Nuno Henriques
Cortesia de
https://claustro.carmelitas.pt

Voltámos ao ponto de partida. E ao voltar ao ponto de partida, volto, em jeito de analepse, a um livro fascinante da minha juventude: a Teologia Mística de Pseudo-Dionísio, o Areopagita. Leitura fascinada e quase totalmente, para mim, incompreensível. Voltei a lê-lo há cerca de dois meses, numa versão em castelhano, e continuo com algumas dificuldades hermenêuticas. Mas também por esse motivo continua a fascinar-me — e a querer saber mais, entender melhor, também para compreender a teologia mística de São João da Cruz.
Voltar ao ponto de partida é, para mim, voltar ao Silêncio. Como escrevê-lo num texto? Passámos um ano inteiro com tantas palavras, tantos comentários, tanto ruído. Escutamos não para compreender mas para responder. Nesta época de férias apetece-me o silêncio. Quero voltar à “música calada” e à “solidão sonora”.
Uma frase que li recentemente fez-me pensar: “A música não está nas notas, mas no silêncio entre elas”. Continuo a refletir nesta ideia. Penso que Deus também quer falar-me nos silêncios da minha vida. Mas para isso, tenho que procurar o silêncio.
Penso agora, pela primeira vez, que os silêncios na eucaristia têm absoluta importância — sobretudo três:
- No início, ao reconhecer as faltas (um silêncio mais longo seria tão necessário…);
- Na consagração do pão e do vinho, momento central da liturgia;
- No final, na ação de graças, em profunda oração e contemplação, preparando a vida para a ação.
Escrever este texto, ainda que pobre, ajudará a viver de outra forma estes três momentos de silêncio. Mas não quero falar de mim. Quero falar um pouco do Silêncio em São João da Cruz e de Pseudo-Dionisio, a partir das minhas leituras (activas e passivas), em registo de síntese.
Duas Abordagens do Silêncio Místico
O Silêncio Apofático de Pseudo-Dionísio
Para Pseudo-Dionísio, toda a linguagem é insuficiente diante de Deus. Falar de Deus é sempre metafórico ou analógico, mas no limite, a verdadeira teologia é o abandono de todas as palavras. Como afirma, “Deus está além de toda afirmação e de toda negação.”
O silêncio, portanto, não é um vazio estéril, mas está cheio da presença inefável de Deus. É um espaço de “trevas luminosas” — um paradoxo que expressa a realidade de um Deus que se revela precisamente no seu ocultamento.
O silêncio torna-se assim uma condição cognitiva: calar para que a mente não imponha limites ao Mistério. É o reconhecimento de que o caminho para Deus passa necessariamente pela negação de todas as conceptualizações humanas.
O Silêncio Amoroso de São João da Cruz
São João da Cruz retoma a via negativa, mas dá-lhe um cunho pessoal. Apresenta-a em chave experiencial e afetiva, não apenas intelectual.
A “Noite Escura” é o silêncio dos sentidos e do entendimento, porque o excesso de ruídos interiores impede a união com Deus. As expressões “música silenciosa” e “solidão sonora”, enquanto paradoxos numa linguagem simbólica, evocam um silêncio vivo onde ressoa a presença de Deus.
Não se trata apenas de um silêncio intelectual, mas de um silêncio do coração. A alma, despojada, deixa-se amar e transformar por Deus. O silêncio é uma condição de amor: calar não só para conhecer, mas para deixar-se inundar pelo divino.
Síntese Comparativa
A distinção fundamental entre os dois autores pode sintetizar-se assim:
Pseudo-Dionísio: O silêncio é sobretudo teológico e epistemológico. Falhando a linguagem, o silêncio é o único modo adequado de se aproximar do Mistério. O silêncio é o ápice da teologia.
São João da Cruz: O silêncio é sobretudo existencial e afetivo. É o “lugar interior” onde a alma, esvaziada, pode ser preenchida pelo amor transformador de Deus. O silêncio é o ápice do amor místico.
Convergências Fundamentais
Ambos os autores concordam em pontos essenciais:
- O silêncio é necessário porque Deus ultrapassa toda palavra;
- O encontro verdadeiro com Deus só acontece quando cessam as vozes da razão e do ego;
- O silêncio não é ausência, mas plenitude inefável.
Nesta convergência encontramos uma sabedoria perene: o caminho para o Transcendente exige, paradoxalmente, o abandono de todos os caminhos conceptuais. No silêncio, descobrimos não o vazio, mas a Plenitude que nenhuma palavra consegue conter. Para o Pseudo-Dionísio, o silêncio é o ápice da teologia; para São João da Cruz, o silêncio é o ápice do amor místico.
Nuno Henriques
Formador de Metodologias de Investigação e Professor de EMRC