
Dina Louro
Carmelita Secular
Cortesia de
www.claustro.carmelitas.pt
Contemplação, mistério de Amor, fonte de sabedoria do Amor, fonte transformante e impulsionadora da nossa dádiva ao Amor, por Amor e pela cruz. Tal é algo a que nos podemos predispor pela oração determinada e incessante, pelo silêncio, pela prática das virtudes, pela mortificação. Permanece, no entanto, nas mãos de Deus conceder-nos este dom gratuito. Deus decide a quem deseja levar aos caminhos da contemplação. Não O podemos forçar, embora Ele se renda à nossa humildade:
«Não há dama que assim O force a render-se como a humildade. Esta trouxe-O do Céu no seio da Virgem; e também por ela O traremos preso por um fio de cabelo às nossas almas»[1].
Percebemos a contemplação como um movimento de encontro de amantes: a alma, tocada por Deus, sai de si ao Seu encontro e ao encontro do próximo, embebida pelo mistério da contemplação. Diz-nos o Bem-aventurado Eugénio Maria do Menino Jesus:
«A contemplação sobrenatural, esse olhar simples da fé aperfeiçoada no seu exercício pelos dons do Espírito Santo, provém de uma dupla atividade sobrenatural: a da alma, cuja fé amorosa penetra na verdade divina, que é o seu próprio objeto, e a de Deus, que, pelos dons, simplifica, acalma e torna a fé contemplativa.
Dessa dupla atividade nasce um duplo fruto: a fé amorosa que penetra em Deus — amor que se dá àqueles que O buscam —, de onde se extraem riquezas divinas de graça, e Deus que, por sua vez, concede uma certa experiência de Si mesmo e da Sua graça pelos dons do Espírito Santo»[2].
A alma coloca-se em movimento — é convidada pelo toque amoroso de Deus e sente urgência em sair de si mesma e pôr-se a caminho:
«Aonde te escondeste,
Amado, e me deixaste num gemido?
Qual veado fugiste,
Havendo-me ferido.
Atrás de Ti clamei: tinhas partido!»[3].
A saída da alma acontece quando cessa a necessidade da imaginação e da meditação com uso dos sentidos (revelando-se aqui já o despojamento de si, do mundo e dos bens espirituais — já só interessa amar muito, em vez de pensar muito[4]), pois já recebeu destas vias tudo o que necessitava das coisas de Deus. A alma passa a viver numa «notícia amorosa geral, escura e indefinida»[5] de Deus, bebendo «sabedoria, amor e sabor»[6].
Deus dá-Se incondicionalmente, gratuitamente, completamente, a quem O busca. Enche a alma com os dons do Espírito, envolve-a em misericórdia e luz desde a sétima morada do Castelo Interior (Santa Teresa de Jesus, Moradas): do mais interior da alma, da abissal e impercetível profundidade da alma, irradia o Seu amor e atrai a alma em busca do matrimónio espiritual.
Falar de algo tão insondável e incompreensível, belo, profundo e envolto em mistério, como é a contemplação, é uma ousadia que apenas o Amor permite. Entramos aqui nas quartas moradas, segundo Santa Teresa de Jesus:
«Como estas moradas já estão mais perto de onde está o Rei, é grande a sua formosura e há coisas tão delicadas para ver e entender, que o entendimento não é capaz de poder achar maneira de dizer sequer alguma coisa que venha tão ajustada, que não fique bem obscura para os que não tenham experiência; pois, quem a tem, muito bem entenderá, em especial se já é muita»[7].
Este espaço de encontro, de diálogo silencioso, envolto em noite rasgada pela luz mais brilhante que o Sol, acontece no mais profundo e secreto da nossa alma desde toda a eternidade. Desde então somos contemplados pela divina ternura, somos amados, tocados, moldados, discretamente, silenciosamente. A Trindade mergulha-nos amorosamente no Seu seio desde sempre, colocando em nós a ânsia do céu, pelo amor. Na nossa liberdade, depois, espera pacientemente que abramos a porta: «Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo»[8], diz o nosso Amado.
Permite-me, irmã leitora, irmão leitor, terminar em jeito de oração e que, neste diálogo, seja apenas Ele a falar o que deseja:
Terno Jesus,
desde sempre olhas para mim,
dentro da minha alma.
Colocas em mim a Tua ternura,
marcas-me com o selo da cruz,
no monte Tabor.
Contemplas-me num silêncio rodeado de coros de anjos,
que me vão despertando e apontando as amarras.
Fixas os meus olhos e as amarras vão-se desfazendo…
Começo a olhar-Te,
ainda desviando algumas vezes o olhar.
Sem perceber como, um dia ofereces-me o silêncio,
aquele que permite que toda a minha alma
se vire para Ti.
Torno-me silêncio.
E, num ribombar, numa sinfonia calada,
numa luz mais brilhante que o sol,
os nossos olhares tocam-se,
amam-se, confiam-se, entregam-se,
deleitam-se, fundem-se…
Percebo-Te a trabalhar em mim,
a moldar-me, a amar-me, a purificar-me,
e abres o meu ser
a uma humildade indescritível
e cheia de misericórdia Tua.
A minha miséria abismal já nada importa,
e tomas de assalto o espaço,
derrubas as sombras com ímpeto.
Nesta contemplação profunda,
modificas o meu olhar: dás-me o Teu;
abres o meu pequenino coração
e coloca-lo no Teu, onde, de repente,
cabe toda a humanidade
— do passado, do presente, do futuro.
Cessam o tempo e o espaço,
cessam todo o medo e todo o pecado.
Só o Amor prevalece;
torno-me oração e instrumento Teu.
Sussurras-me melodias impercetíveis de amor
e exortas-me à perseverança,
à humildade, à determinada determinação,
à docilidade…
Mostras-me a Cruz, chamas-me à Cruz.
E a Cruz torna-se altar onde me uno a Ti,
e já só importa amar,
sair ao encontro, abraçar, acolher,
escutar, caminhar com.
Percebo a Tua Mãe,
que me ensina subtilmente as Suas virtudes,
com bondade e ternura,
paciência e fidelidade a Ti.
A contemplação acontece no mais profundo de mim
e de Ti, com os sentidos todos silenciados,
humilhados e apesar de toda a minha pequenez!
E Tu não Te importas com a minha pequenez
e impeles-me a levantar-me,
a ir, a descer o Tabor
e a permanecer nele ao mesmo tempo.
Entender com o entendimento? Não.
Preciso de entender? Não.
Basta-me a Fé.
Basta-me a Esperança.
Bastas-me Tu, meu Jesus!
Só tenho urgência em amar.
[1] Santa Teresa de Jesus, Caminho da Perfeição 16,2.
[2] Beato Maria Eugénio do Menino Jesus, Quiero ver a Dios, 5.ª edição, Editorial de Espiritualidad, p. 580; tradução livre com apoio de DeepL.com.
[3] São João da Cruz, Cântico Espiritual, Canção 1.
[4] Cfr Santa Teresa de Jesus, 4 Moradas 1,7.
[5] São João da Cruz, 2 Subida 13,2.
[6] São João da Cruz, 2 Subida 13,2.
[7] Santa Teresa de Jesus, 4 Moradas.
[8] Apocalipse 3, 20.