda a sua comunidade. Vê que representam Pedro, que representam os outros que fugiram por medo e Jesus responde à sua comunidade dispersa mostrando o lado de maternidade da comunidade, ou seja, uma capacidade de gerar crentes, uma capacidade de filiação em que os filhos de Deus, os irmãos de Jesus reconhecem na Igreja a mãe: «“Mulher, eis o teu filho!”, e ao discípulo amado: “Eis a tua mãe!”». «E desde aquela hora, o discípulo amado de Jesus», o único que tinha conhecido o traidor, o único que conhecia o coração de Jesus e que nada tinha feito no momento da prisão e da traição, «acolhe a mãe de Jesus eis tà ídia, entre as próprias coisas, as coisas que lhe pertenciam como um tesouro». O discípulo amado de Jesus sabe que a Igreja é um dom e que está entre as suas coisas mais queridas.
Enfim, eis a resposta ao Pai, a última resposta da Paixão. Jesus é crucifixo mas, da cruz reza, entoando o salmo 42. Não nos iluda a tradução: «Tenho sede». Na verdade, em hebraico, em aramaico, este grito recorda um versículo do Salmo 42: «A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo» (cf. Sal 42,3). Eis a sede de Jesus, eis de que estava sedenta toda a sua vida: sede de Deus, que significa sempre sede da sua Justiça e do seu Amor, sede da sua Misericórdia.
Jesus tem sede do Deus vivo, quando verá o seu rosto (cf. ibid.)? Rezar este Salmo na hora da morte é confessar que se tem sede: se se tem sede, falta a água: se se tem sede de Deus, falta Deus e não se vê o seu rosto. Jesus passa um olhar retrospectivo por toda a sua vida, pela sua sede de cumprir a vontade do Pai, olha para tudo o que fez e disse, olha para as respostas que deu aos homens e num acto verdadeiramente eucarístico grita: «cumpriu-se», isto é, tudo foi cumprido, «consummatum est». Sim, cumpriu-se a vontade do Pai, Jesus cumpriu plenamente a vocação recebida, Jesus viveu até ao limite os mandamentos do Pai, o mandamento do amor (cf. Jo 13,1). Este «cumpriu-se», é um grito de alegria, é um grito de eucaristia, é um grito de bênção, é um grito de vitória. É um grito que deve ser entendido à luz das palavras que o quarto Evangelho põe na boca de Jesus: «Eu já venci o mundo!”, venci a mundanidade (Jo 16,33). Ou melhor: «Em mim venceu o amor de Deus», e a paixão quer apenas exprimir isto. Eis a resposta de Jesus ao Pai, a Deus: a eucaristia, o agradecimento foi vivido por Jesus até ao «consummatum est», até à realização de tudo aquilo que o Pai Lhe tinha revelado, de toda a sua vontade.
Depois deste grito, Jesus «entregou o Espírito». Sabemos que no quarto Evangelho isto significa «expirou, morreu», mas refere-se também àquela respiração que Jesus tinha, que era a respiração do Espírito Santo, a respiração com que tinha sido gerado pelo Pai. Aquela respiração Jesus derrama sobre a Igreja aos pés da cruz, sobre a humanidade, sobre todo o Universo.
Ora Jesus espera na morte, no túmulo a resposta do Pai. Jesus respondeu, todas as suas respostas foram dadas: agora deverá responder o Pai.
ENZO BIANCHI, Bose, 22 Abril 2011
Páscoa do Senhor
Com esta Vigília, chegámos à plenitude do Tríduo Pascal, ao terceiro dia, ao “tudo está consumado” (cf. Jo 19,30); um «tudo está consumado» cantado pelo Cristo vivo e glorioso, ressuscitado para sempre, um «tudo está consumado» cantado pela Igreja, por aqueles que seguiram Jesus e que o aclamam Kýrios, Senhor.
A longa Vigília, em que escutámos as Santas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento, permite-nos contemplar a história da salvação, a acção de Deus, do in-princípio até ao cumprimento das suas promessas em Cristo. Esta Vigília tem, sobretudo, um objectivo: fazer-nos compreender a Páscoa, a ressurreição e fazer-nos participantes deste mistério, o mistério da vitória de Deus sobre a morte, do “Deus” que “é amor” (1Jo 4,8.16) sobre a morte. Porque apenas disto, nós terrestres, temos necessidade: de acreditar que o amor que vivemos, o amor partilhado com aqueles que amámos e que amamos, o amor de que fomos capazes – combatendo o nosso egoísmo, a nossa philautía, a nossa vontade de sobreviver sem os outros, talvez até contra os outros, mas realmente de viver sobre, de sobre-viver – enfim, esse amor, é um amor que permanece, que contém qualquer coisa de Eternidade, um amor que nos permite dizer no presente e no futuro: “Eu amo, mesmo quando o outro que eu amo, já não está.” Por causa desta esperança, porque nós, homens, temos necessidade de compreender, de perceber, sobretudo, a nossa morte, queremos escutar o que o Evangelho, a Boa Nova nos diz desta vitória do amor sobre a morte.
Nos dias precedentes detivemo-nos na perícope da Última Ceia, quando Jesus deu o sinal do seu amor – a Eucaristia -, e detivemo-nos ainda na Paixão vivida por Jesus, enfatizando o facto de ter respondido, primeiro com a Eucaristia, que mais não é do que a prefiguração da Paixão e depois com a vida, com um único Ámen: um ámen doxológico a Deus Pai, mas também um ámen àqueles que tinham sido seus irmãos, que se tinham envolvido na sua vida, irmãos que se tinham junto e mostrado adversários e perseguidores. E concluímos a meditação de Sexta-feira Santa com a sepultura de Jesus, com a espera da resposta do Pai. Jesus respondeu – podemos resumir -, respondeu a todos, “amando até ao fim” (cf. Jo 13,1) e sem nunca contradizer o amor. Mas, quando colocou tudo nas mãos do Pai, quando expirou (cf. Lc 23,46; Sal 31,6), Jesus espera uma resposta. Para os Homens, para Pedro, para Judas, para os outros dez, para os Sumo-sacerdotes, para o poder político romano, com a morte de Jesus, fechou-se, de facto, um ciclo: um túmulo, com uma pedra sobre a entrada, diz, até de forma visual, que tudo estava terminado. Segundo Mateus existem mesmo guardas que vigiam a sepultura, para que se mantenha fechada, para que ninguém a abra, para que ninguém venha roubar o cadáver e depois invente a fábula, a lenda de que ressuscitou (cf. Mt 27,62-66).
Mas, ao amanhecer do primeiro dia, depois do sábado, Maria de Magdala e a outra Maria, foram visitar o sepulcro. E eis que, enquanto olham para o sepulcro, são surpresas por uma revelação. Um anjo do Senhor, o anjo-intérprete da Palavra de Deus, o anjo-intérprete dos acontecimentos que Deus realiza na história, pois bem, este anjo, diz às mulheres: “ Não tenhais medo. Sei que buscais Jesus, o crucificado; não está aqui, pois ressuscitou, como havia dito. Vinde, vede o lugar onde jazia e ide depressa dizer aos seus discípulos: Ele ressuscitou dos mortos e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis.” Estas palavras do anjo-intérprete que já ouvimos tantas vezes, porque são o anúncio pascal por excelência, são também o essencial da boa notícia para os homens. Jesus, o crucificado, aquele que morreu na cruz, ressuscitou e o túmulo está, de facto, vazio. São palavras que parecem insensatas, contra a razão, sobretudo conta a evidência da morte enquanto realidade de que nenhum homem, jamais, voltou. E, contudo, estas palavras de interpretação querem dizer uma verdade que é muito maior do que um milagre, muito mais profunda que o extraordinário conteúdo do anúncio: «Eghérte», «Ressuscitou, despertou!». Este é o grito da Igreja, o grito litúrgico mas, como disse Pedro, na sua primeira homília depois do Pentecostes, este grito continua a significar: «Deus ressuscitou-O, libertando-O dos grilhões da morte, pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte» (cf. At 2,24;32). Deus, o Pai de Jesus, aquele que Jesus invocava na fé e chamava: «Abba, Pai» (Mc 14,36), respondeu-Lhe do lado de lá da sua morte.
Jesus morreu, morreu realmente, como morre um homem, como morre uma vida animal. Mas Deus levantou-O da morte e deu-Lhe a sua vida divina, a vida eterna. Não reanimou um cadáver, não deu vida a um morto – atenção! – mas deu-Lhe a sua própria vida, a vida divina, a vida eterna. A propósito, um dos textos mais antigos que possuímos, mais antigo que os Evangelhos, o prólogo da Carta de S. Paulo aos Romanos, diz: «Cristo Jesus … nascido da descendência de David segundo a carne, constituído Filho de Deus em poder, segundo o Espírito santificador pela ressurreição de entre os mortos,…» (Rm 1,1.3-4). Eis a resposta do Pai a Jesus, que revelara plenamente a Paternidade de Deus nos seus encontros. É a resposta do Pai à morte filial de Jesus. Se há uma revelação de Deus Pai, para nós cristãos, não vem da invocação feita por Jesus: “Pai-nosso” (Mt 6,9), mas vem, sobretudo, da acção com que Deus fez ressurgir Jesus e fê-Lo seu filho. Não apenas, mas significativamente, Paulo na sua prédica diante dos Judeus de Antioquia de Pisídia afirma: «Deus cumpriu (a promessa) … ressuscitando Jesus, como está escrito no salmo segundo” (At 13,33) : “Tu és meu filho, Eu hoje te gerei” (Sal 2,7). Esta exegese do Apóstolo sobre o Salmo 2 é uma exegese canónica, portanto definitiva: a morte na cruz, de Jesus é, na realidade, um nascimento para a plenitude da vida; porque Jesus soube morrer como filho, o Pai tinha – podemos dizer – de se mostrar Pai e assim levantar o seu filho da morte.
À luz desta morte que gera Jesus como filho de Deus, compreendemos também algumas palavras dispersas na Carta aos Hebreus. Jesus que veio ao mundo (cf. Heb 10,5), que “aprendeu a obediência por aquilo que sofreu” (cf. Heb 5,8) durante toda a sua vida, até à sua paixão e morte, na morte filial pode, de facto, dizer em plenitude: «Abba, Pai», sem nenhuma reserva, oferecendo totalmente a sua vida a Deus. Queremos pôr lado a lado as palavras de Jesus e as palavras do Pai, segundo a Escritura. Jesus disse: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu Espírito», as suas últimas palavras antes de expirar. E o Pai acolhe Jesus na morte dizendo-Lhe: «Tu és meu filho, Eu hoje te gerei». Eis onde está o “tudo está consumado” de Jesus, o Ámen de Jesus ao Pai, mas podemos agora também dizer, o Ámen do Pai a Jesus. Jesus foi fiel, foi um Ámen ao Pai; e o Pai é fiel, é o Ámen a Jesus.
Jesus definira a sua morte como um baptismo. Tinha falado aos discípulos num baptismo que devia receber (cf. Lc 12,50). E, de facto, assim se compreende como a morte de Jesus se transformou num grande baptistério: cada homem que morre é imerso neste baptistério e, na própria morte, encontra a morte de Jesus. A nossa morte é imersa na sua morte e, com Ele, nós conhecemos o que é levantarmo-nos, ou, melhor, o que é ser ressuscitado da morte através de uma acção de Deus que não só nos levanta como nos dá a vida, nos faz plena e radicalmente seus filhos.
Basta recordar as palavras com que Jesus sentiu que devia também questionar os discípulos, falando da sua morte como baptismo: «Podeis beber o cálice que Eu vou beber e receber o baptismo que eu vou receber?» (Mc 10,38). Também para cada um de nós a morte é um baptismo. Compreendemos, por isso, bem a expressão que ouvimos na Carta de Paulo aos Romanos: “Pelo baptismo fomos, pois, sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova.”(cf. Rm 6,3-4) e a morte de Cristo é o verdadeiro baptistério em que todos os homens são, de alguma forma, imersos: crentes ou não crentes, cristãos ou não cristãos, a sua morte encontra sempre a morte de Jesus e a morte de Jesus não é mais estranha à nossa, de homens. Alguns Padres da Igreja ousaram mesmo dizer que, precisamente na morte, encontraremos a purificação dos nossos pecados, porque a morte é um baptismo mais radical do que o baptismo sacramental que recebemos e que deu início à nossa vida Cristã. «Nas tuas mãos, Pai, entrego o meu Espírito» deveremos dizer e cada um de nós deverá dizê-lo; e cada um de nós escutará a voz de Deus: «Tu és meu filho, Eu hoje te gerei». Porque na morte seremos gerados para a vida eterna, participaremos da vida de Deus. A resposta do Pai a Jesus é também a resposta do Pai a cada um de nós, porque se não tivesse havido esta resposta também para nós – e é sempre Paulo quem no-lo diz –, então não teria sido dada uma resposta, sequer a Jesus. Atenção, na Primeira Carta aos Coríntios, o apóstolo di-lo claramente: «Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou”(cf. 1Cor 15,16). Não afirma apenas: «Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé» (cf. 1Cor 15,14.17), mas também: “Pois, se os mortos não ressuscitam , também Cristo não ressuscitou”. Afirmação escandalosa, que Paulo confirma dizendo: «E se nós temos esperança em Cristo apenas para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens» (cf. 1Cor 15,19).
A concluir este percurso que procurámos fazer, desde a última ceia até à ressurreição, podemos dizer que Jesus fez ao Pai uma grande Eucarístia, ergueu ao Pai um grande agradecimento. O Pai reconheceu este louvor, acolheu-o e com a sua acção ressuscitou-O, confirmando a sua Eucarístia. Mas esta confirmação de Jesus é sobretudo um selo: tendo Jesus vivido o amor até às últimas consequências, é digno de ser chamado «meu filho», de ser Filho do Deus que é amor, do Deus que, sendo amor, vence a morte. Agrada-me pensar que no seio da vida trinitária em que Pai, Filho e Espírito Santo, num movimento circular, numa perichoresis, permutam a vida, o Pai acolhe a Eucarístia do filho, o agradecimento do filho, no Espírito Santo, mas agradece também ao filho por ter sido fiel e por tê-lo revelado a todos nós, Homens. De facto, a Ssma. Trindade é uma Eucarístia recíproca na qual, todos, somos convidados a participar.
ENZO BIANCHI
Bose, 24 Abril 2011
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