3° Domingo do Advento (A)
Domingo ‘Gaudete’
Mateus 11,2-11

Referências bíblicas
- 1ª leitura: “Criai ânimo, não tenhais medo! É Deus que vem para vos salvar.” (Isaías 35,1-6.10)
- Salmo: Sl. 145(146) – R/ Vinde, Senhor, para salvar o vosso povo!
- 2ª leitura: “Ficai firmes e fortalecei vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima.” (Tiago 5,7-10)
- Evangelho: “És tu aquele que deve vir ou devemos esperar outro?” (Mateus 11,2-11)
A alegria é um estremecimento
José Tolentino Mendonça
Queridos irmãos e irmãs,
Celebramos hoje o Domingo Gaudete, o domingo da alegria, o terceiro domingo do Advento. Os que caminham experimentam a alegria contemplando, mesmo que ao longe, o lugar para onde se dirigem.
No caminho para Santiago de Compostela há um momento, uma parada, uns 20 Km antes, onde os peregrinos lavavam as suas roupas, robusteciam-se para entrar na cidade de Santiago e dar o abraço a Santiago não como uns mendigos cheios da poeira e do cansaço das estradas, mas renovados e em festa. É essa alegria de uma meta próxima, de um porto, de um abrigo que o nosso coração adivinha que nos faz estar em sobressalto.
E o que é a alegria? (…) A alegria não é uma coisa vaga. A alegria é, e os Evangelhos contam isso de forma concreta, um estremecimento. A alegria é uma emoção que nos percorre, a alegria é alguma coisa que nos toca, que nos transforma.
A alegria neste Domingo Gaudete também não é uma alegria vaga, uma alegria abstrata. Nós sabemos porque é que experimentamos uma alegria. E esse saber vem da pergunta que João Batista manda fazer a Jesus. A situação é impressionante, João Batista está preso e sabe que a sua morte está próxima, mas manda perguntar a Jesus: “És Tu Aquele que há de vir? Ou devemos esperar outro?” É interessante a palavra em grego porque é um particípio presente: o erchómenos, “tu és Aquele que vem?” E este “o erchómenos”, “Aquele que vem”, é uma espécie de senha para falar do Messias escatológico, do profeta do fim dos tempos, Daquele que havia de vir consumar, dar um sentido pleno à história e à vida. Por isso João Batista manda perguntar: “Tu és Aquele que vem ou devemos esperar outro?” A resposta de Jesus é espantosa, porque não é um “sim” ou um “não”, é uma resposta narrativa: “Ide contar o que vedes e ouvis.” E então o que é que se vê? Vê-se o impacto messiânico na vida concreta daquelas pessoas, vê-se o impacto da chegada de Jesus naqueles corações, e de repente esta liberdade, esta libertação: os cegos veem, os coxos andam, os mortos ressuscitam, a Boa Nova é partilhada com os pobres. Isto é, a história está a ser transformada e isso é uma fonte de alegria, e isso confirma que o erchómenos, aquele que está para vir verdadeiramente chegou.
A razão da nossa alegria não é uma ideia vaga, não é uma expectativa sem rosto, sem nome que cada um de nós alimenta um bocadinho às cegas dentro de si. Não, a nossa alegria brota daquilo que somos capazes de contar uns aos outros, das histórias que somos capazes de narrar. Isto é, da vida multiplicada, da vida acontecida, daquilo que em nome de Jesus continua a acontecer nas nossas histórias, daquilo que a fé em Jesus é capaz de despertar, é capaz de fazer irromper como sobressalto, como emoção, como irradiação de vida em cada um de nós. É isto que contamos uns aos outros, e é isto que dizemos àqueles que estão presos, é isto que dizemos àqueles que aguardam com expectativa a vinda de um sentido, a chegada de uma luz, é isso que nós temos a missão de contar. Isto que vemos e ouvimos.
Queridos irmãs e irmãos, o tempo do Advento é um tempo muito comprometedor, porque é o tempo do Messias. Nós vivemos a nossa vida muitas vezes como se não esperássemos nada, como se tudo estivesse realizado, como se tudo estivesse consumado, como se só contássemos apenas com as nossas forças, com aquilo que trazemos para explicar o enigma da história. Muitas vezes nós fechamos a nossa porta e fechamos mesmo, fechamos o nosso coração e trancamo-lo mesmo, e não contamos com mais nada. Acreditamos em Deus mas isso é uma crença, é uma convicção, não é um poder transformador das nossas vidas. Ora, o tempo messiânico é habitar a tensão do Messias que vem, é não contar só com as pedras que temos na mão, não contar só com as nossas forças, mas contar com aquilo que Ele nos traz. Não apenas contar connosco mesmos, com a nossa fragilidade ou o nosso voluntarismo, mas contarmos com a energia salvadora, transformadora do próprio Jesus. É esse rasgão, essa abertura, essa hospitalidade que fazemos ao Deus que vem que nos sobressalta, que nos enche de alegria, que nos dá razões para acreditar, para festejar.
Queridos irmãos, o Natal não está arrumado numa caixa que nós abrimos anualmente e tiramos de lá os ornamentos, as musiquinhas e as luzinhas, e pomos tudo a piscar e a construir como um teatrinho anual que fazemos uns aos outros para nos consolarmos daquilo que não somos. Não, o Natal é um berço, o Natal é uma manjedoura, o Natal é a possibilidade da mulher e do homem que somos nascer verdadeiramente. E nascer porque Deus vem, Ele é o erchómenos, nascer porque Ele nos levanta. Nascer porque Ele nos faz ser, nos faz ser, nos faz ser!
O Natal não é um símbolo, o Natal é alguma coisa que está a acontecer. É como uma gargalhada que nós damos, como um sorriso que nós damos, forte e que altera o nosso corpo. O Natal também nos altera. E altera-nos não na epiderme, não na superfície, altera-nos profundamente porque Ele está connosco, Ele é o Emanuel, Ele passa a ser o companheiro das nossas vidas. Não contamos apenas com aquilo que trazemos, com aquilo que conseguimos, colocamo-nos por inteiro nas mãos Dele. E isto faz toda a diferença.
Queridos irmãs e irmãos, vivamos o Advento nesta profundidade que Ele nos pede. É tão fácil distrairmo-nos nestes dias que são muito curtos para tudo aquilo que são as obrigações sociais, familiares, culturais, profissionais – temos de estar com isto e com aquilo e mais a pensar no outro. É muito fácil pensar em tudo e deixar de lado o essencial. Por isso, há aqui uma sabedoria, há aqui um alerta, há aqui uma chamada profética a dizer: “ Concentra-te, abre os olhos, abre o coração, compromete-te.
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As duas faces de Deus
Marcel Domergue
Na mesma linha dos balbucios das antigas figuras bíblicas, João Batista via a intervenção de Deus como uma manifestação de poder, uma reposição da ordem obtida através da violência. Isto transparece em Mateus 3,10 e em Lucas 3,7-9.
Participamos desta mesma ilusão quando contamos apenas com “nossos cavalos e carros de combate”, ou com nossos helicópteros, para estabelecer um Reino de justiça. Sabemos que os discípulos imaginaram até o fim uma tomada de poder por um Cristo que restabeleceria o trono de Davi.
João Batista proclamou a iminência da intervenção divina, reveladora da soberania de Deus e, mais ainda, do que Deus é em Si mesmo. Sem qualquer ponta de inveja, viu Jesus tomar a sua vez. Mas eis que foi feito prisioneiro, em detrimento do poder de Deus que proclamara.
E Jesus, em vez de mobilizar as multidões para tomar o poder, ocupava-se somente dos pobres, dos cegos, dos leprosos… João, portanto, estava confuso: “És tu aquele que deve vir ou devemos esperar por outro?” Faria parte também ele destes “bem-aventurados” os quais a nova face de Deus revelada por Cristo não deixará cair?
Porque é exatamente disto que se trata: com Jesus, somos convidados a mudar radicalmente nossa maneira de ver Deus. Este a quem chamamos de “divina majestade” revela-se como um excluído, um crucificado nu entre os malfeitores.
Diante da escolha fundamental
A “vida pública” de Jesus teve seu início marcado por dois textos importantes e que estão em perfeita coerência com o que acaba de ser dito. Primeiro, o relato do batismo, que nos informa ser Jesus o “filho muito amado”, ou seja, a perfeita imagem e semelhança do Pai: basta olhar Jesus, escutar o que ele diz e observar o que ele faz, para ficar sabendo como Deus é. “Quem me viu, viu o Pai.”
O segundo texto é o das tentações, que mostra a recusa de Jesus ao messianismo de glória e poder proposto pelo tentador. “Se és o filho de Deus”, diz o diabo. Traduzindo: se és a imagem perfeita daquele que é o “Altíssimo”…
Pois, justamente por ser a imagem perfeita de Deus é que Jesus escolheu a humildade divina, a renúncia à onipotência, a fraqueza da Cruz, o amor que o faz dar a própria vida para nos dar a vida. Eis-nos aqui, pois, diante de uma subversão radical da imagem divina.
E como também temos de ser imagem e semelhança, isto para nós implica em maneiras de ser e comportar-se que estão em contradição total com as nossas tentações de dominar, aparecer e possuir.
É uma outra Sabedoria, uma outra maneira de conceber e de viver a vida. É uma outra concepção da verdade do homem. E que exige de nós uma reviravolta, uma “conversão”.
É reconfortante constatar que João Batista, que é como que a dobradiça entre estas duas maneiras de ver Deus e o homem, tenha experimentado as suas dúvidas e aflições. E nós, também, não estamos sempre nesta encruzilhada dos caminhos?
Rumo à alegria
Que a verdade de Deus, e, portanto, também do homem, seja a difusão de si, a superação do próprio “eu” para ir existir no outro, fazendo-o existir, isto exatamente foi o que fez João Batista: diminuir e desaparecer, para que o Cristo viesse à luz e crescesse (João 3,30).
Contudo, se traduzimos isto enquanto renúncia, sacrifício, etc., arriscamo-nos a descambar para uma religião masoquista, num culto à fraqueza. No entanto, a primeira leitura faz o anúncio da alegria como a “revanche” de Deus, ou seja, do amor.
Não do amor abstrato de tantos dos nossos discursos, mas de alguém que se define tão somente pelo amor. Por isso é que os grandes beneficiários da vinda de Deus são os que se encontram em estado de privação: os cegos, os coxos, os surdos, etc.
E os outros? Também estes devem fazer para si mesmos uma alma de pobre, uma “mentalidade” de pobre; fazerem-se e reconhecerem-se pequenos, tomarem consciência, com lucidez, de estarem privados do essencial, privados de Deus, privados do amor.
E esta não é uma lucidez desencorajadora, porque vem conjugada com a esperança de que Deus não nos faltará. Pois Ele, com efeito, é “Aquele que vem” a nós, incansavelmente. E é somente em nossa aliança com Ele que podemos “ganhar peso”. O peso da JUSTIÇA que devemos alcançar, pois que nos é dado gratuitamente.
Cortesia de
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“De todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista”
Enzo Bianchi
Neste Terceiro Domingo do Advento, a nossa atenção também se concentra na figura de João Batista e no fato de confiar a Jesus a própria fé na hora da escuridão e da prova. João se encontra na prisão, onde foi preso por Herodes, um poderoso deste mundo que não suporta as críticas que lhe são dirigidas pelo profeta sobre o seu vínculo ilícito com Herodíades, mulher de seu irmão (cf. Mt 4,12; 14,3-4).
O grande profeta, o homem da palavra de autoridade e impetuosa, agora está reduzido ao silêncio e se encaminha para uma morte violenta (cf. Mt 14,5-12): nessa situação de humilhação e sofrimento, “ouve falar das obras de Cristo”, do Messias Jesus. João, assíduo na escuta das Escrituras, esperava um Messias com as características do juiz forte e severo, que derrubaria com o machado as árvores infrutíferas e queimaria a palha do grão com um fogo inextinguível (cf. Mt 3,10-12). Mas fica sabendo que Jesus se senta à mesa com os pecadores, que sente compaixão pelas multidões, que parece anunciar apenas a misericórdia de Deus…
Nessa situação de fé atravessada pela dúvida, nessa escuridão, João encarrega os seus discípulos de fazerem a Jesus uma pergunta dramática, com a qual põe em discussão toda a sua vida: “És tu, aquele que há de vir”, o Profeta-Messias dos últimos tempos, “ou devemos esperar um outro?”.
A resposta de Jesus resume, mediante uma série de citações proféticas, tiradas principalmente de Isaías, o comportamento já relatado pelo evangelista (cf. Mt 8-9): “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados”. Esse é o cumprimento da Escritura, essas são as ações de Jesus, Messias “manso e humilde de coração” (Mt 11,29), narração definitiva do amor de Deus por todos os homens e mulheres!
Mas Jesus acrescenta ainda uma palavra: “Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim”, ou seja, quem não tropeça diante de um Messias pobre e desarmado, um Messias que anuncia, sim, aos pobres a boa notícia, mas que não quer se servir da força para libertar os prisioneiros (cf. Is 61,1)…
Na prisão, João acolhe essa última revelação de Jesus, acolhe-a com confiança pessoal e, assim, vai rumo a uma morte injusta com plena obediência, tornando-se precursor de Jesus também nesse fim. Às palavras que lhe são referidas, João responde com um amém silencioso, mas cheio de amor por Jesus, compreendendo a irrupção do Messias que, até aquele momento, ele somente havia intuído.
E, precisamente enquanto João sai de cena, Jesus manifesta com grande solenidade às multidões a identidade do Batista. Ele anuncia que João não é um caniço agitado pelo vento das modas, nem um poderoso que, envolto em roupas finas, está nos palácios do poder: ele é um profeta ou, melhor, “é mais do que profeta. É dele que está escrito: ‘Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de ti’” (cf. Ml 3,1; Ex 23,20).
Sim, João é o novo Elias (cf. Mt 11,14); é o Elias que veio e não foi reconhecido (cf. Mt 17,12-13), que, com a sua vida e a sua, morte abriu e anunciou o Êxodo definitivo, a salvação trazida pelo Senhor Jesus.
Eis a chave para compreender bem as palavras conclusivas de Jesus: “De todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele”: quem é o menor? É Jesus, e só ele pode sê-lo: o menor como discípulo de João, alguém que esteve atrás dele (cf. Mt 3,11), é ele o maior no reino de Deus, que não só inaugura, mas que o personifica.
Sim, nós cristãos só podemos conhecer Jesus Cristo passando por João Batista: ele foi o precursor de Cristo, aquele que o indicou e o revelou como Messias e Aquele que vem. Se não aceitarmos o seu testemunho, grande até mesmo ao manifestar a sua fé provada, não poderemos sequer crer em Jesus (cf. Mt 21,25-27).
Cortesia de
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Uma liberdade responsável
Raymond Gravel
Na semana passada, ouvimos o profeta João Batista nos dizer: “Convertam-se, pois o Reino dos Céus está próximo” (Mt 3,2). E ele nos apresentava o sinal: “Ele terá na mão uma pá: vai limpar sua eira, e recolher seu trigo no celeiro; mas a palha ele vai queimar no fogo que não se apaga” (Mt 3,12). Mas, hoje, o mesmo João Batista põe-se a duvidar da sua fé. Ouvindo o que Cristo fazia, ele enviou discípulos para lhe perguntar: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Mt 11,3). O que quer dizer que o Reino anunciado por João Batista não é aquele realizado pelo Cristo ressuscitado. Ele anunciou uma espécie de Deus vingador que se manifestaria através do seu messias, que viria para fazer uma limpeza recompensando os bons e punindo os maus. No momento em que Mateus escreve seu evangelho, esta é exatamente a reação de alguns cristãos da sua comunidade: erramos de messias, uma vez que continuamos a sofrer e há muita injustiça, exclusão e perseguições? Que tipo de messias, de Cristo, esperamos?
1. Um messias que salva
No tempo do Exílio, o profeta Isaías convida o povo de Israel à alegria, porque Deus não pode abandonar os seus; ele quer salvá-los. Para isso, o povo precisa de coragem; deve atravessar o deserto. Mas o deserto a ser atravessado não é o inferno: ele florirá: “Como o narciso, cubra-se de flores transbordando de contentamento e alegria, pois lhe será dado o esplendor do Líbano, a beleza do Carmelo e do Saron. Todos verão a glória de Javé, a beleza do nosso Deus” (Is 35,2). Será preciso também resistência e perseverança: “Fortaleçam as mãos cansadas, firmem os joelhos cambaleantes” (Is 35,3). Será preciso, enfim, confiança: “Digam aos corações desanimados: ‘Sejam fortes! Não tenham medo! Vejam o Deus de vocês. (…) Ele vem para salvar vocês’” (Is 35,4a.c). E estes são os sinais que testemunharão a salvação: “Então, os olhos dos cegos vão se abrir, e se abrirão também os ouvidos dos surdos; os aleijados saltarão como cervo, e a língua do mudo cantará, porque jorrarão águas no deserto e rios na terra seca” (Is 35,5-6). Os primeiros cristãos que leram este texto de Isaías rapidamente compreenderam que essa salvação anunciada pelo profeta devia se realizar com o Cristo ressuscitado. O Cristo veio, mas o deserto continua a ser árido e a guerra e a opressão continuam mais fortes. O que ainda falta?
2. Um messias que responsabiliza
Deus não pode nos salvar prescindindo de nós. Cristo veio: se a injustiça prevalece e o mal persiste é porque nós não nos sentimos responsáveis pela salvação que nos é oferecida. É por isso que Tiago, na segunda leitura de hoje, convida, primeiramente, os cristãos à paciência: “Irmãos, sejam pacientes até a vinda do Senhor. Olhem o agricultor: ele espera pacientemente o fruto precioso da terra, até receber a chuva do outono e da primavera” (Tg 5,7). Mas o agricultor deve trabalhar a terra, ará-la, semeá-la, irrigá-la; caso contrário, não poderá fazer a colheita. São Tiago convida também os cristãos de seu tempo para não julgar os outros: “Irmãos, não se queixem uns dos outros, para não serem julgados” (Tg 5,9a). Enfim, ele os convida à resistência, como os profetas antigos que falaram em nome do Senhor (Tg 5,10).
Ser cristão é ser responsável por sua salvação e pela salvação dos outros; mas a única maneira de chegar a isso não é pela imposição de regras ou de proibições, mas pela firmeza do seu engajamento cristão: “Sejam pacientes vocês também; fortaleçam os corações” (Tg 5,8a). Fortalecer o coração, não é preparar-se inteiramente para acolher humildemente o Cristo que está no meio de nós, no outro, nos outros, sobretudo nos mais pequeninos, nos mais pobres, nos excluídos, nos machucados da vida que são particularmente a presença do Cristo ressuscitado?
3. Um messias que liberta
O evangelho de Mateus nos diz que os sinais da salvação anunciados pelo profeta Isaías realizam-se com o Cristo ressuscitado: “Os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Notícia” (Mt 11,5). João Batista não o vê. Encerrado entre os muros da sua prisão, rumina sua espera. As notícias sobre Jesus o decepcionam: Jesus participa de banquetes, conta histórias, tem encontros estranhos. Pode João Batista se enganar? Deve esperar por algum outro? Penso que encontramos aqui a dualidade cristã que prevaleceu na época de Mateus e que prevalece ainda hoje: aqueles que encerram Cristo nas suas doutrinas, nas suas regras, nos seus ritos, e aqueles que o veem agindo nos lugares não recomendáveis, entre os excluídos, os abandonados…
Os primeiros estão decepcionados: as igrejas se esvaziam, os cristãos perderam suas referências; eles vão para o diabo. É preciso dominar-se, voltar atrás, impor balizas, desconfiar do liberalismo, etc. Encontramos esta atitude não somente na Igreja, mas também na política e em toda a sociedade: procura-se por todos os meios endurecer as leis, impor penas mais pesadas aos delinquentes, punir os criminosos sem possibilidade de reabilitação, sob o pretexto de fazer justiça às vítimas, como se a punição do culpado fosse uma recompensa para as vítimas.
Mas há provas de que esta maneira de proceder, multiplicando as leis, as regras e as proibições, não obtém os resultados esperados. Nos Estados Unidos, onde o crime é mais severamente punido, encontramos mais atos criminosos violentos do que no Canadá. O que quer dizer que a única maneira de reduzir a criminalidade não é reprimindo, punindo ou condenando as pessoas que cometeram algum crime, mas pela educação, pelo acompanhamento, pela reabilitação e pela responsabilização. É a atitude dos outros cristãos que reconhecem o Cristo do Evangelho que liberta em vez de condenar.
Os primeiros estão na prisão, como João Batista; eles ruminam; eles esperam e constroem para si um messias que convém às suas doutrinas: um messias que fará uma limpa na casa e que se imporá por sua pureza, seu rigor e suas virtudes. Mas os outros o veem agindo nesses jovens delinquentes, nesses machucados da vida, nesses pequenos do Evangelho… E é esse tipo de messias que o Cristo encarnou e que encarna ainda hoje…
Para concluir, o teólogo Gérard Bessière escreve: “Aqui surgiu uma grave questão: será que Jesus não foi colocado atrás das grades da prisão das nossas doutrinas, dos nossos preceitos, dos nossos ritos? Nós, muitas vezes, não o desfiguramos ao longo dos séculos colocando-o a serviço dos nossos interesses de todos os tipos? É preciso libertar Jesus para que ele nos liberte. Devemos esperar aquele que está no meio de nós e que ainda não conhecemos”. Esse messias nos convida a uma liberdade responsável. Que nesse tempo de Advento possamos alcançar esta graça.
Cortesia de
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Jesus e João Baptista: em confronto sobre a Missão
Romeo Ballan, mccj
João Baptista e Jesus: estão em jogo duas concepções diferentes sobre a missão do Messias. Confrontam-se – e quase se chocam – dois modos de entender o Messias: juiz severo e reformador social, ou mensageiro de misericórdia e acolhimento para todos? Uma dúvida real, mais que compreensível, assalta João Baptista (Evangelho), preso no sombrio e solitário cárcere de Maqueronte. O austero pregador de palavras de fogo (cf. Evangelho de domingo passado) tem as suas zonas de incerteza. «És tu… ou devemos esperar outro?» (V. 3). Qual é a verdadeira identidade de Jesus, figura misteriosa, atraente mas desconcertante? João está porventura confuso acerca deste Jesus: muito preocupado com os pobres e com os últimos, não subverte o sistema social, não condena e não rejeita ninguém, não extermina os pecadores, acolhe todos, vai à procura e dá esperança aos últimos… Que tipo de Messias é este, caso fosse ele mesmo? João é um modelo de procura tenaz e apaixonada de Deus e do Messias; é um modelo de crente: não é mal ter dificuldade em acreditar, ter dúvidas, não compreender o modo de agir de Deus e o sentido da vida… João Baptista ensina a não se fechar em posições preconcebidas; está aberto ao confronto: não rejeita o Messias pelo facto de não o compreender ou de não ser conforme aos seus esquemas, mas procura-o para compreender melhor…
Jesus não dá respostas teóricas aos discípulos de João: remete-os para os factos e convida-os a saber ler os sinais. As «obras de Cristo» (v. 2) revelam a Sua identidade: os factos são eloquentes em si mesmos, falam, anunciam primeiro, e frequentemente melhor, que as palavras. Jesus assinala seis prodígios patentes, a favor dos cegos, coxos, leprosos, surdos, mortos, pobres (v. 4-5). São sinais que falam do poder e da misericórdia de Deus, são todas acções atinentes a conferir vida. Há igual acesso a Deus para todos, ninguém é excluído. Não há condenação para ninguém, há misericórdia para todos. Até mesmo para os mais miseráveis e desesperados há sempre uma boa notícia. A quem quer que seja, e independentemente da sua condição, deve dizer-se: «Também para ti há salvação»!
Ao seu parente e amigo João, antes de tecer sobre ele publicamente um elogio declarando-o o maior «entre os filhos de mulher» (v. 7-11), Jesus dirige também um delicado convite a rever as suas posições, deixando-lhe uma bem-aventurança: «Bem-aventurado aquele que não encontrar em Mim motivo de escândalo» (v. 6). O convite era válido então e é-o igualmente hoje: também hoje a atenção e o cuidado dos últimos e dos necessitados são sinais que só por si anunciam, antes ainda das palavras, que ali está presente o Reino de Deus. Desde sempre, as obras realizadas em nome e por amor de Deus fazem missão, evangelizam, revelam o rosto do Deus que é amor. Uma missão que não fosse acompanhada por obras de misericórdia, de desenvolvimento, promoção humana, defesa dos direitos das pessoas, protecção da criação, não seria a missão de Deus e da Igreja. Não são obras com objectivo de proselitismo para atrair as gentes mas respostas às necessidades das pessoas desprotegidas; respostas dadas na gratuitidade, inspiradas pelo amor. Em nome de Deus.
A mensagem global da Palavra de Deus neste domingo é que ninguém é excluído da alegria messiânica: nem os deficientes a nível físico, nem menos ainda os pobres, que são os primeiros destinatários do Evangelho da vida. Em tempos de máxima destruição, deportação, desolação de ruínas e morte, o corajoso profeta Isaías (I leitura) convida à alegria e à esperança. Se não falasse em nome de Deus, seria um idealista, um alienado. Mas confia em Deus, sabe que Ele tem um projecto de amor e de libertação para o seu povo. Por isso há um duplo convite: esperar com alegria o Senhor que vem salvar-nos (v. 1-4), e esperá-lo com paciência (II leitura). Como o agricultor laborioso, que enquanto espera os frutos da terra e da chuva, não fica inerte, mas trabalha o seu campo, cava-o, semeia-o, limpa-o, irriga-o…
O tema da alegria é tradicionalmente forte no III Domingo de Advento, dito precisamente «Gaudete» (alegrai-vos), desde o cântico de entrada, que dá de imedaito a razão de tanta alegria: porque «o Senhor está próximo». A Sua presença na vida de cada um de nós e nas relações sociais não rouba espaço ao homem, pelo contrário alarga-o. «Quem procura a felicidade antes que Deus ou fora de Deus não encontrará senão um vão simulacro, “cisternas furadas que não contêm água” (Jer 2,13)» (R. Cantalamessa). O obstinado convite cristão à esperança e à alegria é uma contradita aos anunciadores de desventuras: apesar dos sinais contrários, o crente sabe ver, nas linhas da história, os sinais do projecto de Deus, que se vai realizando. Acabo de regressar de uma viagem missionária à Tailândia e ao Vietname, onde vi sinais evidentes de esperança e de vida, confirmando assim que o Reino de Deus e a Igreja estão presentes e em crescimento.