Na carta Encíclica Laudato Si do nosso saudoso Papa Francisco encontramos muitas referências ao bem comum. Os parágrafos 156 a 158 são particularmente dedicados a este tema, ao princípio do bem comum. Este princípio pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis, orientados para o seu desenvolvimento integral.

Teresa Eugénio
Professora. Carmelita Secular
Dez 2, 2025
Por cortesia de
https://claustro.carmelitas.pt

Nas condições atuais da sociedade mundial, onde há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais, o princípio do bem comum torna-se imediatamente, como consequência lógica e inevitável, um apelo à solidariedade e uma opção preferencial pelos mais pobres (158).

Diz-nos ainda o número 157 que “o bem comum requer a paz social, isto é, a estabilidade e a segurança de uma certa ordem, que não se realiza sem uma atenção particular à justiça distributiva, cuja violação gera sempre violência. Toda a sociedade – e, nela, especialmente o Estado – tem obrigação de defender e promover o bem comum”.

Ao ler, com toda a minha possível atenção estas palavras, pude perceber que nem sempre este aspeto essencial do bem comum acontece na nossa sociedade. Em particular hoje em que a paz em vários contextos está ameaçada. Sendo este um artigo do tema Economia e Fé, recordei o caso da empresa Danone. Esta situação foi trazida por um grupo de estudantes do Mestrado em Negócios Internacionais que numa das aulas tinha de preparar e apresentar uma análise crítica às Contas de uma empresa internacional, incluindo a área da sustentabilidade e responsabilidade social. Os estudantes, já quase a concluir a sua apresentação, trouxeram para a discussão a informação sobre os valores avultados de prejuízos divulgados pela empresa, devido a uma venda “forçada” da sua filial na Rússia, como consequência do contexto de guerra que temos assistido. Estes dados geraram uma discussão entre os estudantes que foram dando a sua opinião sobre esta atuação, que merece uma reflexão sobre os seus múltiplos impactos, nomeadamente nos preços dos produtos noutros países para recuperar este prejuízo! Ou seja, uma consequência em cadeia que afeta negativamente outros.

Por coincidência, ou não, na semana seguinte deparei-me com uma notícia publicada online pela Executive Digest que referia  que a  Rússia tinha ordenado a expropriação de empresas europeias para financiar mais um ano de guerra na Ucrânia. “O presidente russo, Vladimir Putin, deu ordem para uma vasta campanha de expropriações e nacionalizações de empresas europeias a operar na Rússia, medida que o Kremlin justifica como uma resposta direta às sanções ocidentais e uma forma de garantir recursos para prolongar a guerra na Ucrânia.”[1]

Esta e outras notícias dão-nos nota da ausência de ações na construção do bem comum percebendo, com casos reais, as palavras do Papa Francisco que nos alerta, na citada encíclica, “há demasiados interesses particulares, e, com muita facilidade, o interesse económico chega a prevalecer sobre o bem comum e a manipular a informação para não ver afetados os seus projetos.” (54) E que as crises económicas internacionais (como as que temos assistido fruto de guerras incompreensíveis) mostram, de forma, atroz, os efeitos nocivos que traz consigo o desconhecimento de um destino comum, do qual não podem ser excluídos aqueles que virão depois de nós (159). Afinal a noção de bem comum engloba também as gerações futuras.

Mas há também histórias bonitas que nos elevam a alma e fazem perceber que noutras situações se verifica o respeito pela pessoa humana.

Este fim de semana realizou-se o retiro de preparação para o advento, organizado pelo Carmelo Secular (OCDS). O Padre Agostinho Leal, por muitos conhecido, foi-nos presentando histórias do quotidiano que nos abrem a mente. No início do retiro partilhou uma história com muito sentido e que nos permite várias leituras, a que chamou os sapatos de Sarah Rozik. Apresentou uma curta-metragem intitulada: “O outro par”[2]. Esta história foi inspirada numa situação da vida de Mahatma Gandhi. Numa azafama de gente, numa rua de uma qualquer cidade da Índia, uma criança pobre que passa os dias na estação de comboio a pedir dinheiro para sobreviver, luta com um dos seus sapatos (na verdade é um chinelo) estragado.

No meio de tantos pés que se movem apressadamente aparece um par de sapatos especiais, a brilhar, a luzir… Esta criança fica encantada. São de um menino rico que vai com o seu pai. Na entrada para o comboio, no meio da confusão, um sapato fica no meio da estação e o comboio parte. A criança pobre corre a apanhá-lo e corre a tentar devolvê-lo ao seu dono, que traduz uma expressão simples de socorro. Não é possível a devolução face à velocidade do comboio e, então, o menino sente-se derrotado no seu esforço; mas o outro “amigo” ao perceber a sua grandeza e o seu gesto tão gratuito, envia-lhe o outro par… Uma história comovente pela simplicidade e ternura das crianças. O desapego e o retorno. Na verdade, somos chamados a transformarmo-nos em instrumentos do Criador, de Deus Pai que pensa em todos e sonhou um planeta que fosse marcado pela paz, beleza e plenitude, onde todos se sentissem bem, onde imperasse o bem comum (53).

Este princípio do bem comum que faz parte da doutrina social da Igreja e por isso se aplica a tantos âmbitos da vida social, precisa de ser recuperado por todos nós, cristãos. Será que todos os cristãos estão despertos para este conceito e para esta realidade? Ou será o bem comum uma miragem? O Papa Francisco diz que a ecologia humana é inseparável da noção de bem comum, princípio que desempenha um papel central e unificador na ética social (156).

Creio que a resposta surge como em alguns estudos científicos: “inconclusiva”, ou seja, temos muitos exemplos em que infelizmente o bem comum não é acautelado, é uma miragem, mas temos também muitas histórias e ações de esperança em que o bem comum é uma realidade e nos levam a acreditar num futuro melhor.

Que possamos todos trabalhar para que o bem comum seja mais uma realidade que uma miragem!


[1] O leitor pode ter acesso ao texto completo em: https://executivedigest.sapo.pt/russia-toma-o-que-e-seu-putin-ordena-a-expropriacao-de-empresas-europeias-para-financiar-mais-um-ano-de-guerra-na-ucrania/?dicbo=v2-4LVw9JE. Notícia publicada em 20 de outubro de 2025 por Pedro Gonçalves.

[2] Podem ver este pequeno filme em https://www.youtube.com/watch?v=rS1tvnQOCVU, onde aparece a curiosidade: O filme egípcio “O OUTRO PAR”, com apenas 4 minutos de duração, ganhou o prémio de melhor curta metragem em festival de cinema. A diretora Sarah Rozik tem apenas 20 anos de idade.