Festa da Sagrada Família de Nazaré
(ciclo A)


Rifugiati

Referências bíblicas
1ª Leitura – Eclo 3,3-7.14-17a (gr.2-6.12-14)
Salmo – Sl 127,1-2.3.4-5 (R. Cf 1)
2ª Leitura – Cl 3,12-21
Evangelho – Mt 2,13-15.19-23


Hoje celebramos a Festa da Sagrada Família de Nazaré. É uma festa muito importante na Igreja e propícia para meditar o sentido da Família em nosso mundo.
A reflexão é de Virma Barion


O Evangelho (Mt 2,13-15.19-23), texto exclusivo de Mateus, nos apresenta uma família de emigrantes clandestinos. Estão sendo perseguidos e, assustados, devem fugir “de noite” para outra terra também especialista em opressões. E a fronteira? Como lidaram com ela? O texto não informa nada sobre ela.

Essa família fugitiva poderá ser considerada protetora de todas as “sagradas Famílias” que hoje, numerosíssimas, estão tentando buscar um lugar seguro, um espaço nesta nossa terra – que deve ser de todos – onde poderão ter o necessário para viver com dignidade. Mas, o que está acontecendo? Como estão as fronteiras de muitos países, principalmente da Europa, dos Estados Unidos e outros, inclusive também vítimas da violência e da pobreza?

Dizíamos que o texto do Evangelho que proclamamos hoje é exclusivo do Evangelista Mateus. Sabemos que as comunidades que estão por trás do relato de Mateus são formadas por maioria judaica. O texto está querendo fazer um paralelo interessante entre Moisés e Jesus; entre o Faraó e Herodes. A história de Jesus se assemelha à história do seu povo. A ordem do Faraó era matar todos os meninos que nascessem dos judeus no Egito; a ordem de Herodes era também matar, no território de Belém, as criancinhas abaixo de dois anos para, entre elas, acabar com Jesus. Essa é sempre a decisão dos covardes, dos governos autoritários e ditadores: acabar com a vida.

No caminho para as fronteiras de hoje, morrem muitos inocentes, pela ganância de “faraós e herodes” modernos. Podemos ficar indiferentes diante do drama da humanidade que é a imigração, os refugiados? Acredito que, como cristãos, o mal da indiferença poderá ser o maior entre os males da humanidade. E muitas pessoas usam a Bíblia e o nome de Deus para justificar tal postura. A partir desse relato de Mateus, somos convidados a examinar o nosso estado de indiferença diante da situação da imigração e dos refugiados e conversar sobre isto em família, entre os vizinhos e na comunidade cristã.

O texto de Mateus termina com um dado interessante: a volta para a Terra de Israel, quando o ditador, Herodes, morrera. Mas, quem sucedia o pai na Judeia? Arquelau, filho de Herodes, muito mais cruel do que o pai. Então, a Sagrada Família discerniu à luz de Deus o caminho a seguir. E foi-se para a Galileia, instalando-se na simples cidade de Nazaré, de onde não se esperava coisa boa, segundo Natanael. E lá em Nazaré Jesus, Maria e José viveram a experiência de uma família pobre, mas muito feliz e harmoniosa.

Lá Jesus, o Filho de Deus, viveu uma vida em nada diferente dos seus coleguinhas da mesma idade. Aprendeu o mesmo que eles: a história do seu povo, a lei de Moisés, os Salmos, os ritos e orações da religião judaica. Ele Admirava as paisagens luminosas de sua terra, os pássaros do céu e os lírios do campo.

Gostava do sabor do pão, do leite, do peixe, o cheiro do lago. Acompanhava sua mãe até a fonte do povoado; observava quando ela varria a casa, colocava o fermento em três medidas de farinha, arrumava as roupas, dava comida aos animais. É nessa terra boa para a agricultura que Ele contemplava os gestos do semeador e do pescador, a lenta maduração das espigas e das vinhas, a alegria das colheitas, o pagamento dos salários aos trabalhadores, o pastor pastoreando as ovelhas do rebanho. Disso tudo ele vai falar mais tarde na sua pregação em forma de parábolas. Por meio delas, a Palavra de Deus seria expressa para toda a humanidade. Aprendamos, pois a vida de família no quadro maravilhoso da Família de Nazaré.

Vamos dar uma passada agora pelas outras leituras que a liturgia põe diante dos nossos olhos para a meditação.

A primeira é tirada do livro Eclesiástico, capítulo 3. É um belo texto sobre a família. Vejamos literalmente o que nos diz:

  • Deus honra os pais nos filhos e confirma sobre eles a autoridade da mãe.
  • Quem honra o seu pai: alcança o perdão dos pecados e evita cometê-los; será ouvido na oração diária; é como quem junta tesouros; terá alegria com os próprios filhos; terá vida longa; no dia em que orar será atendido. E quem obedece ao pai, será o consolo da mãe.
  • Logo o texto diz para: amparar os pais na velhice; não causar-lhes desgosto; ser compreensivos com eles, mesmo que estejam perdendo a lucidez; não humilhá-los.
  • E conclui dizendo que a caridade feita para com os pais nunca será esquecida, mas servirá para reparar os pecados e edificar a justiça.

A ponte entre a primeira e segunda leitura é o Salmo 127 (128) que é um elogio da pessoa justa, que teme o Senhor e que ganha o sustento com o trabalho de suas mãos. O salmo apresenta a mulher como “videira fecunda na casa” e os filhos como “rebentos de oliveira ao redor da mesa”. Tudo isto expressa uma cultura de relações daquele momento histórico e cultural do lugar. Na parte que alude ao ganho do sustento possivelmente o salmista esteja falando da pessoa do pai. Por isso coloca a mulher no âmbito do doméstico: cuidando da casa e dos filhos. Hoje, porém, podemos dizer que “ganhar o sustento” está sendo realidade dos dois, pai e mãe. A mulher já não ocupa somente o âmbito do doméstico, mas também do público. Muitas famílias são sustentadas exclusivamente por mulheres. E o Salmo termina com a bênção da família que vive unida e constrói a vida conjuntamente.

Da segunda leitura, tirada da carta de São Paulo aos Colossenses, quero destacar uma frase que me diz muito neste contexto da festa da Sagrada Família. Paulo está falando às famílias e pede que as esposas sejam solícitas com os maridos e os maridos que não sejam grosseiros com suas esposas. Pede para os filhos serem obedientes aos seus pais e que os pais não intimidem aos filhos para que eles não desanimem. Mas, a frase que destaco é a seguinte: “revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, SUPORTANDO-VOS uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se um tiver queixa contra o outro”.

Quem não tem conflito na família? O texto é claro e fala de várias virtudes que temos que exercer na relação para conviver bem. Mas eu quero sublinhar o SUPORTAR-SE. Suportar é o mesmo que “escorar”. Como é gostoso quando a gente está cansada ter onde se apoiar, descansar o corpo, sem medo de cair. E ainda se nesse “apoiar-se” a gente receber luz e energia porque a outra pessoa faz de “poste” para quem se apoia, melhor ainda. Essa é a função do esposo para com a esposa e desta para com ele. E, se os filhos sentem nos pais esse “poste” seguro que transmite luz e energia, nunca poderão perder-se.

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1. Atravessamos ainda a Solenidade do Natal do Senhor, dado que esta Solenidade se prolonga durante oito dias (Oitava) até à Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, que se celebra no primeiro Dia de Janeiro.

2. O Natal do Senhor põe diante do nosso olhar contemplativo uma Família humilde e bela, Jesus, Maria e José, mas traz também consigo uma forte sensibilidade Familiar, tornando-se o tempo forte da reunião festiva das nossas Famílias. Estes dois acertos são importantes para se compreender a razão pela qual, no Domingo dentro da Oitava do Natal, quando existe, ou no dia 30 de dezembro, como sucede este ano em que nenhum Domingo existe entre o Natal e o Ano Novo, a Igreja celebre a Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José.

3. Os textos da Liturgia são outra vez preciosos. O Evangelho põe no nosso coração os últimos episódios do Evangelho da Infância segundo S. Mateus (2,13-15.19-23), habitualmente conhecidos por «Fuga para o Egito» e «Regresso do Egito à Terra de Israel». Na inteireza do texto que Hoje, por graça, nos é dado ler e escutar, vemos e ouvimos por quatro vezes a extraordinária e significativa locução «o Menino e a sua Mãe» (tò paidíon kaì tên mêtéra autoû) (Mateus 2,13.14.20.21), formando uma unidade inseparável. A expressão, fortíssima, surge no contexto de uma missão por duas vezes confiada em sonho a José pelo Anjo do Senhor, para que «tome consigo o Menino e a sua Mãe» e procure refúgio no Egito, ou que do Egito volte para a Terra de Israel, o que José executa pronta e silenciosamente, «tomando consigo o Menino e a sua Mãe», e encaminhando-se diligentemente para os destinos indicados. Esta forte vinculação do Menino à sua Mãe, e dos dois a José, que os deve tomar consigo e a seu cargo (paralambánô) traduz bem a união familiar que hoje, Dia da Sagrada Família, se celebra.

4. Mas o texto de Mateus guarda muitos outros tesouros. Desde logo, o facto de vermos Jesus a refazer a história de Israel e a nossa história também, tornando-se assim verdadeiro filho de Israel e da nossa humanidade dorida, hoje com a Ucrânia em primeiro plano. Desde pequenino, Jesus desce ao nosso chão e ao nosso coração, sofre as nossas raivas e violências, conhece a perseguição, o mundo dos exilados e dos refugiados, vive como clandestino e «descartado», como tantos dos nossos concidadãos de hoje e de todos os tempos. Como aqueles irmãos nossos que da África partem para a Europa sem documentação e atravessando o Mediterrâneo em frágeis e sobrelotadas embarcações, em condições sub-humanas, e que, se escaparem da intempérie marítima, são retidos na fronteira e atirados para a fome e para a miséria ou simplesmente para o lixo. Assemelha-se ainda a quantos da Europa de Leste e do Terceiro Mundo entram no Ocidente, e conhecem todos os cantos e esquinas da clandestinidade, da rejeição e da indiferença humana. Assim Jesus entra na nossa história dorida e na história do seu Povo, Israel, fazendo a experiência fundamental do Êxodo, descendo ao Egito e saindo do Egito, para entrar na Terra de Israel. O quadro, convenhamos, está longe do tom romântico pintado por Murillo. O jumento, que a cultura popular associou a este episódio, pode provir de idêntico quadro e idêntica linguagem, do Livro do Êxodo 4,20.

5. Não é um Deus de luxo e uma família de luxo. Planta a sua tenda nos campos dos refugiados, e conhece a miséria total. Será, como é sabido, rejeitado na sua terra e crucificado fora dos muros da cidade dos homens, que se quer sempre tranquila e serena e não contaminada. É assim que Jesus absorve e absolve as nossas páginas mais doridas. É assim, profunda e subtil, a sua presença em solo ucraniano.

6. Aqui estão sempre as linhas entrelaçadas da perseguição e da libertação, com Deus sempre subtilmente por detrás. Revivendo a experiência fundamental da perseguição e do Êxodo, Jesus torna-se um verdadeiro filho de Israel. E, com a anotação precisa de que ENTROU na TERRA DE ISRAEL (Mateus 2,21), Jesus reúne e dá cumprimento a vários fios perdidos e dispersos na história bíblica. Desde logo, vai ao encontro de Moisés, que tinha ficado fora da Terra da Promessa (Deuteronómio 4,21-22; 32,51-52; 34,4), mas reúne também os exilados que, provindos da Babilónia, não entraram na Terra de Israel (Ezequiel 20,28). Em nome de todos, a todos reunindo, Jesus cumpre agora o ingresso definitivo nessa Terra.

7. E no versículo que se segue imediatamente no texto de Mateus (2,22), nós lemos que, uma vez mais guiado em sonho, isto é, por Deus, José não ficou em Jerusalém ou na Judeia, e foi para a região da GALILEIA. Com esta menção da região da GALILEIA, trata-se de estabelecer uma ponte para a Terra sombria, mas que será iluminada, de Isaías 8,23-9,1. Jesus é a grande LUZ que alumia essa região queimada e humilhada por sucessivos desastres históricos e calcada por muitas botas militares. Mas abre também uma ponte para o início do anúncio do Evangelho por parte de Jesus, referido em Mateus 4,12-17, que cita, de resto, na íntegra, a anterior passagem de Isaías. Mas é também o final do Evangelho de Mateus que fica iluminado, pois é na Galileia que Jesus precede sempre os seus discípulos-irmãos (Mateus 28,7 e 10), é para lá que eles se dirigem (Mateus 28,16), e é de lá que são enviados a levar o Evangelho a todos os corações (Mateus 28,18-20).

8. Em voz-off, mediante o sonho e através de citações da Escritura Santa, Deus guia esta Família, que assim é perseguida e rejeitada pelos homens, mas está sempre nas mãos de Deus. A primeira citação, «Do Egito chamei o meu filho», é de Oseias 11,1, e a segunda, «Será chamado Nazareu», sem provir de um lugar explícito, reúne preciosos fios de significado. Evoca Nazaré, uma pequena povoação desconhecida, que nunca é mencionada no Antigo Testamento, e que, no tempo de Jesus, não contaria mais de 500 habitantes, mas aponta ainda para Nazîr [= Consagrado] e Netser [= Rebento], termos densos de religiosidade, e o segundo de cariz claramente messiânico (Isaías 11,1).

9. Dentro da temática da Família, o Antigo Testamento traz-nos hoje um extrato sapiencial retirado do Livro de Ben Sira (ou Eclesiástico) 3,2-6.12-14, e que nos convida ao amor dedicado aos nossos pais sempre, para que o Senhor ponha sobre nós o seu olhar de bondade.

10. O Salmo 128 é a música suave, de teor didático-sapiencial, que canta uma família feliz e nos mostra a fonte dessa felicidade: a bênção paternal do Senhor. «Felizes os que esperam no Senhor,/ e seguem os seus caminhos», é a bela litania em que o refrão nos faz entrar.

11. Finalmente, o Apóstolo Paulo, na Carta aos Colossenses 3,12-21, exorta esposos, pais e filhos ao amor mútuo, mostrando ainda de que sentimentos nos devemos vestir por dentro e de que música devemos encher o nosso coração. Salta à vista que a bondade, a humildade, a mansidão, a longanimidade, o amor, o perdão são vestidos importantes para a festa, mas não se compram nem vendem por aí em nenhum pronto-a-vestir. Nesta época de bastante consumismo, convém que nunca nos esqueçamos de Deus, pois é Ele, e só Ele, que veste carinhosamente o coração dos seus filhos.

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