2º Domingo do Advento (A)
Mateus 3,1-12


Referências bíblicas

  • 1ª leitura: “Ele não julgará pelas aparências, mas trará justiça para os humildes.” (Isaías 11,1-10)
  • Salmo: Sl 71(72) – R/ Nos seus dias, a justiça florirá.
  • 2ª leitura: O Cristo salva todos os homens. (Romanos 15,4-9)
  • Evangelho: “Convertei-vos, porque o reino dos Céus está próximo.” (Mateus 3,1-12)

Preparar os caminhos do Senhor.
Marcel Domergue

Com a vida pela frente

Quando a idade vai chegando (atenção, jovens: este comentário é também para vocês), costumamos falar em “ter a vida pelas costas”.A esta constatação, podemos acrescentar que, se formos lúcidos, uma retrospectiva rápida sobre a nossa vida não nos despertaria nenhum desejo de festejar.Aliás, há momentos em que, olhando o passado, só vemos o que foi bom, e outros momentos em que só percebemos fracassos e insuficiências.

No fundo, não importa porque, qualquer que seja a nossa idade ou estado de saúde, a nossa vida não está para trás, no passado, mas, sim, diante de nós, à nossa frente. Estamos indo em direção à vida, no que nem sempre é fácil acreditar. Pois eis que estamos, aqui e agora, num ponto preciso da nossa existência.

O passado está inscrito em nosso corpo e em nosso espírito como se fossem camadas geológicas, mas ativas, para o melhor e para o pior. É grande a tentação de imaginar que o passado nos enclausura numa espécie de destino. Mas não é nada disso, pois, onde quer que estejamos, estamos sob o domínio de um apelo que nos vem dum outro lugar, dum “ainda não aí”.

Estamos em processo de criação: estamos ainda “por vir”. Por isso, as três leituras deste domingo, cada uma a seu modo, nos colocam numa posição de espera, de expectativa, ou seja, de esperança (palavra tirada da segunda leitura, onde é dada como sinônimo de perseverança e coragem).A plenitude da vida está diante de nós, no final da nossa estrada.

O que estamos esperando?

A primeira leitura tem a resposta: “Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará de suas raízes.” O Novo Testamento vê esta promessa cumprida na pessoa de Jesus Cristo. Seria, portanto, o final desta espera? Não, porque a imagem do rebento, ou do broto, sugere um crescimento.

O nosso conhecimento de Cristo, como diz Paulo, por ora é imperfeito. E mais, há o crescimento deste corpo de Cristo que é nossa comunhão na unidade. E que, portanto, em certo sentido, é o crescimento do próprio Cristo, que só atingirá todo o seu porte na hora de “sua vinda, na glória”, o que para nós permanece um mistério.

Em 1 João 3,1-2, ficamos sabendo que o nosso próprio crescimento e o ATINGIR A PERFEIÇÃO DA NOSSA CRIAÇÃO coincidirá com a revelação do Cristo tal qual Ele é. Seremos então “participantes da natureza divina” (2 Pedro 1,4.) Quanto ao evangelho de hoje, que relata a pregação de João Batista, está todo ele voltado para “Aquele que vem”.

Cuidemos, no entanto, de não situar a vinda de Cristo num futuro indeterminado: o “Ele virá” ganha permanentemente a forma do “Ele vem”. As Escrituras dão testemunho deste duplo aspecto: o Reino de Deus é para o final dos tempos; e, no entanto, “está próximo”, “já está aí, no meio de vós” (ou “entre vós”, que incorpora o Reino de Deus ao amor).

Em nós, a esperança já é de fato a presença e a posse do que esperamos (numa tradução abrangente de Hebreus 11,1).

O fim do futuro

Aqui estamos, pois, começando sempre a viver uma história, na qual cada instante já vem carregado com a presença do futuro. E esta é uma presença ativa e criadora, uma vez que se trata da Presença divina. Se fôssemos condicionados somente por nosso passado, estaríamos -é preciso repetir- enclausurados na prisão do destino.

O nosso passado é de fato assumido e reconstruído ao se desenvolver a nossa aliança com Deus, aliança que faz gerar o novo, pois Deus é sempre novo. Pensemos numa criança, em seu nascimento: há todo um passado dentro dela, no DNA da sua herança. E, no entanto, ela é nova, imprevisível e única.

Ser filho de Abraão é uma boa herança, mas, por Deus ser livre, ou seja, detentor do poder de fazer surgir o novo (as crianças nascidas “destas pedras”), ser aliados d’Ele nos torna participantes da sua liberdade absoluta. Mas João Batista nos anuncia o final deste percurso e a hora do balanço.

Ele vê em perspectiva a vinda do Cristo, que veio já em Belém, mas que, agora, com a sua última vinda, está na vigília de nascer para o cumprimento da sua missão: proferir a palavra cortante que opera a triagem entre o bem e o mal, entre o que vale e o que nada vale.

Atemorizante? Não, pois somos todos portadores de palha e do bom grão: a triagem final libertará cada um de nós “do homem iníquo e fraudulento” (Salmo 43) que, em nós, que somos imagem de Deus, vive como uma parasita. Tudo virá à luz, mas tudo o que vem à luz, até mesmo as nossas trevas, se torna luz (Efésios 5,13 e Salmo 139,12).

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UM MUNDO NOVO GOVERNADO POR UM MENINO
Antonio Couto

(A quem interessar, e para outras latitudes onde esta página é lida, dado que este ano, neste Domingo II do Advento, em Portugal, se celebra a Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria).

1. O texto do Evangelho deste Domingo II do Advento (Mateus 3,1-12) apresenta algumas notas salientes: 1) É notória a sintonia de João com Jesus, dado que ambos abrem o seu ministério, dizendo as mesmas palavras: «Convertei-vos, porque se fez próximo o Reino dos Céus» (Mateus 3,2; cf. Mateus 4,17); 2) ambos colocam o seu ministério com referência a Isaías (Mateus 3,3; cf. Isaías 40,3; 4,14-15; 8,23-9,1); 3) ambos abrem no deserto a sua missão, evocando o Êxodo do Egito, o novo Êxodo da Babilónia (Ezequiel 20,33-38) e o Êxodo do noivado de Deus com Israel (Oseias 2,16-23), mas também a febre messiânica que situava no deserto o princípio da renovação escatológica; 4) a indumentária de João Batista (Mateus 3,4) evoca a de Elias (2 Reis 1,8), com o qual é, de resto, identificado por Jesus (Mateus 11,14; 17,12-13).

2. Se é evocada a continuidade dos ministérios de João e de Jesus, não deixa também de ser bem acentuado o confronto entre os dois: 1) vê-se bem que João Batista anuncia um Messias juiz, que traz na mão o machado e a pá de joeirar (3,10-12), enquanto que Jesus assumirá a figura de Servo do Senhor manso e humilde (12,17-21); 2) o apelo à conversão que João faz não é dirigido aos pagãos, mas aos israelitas piedosos (3,7-10): portanto, face ao Messias juiz que vem aí, também os justos se devem converter; não é a raça de Abraão que conta, mas a fé; 3) a conversão manifesta-se em fazer fruto, uma ideia recorrente em Mateus (cf. 7,16-20; 12,33; 13,8; 21,41 e 43; 25,40 e 45…); 4) a conversão, aqui expressa pelo verbo metanoéô, não deve ser vista apenas pelo seu significado etimológico: mudar de mentalidade; seria uma maneira de ver muito intimista, mostraria o homem debruçado sobre si mesmo, sobre os seus pecados; ora, a raiz hebraica shûb, sobretudo depois de Jeremias (Isaías 31,6; 45,22; 55,7; Jeremias 3,7.10.14.22; 4,1; 8,5; 18,11; 24,7; 25,5; 26,3; 35,15; 36,7; 44,5; Lamentações 3,40; Ezequiel 13,22; 14,6; 18,23 e 30; 33,9 e 11; Oseias 11,5; 12,6; 14,1-2; Joel 2,12-13; Zacarias 1,3-4; Malaquias 3,7), não implica o dobrar-se do homem sobre si mesmo, mas o orientar-se para ALGUÉM, para Deus, com quem o ser humano cortou relações, distanciando-se e quebrando a aliança. Esta ideia de conversão como caminho de regresso a Deus estava muito disseminada no judaísmo primitivo, mas era desconhecida na religião grega; 5) à vista de Jesus que vem no meio da multidão, como verdadeiro Servo do Senhor (3,13-14), que assume as faltas da multidão, João fica confuso; na verdade, esperava um Juiz, e não um Servo solidário com o povo no pecado (por isso, vem, no meio do povo, a este batismo de penitência); 6) além disso, e contra todas as expectativas de João, Jesus não vem para batizar, mas para ser batizado (3,11.13-14); 7) o diálogo travado entre João Baptista e Jesus (3,14-15) é exclusivo de Mateus (nenhum outro Evangelho o descreve).

3. Faz-se notório o sonho de um Deus que desce ao nosso meio, não para nos condenar ou derrubar, mas para se tornar solidário connosco.

4. Isaías 11,1-10, que serve hoje de ressonância ao Evangelho, mostra muito mais o tom manso e suave do Servo do Senhor que Jesus incarna do que o martelo do Juiz que João Batista prenuncia. Isaías abre diante de nós um mundo novo, tenro e terno, que, visto desde este nosso mundo escuro e tantas vezes desumano, soa a sonho. Ei-lo desenhado nestes versos imensos: «Então o lobo habitará com o cordeiro,/ o leopardo deitar-se-á com o cabrito,/ o bezerro e o leãozinho andarão juntos,/ e um menino pequeno os conduzirá.// A vaca e o urso pastarão juntos,/ juntas se deitarão as suas crias,/ o leão comerá feno com o boi,/ e a criança de peito brincará com a víbora» (Isaías 11,6-8).

5. Avista-se daqui o Menino de Belém. Uma paz a perder de vista, sem princípio e sem fim. Um mundo novo governado por um menino pequeno. Vê-se bem que este mundo belo e manso não se parece nada com o nosso, cheio de raivas e de ódios, invejas, mentiras, manhas, astúcias, violências e guerras. Nenhum menino poderia governar um mundo assim. E o problema que nos assalta não está no menino; está neste nosso mundo mentiroso, fraudulento e violento.

6. Contra este mundo empedernido e embrutecido embate a ternura do Menino de Belém. Entenda-se bem outra vez: não é o menino que está errado; somos nós que estamos completamente errados. É por isso que somos convidados à conversão.

7. O mundo novo e saboroso que emerge dos textos de hoje é também sublinhado por S. Paulo nas exortações que nos dirige na Carta endereçada aos Romanos 15,4-9. Como seria belo um mundo pautado por uma verdadeira fraternidade em que todos vivêssemos sob o impulso e o alento carinhoso e criador de Deus. Na verdade, todos respiramos o mesmo alento, que o texto grego diz com o belo termo composto homothymadón (Romanos 15,6), que junta homós [= mesma] e thymós [= alma], sendo que thymós deriva de thýô [= soprar]. E que mundo maravilhoso surgiria, rompendo a crosta do egoísmo e da dureza de coração, se «nos acolhêssemos uns aos outros, como Cristo nos acolheu a nós» (Romanos 15,7). Aí está então a comunidade humana irmanada e reunida, porque todos recebemos de Deus o mesmo alento, o mesmo sopro criador (Génesis 2,7), e com uma só boca (en henì stómati) e a uma só voz cantamos os louvores do nosso Deus (Romanos 15,6). Esta linguagem e esta harmonia enchem por inteiro a comunidade primitiva (Atos 1,14; 2,46; 5,12).

8. Também os versos sublimes do Salmo Real 72 cantam a mesma melodia de alegria que se insinua nas pregas do coração da inteira humanidade maravilhada com a presença de Rei tão carinhoso. Também aqui encontramos a hiperbólica «idade do ouro», o grão que cresce mesmo no cimo das colinas, e a felicidade dos pobres, que serão sempre os melhores «clientes» de Deus. Extraordinária condensação da esperança da nossa humanidade à deriva.

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São três, os personagens principais que, no tempo do Advento, se preparam ao encontro com Cristo: O profeta Isaías, João Baptista e Maria. Cada um dos três tem um relacionamento missionário muito particular com o Messias-Salvador que vem: Isaías preanuncia-o, João mostra-o já presente, Maria recebe-o e oferece-o. Também, outros “pobres de Iavé ” do Primeiro Testamento viviam à espera de um Messias, mesmo se para muita gente essa espera era confundida e misturada com esperanças humanas.

Ainda hoje a esperança é um valore em crise de conteúdos, porque muita gente não sabe bem do que é que têm maior necessidade para um crescimento integral da sua vida. Numa obra teatral emblemática do nosso tempo, o escritor Irlandês Samuel Beckett, prémio Nobel da literatura (1969), denuncia a absurdidade da condição humana: toda a obra À Espera de Godot é construída sobre a longa espera de um personagem importante mas desconhecido, de perfil e contornos nebulosos. Quando finalmente se diz que este personagem está para chegar, a última frase dos actores é um duvidoso “Vamos!”, mas a indicação cenográfica anota: “Ninguém se mexe”. Nada aconteceu. A longa espera ficou vazia. Uma pura ilusão!

A esperança cristã não é assim, é um dinamismo de abertura e de encontro orientado para uma Pessoa conhecida e da qual nos sentimos profundamente amados: é o Salvador de todos, com um nome e um rosto bem definidos. Chama-se Jesus Cristo. Ele é o centro do anúncio missionário da Igreja. À “esperança cristã” o Papa Bento XVI dedica a sua segunda encíclica Spe salvi ( na esperança fomos salvos – Rm 8,24). Se a caridade é o coração da fé cristã – porque Deus é amor! – a esperança é o dinamismo que a mantém viva no tempo e no espaço; a alma que sustenta o anúncio missionário do Evangelho em todas as latitudes e entre todos os povos. O Papa demonstra-o também com a história emblemática de Santa Josefina Bakhita (1869-1947), que de escrava no Darfur, “raptada e chicoteada foi vendida cinco vezes nos mercados do Sudão”, tornou-se plenamente livre e salva: no corpo e na sua dignidade como pessoa, mas mais tarde também como baptizada e como religiosa. Ela sentia-se conhecida, “definitivamente amada” e esperada pelo seu Senhor, que ela chamava o seu novo e supremo e único ‘Patrão’. Desta experiência, nascia nela o ardor missionário: estava convencida de que “a esperança que tinha nascido para ela e a tinha «redimido», não podia conservá-la só para si: esta esperança nova devia chagar a muitos mais, a todos” (Spe salvi, n. 3). (Cronologicamente, a sudanês Bakhita era do território e da época na qual S. Daniel Comboni era bispo, mesmo se os dois nunca chegaram a encontrar-se).

O profeta Isaías (I leitura), oito séculos antes do nascimento de Cristo, em tempos de violência e desolação, foi capaz de cantar a esperança num futuro de vida, de reconciliação e prosperidade para o seu povo. Em situações análogas de sofrimento, também um outro jovem profeta, Jeremias, foi capaz de ver a amendoeira em flor (Jer 1,11). Onde todos viam só negatividade, os profetas viam além, mais longe, uma história de esperança diferente: a história de Deus que conduz todos à salvação. Isaías via desabrochar um rebento, que logo se enchia do espírito multiforme do Senhor (v. 1-3). E descreve o estupendo jardim da convivência pacífica de todos os viventes (animais e pessoas) entre si, e deles com a criação (v. 5-9). Só um povo que vive assim, na justiça e na harmonia de relações, tem algo de positivo a dizer aos outros, pode tornar-se um “estandarte para os povos” (v. 10). Só assim terá algo de verdadeiro e de bela a partilhar na assembleia das nações. E assim se torna numa comunidade missionária! Entre as características de um tal povo assim pacificado, seja no seu interior como nas relações externas, S. Paulo (II leitura) inclui a capacidade de se acolherem “uns aos outros como também Cristo vos acolheu” (v. 7), pela sua misericórdia (v.9).

João Baptista (Evangelho), profeta austero e interiormente livre, prepara, com palavras de fogo, o caminho para o Senhor que vem depois dele, baptiza “com água para a conversão”, anunciando a presença de um mais forte do que ele, que “baptizará em Espírito Santo e no fogo” (v. 11). Por isso João grita: “Convertei-vos” (v. 2). Existe uma criatura plenamente convertida, isto é orientada para Deus, cheia de Espírito Santo: é, exemplarmente, Maria, toda pura, sem mancha; é Imaculada (8 Dezembro). Ela acolheu o seu Senhor e deu-lhe corpo humano; agora oferece-o a todos, também àqueles que ainda não o conhecem. O Advento é um tempo privilegiado para viver a missão: no Advento e Natal o Senhor vem a nós; não faltará ao encontro. Mas Ele quer ir ao encontro de outros também através de nós.

Advento: tempo de nutrir-se interiormente
Adroaldo Palaoro, sj

As leituras do domingo passado nos falavam de velar, de vigiar, de estar desperto. Hoje falam aqueles que estiveram nessa atitude de sentinelas: os profetas. Situados em posições estratégicas, descobrem no horizonte a presença de sinais de vida ou de morte. Assim se convertem em vigias e mensageiros.

Neste 2º Domingo de Advento, os profetas Isaías e João tem a palavra. A palavra de um profeta nunca é fácil de aceitar porque move a mudar, e isso não tem muita ressonância em nosso interior.

O profeta é o homem que vê um pouco mais além, ou mais profundamente que o restante dos mortais. Essa vantagem nasce de sua atitude de discernimento; ele não se contenta ou não se conforma com o que vê ao seu redor e busca algo novo. Essa novidade ele a encontra em sua própria interioridade, e ali percebe as exigências que seu verdadeiro ser pede, para ele e para todo ser humano.

O profeta é a figura chave neste tempo de Advento. Não se trata de um adivinhador do futuro; tampouco devemos pensar em um ser humano separado dos demais, que, por eleição especial, Deus vai lhe indicando o que é preciso dizer aos outros. Profeta é todo aquele que está desperto e com os olhos bem abertos.

Ele não é um porta-voz enviado a partir de fora, é sempre um explorador do “interior humano” e que tem a valentia de viver a partir das raízes profundas de seu ser.

À luz das profecias, o Advento nos revela que somos seres de enraizamento e de horizontes, de interioridade e de universalidade… O desafio consiste justamente em manter juntos o enraizamento e o horizonte. Encarnados, mas abertos à transcendência. Nesse sentido, transcender não significa fugir da própria realidade, mas mergulhar na própria condição humana; “transcender é humanizar-se”.

Somos convidados, neste tempo litúrgico, não apenas a nos expandir e a voar para o alto, mas, fundamentalmente, a descer e a buscar o chão onde nos enraizamos. Por um lado, ter horizontes nos faz romper barreiras e ultrapassar os limites, impulsionando-nos à busca permanente do novo e do inspirador.

Por outro lado, vamos tomando consciência que no mais profundo de nosso ser encontram-se as raízes que devem sempre ser alimentadas e avivadas, pois são elas que sustentam o ponto de partida para o novo, para uma verdadeira mudança e conversão. É da nossa interioridade que “há-de-vir” (advento) as possibilidades e os recursos que farão nossas vidas mais abertas e oblativas, semelhantes à vida d’Aquele que “desceu” até às profundezas da condição humana.

A verdadeira nobreza do ser humano consiste nisto: há nele um desejo, uma força latente, como uma energia fundamental, que o impulsiona a viver, que o ajuda a crescer e a melhorar continuamente, que aumenta a sua capacidade de resistência, que o estimula a alcançar aquilo que é o sentido de sua própria existência: a verdade, a liberdade, o bem, o amor…

Com a presença desta força interior, a pessoa se sente guiada e sustentada no caminho da maturidade humana, proporcionando-lhe saúde física, lucidez mental e limpidez afetiva. É esta força que comanda os melhores momentos da sua vida como um princípio ativo, dinâmico, criativo…

Quando esta “força vital” permanece atrofiada, a pessoa perde a direção, não desenvolve suas potencialidades e demite-se da própria vida. É decisivo saber descobrir e canalizar essas energias espontâneas, capazes de promover a integração e que são facilitadoras de mudanças frente à finalidade de sua vida.

No tempo do Advento, tomamos consciência que a raiz de nosso ser essencial constitui nossa autêntica vida. Descobri-la, alimentá-la e viver a partir dela constituem a plenitude de nossa realização.

Precisamos viver mais nas raízes de nosso ser; precisamos aprender a viver de uma maneira mais profunda e autêntica, a partir do núcleo mais íntimo de nosso ser.

E viver a partir de nosso ser essencial significa integrar e harmonizar todos os níveis de nossa pessoa: corpo, mente, afetividade, coração… com a fonte de nossa vida. Trata-se de descer em profundidade, de encontrar o nosso centro, aquele ponto de gravidade por onde passa o eixo do nosso equilíbrio pessoal.

Advento, tempo das raízes! Tempo oportuno que nos mobiliza a descer ao nosso chão existencial, a olhar o mais profundo de nós mesmos e da realidade que nos cerca, para descobrir ali os ricos recursos de vida que ainda não foram ativados. O novo vem das raízes, vem de baixo, da base, do chão.

A fecundidade tem lugar no oculto, nas entranhas da terra.

Na vivência do Advento nos é pedido que mergulhemos os pés no “chão da vida”, como as raízes mergulham na terra de modo profundo, silencioso e lento.

Aqui, o caminho para Deus implica “descer” ao nosso próprio chão e viver em sintonia com todas as expressões de vida, numa fraternidade universal. Subimos, rumo ao Transcendente, quando descemos ao nosso chão. O movimento de enterrar profundamente as raízes possibilita alcançar a seiva, o pulsar da vida e o equilíbrio. A profundidade do enraizamento torna-se plataforma para poder alçar voo e ir além dos nossos limites e interesses estreitos, rumo ao Todo infinito.

O Advento nos faz lançar raízes no mais profundo de nossa condição humana e despertar todas as energias criativas, todas as grandes motivações adormecidas, toda bondade aí presente, toda decisão de assumir-nos como cooperadores de um novo tempo. Das raízes profundas brotam as respostas mais criativas e duradouras; das entranhas abertas emergem dinamismos que nos levam a ser presença inspiradora e diferente no contesto onde vivemos.

A experiência cristã, portanto, implica “mergulhar os pés na terra”. Expressões do nosso cotidiano como “pôr os pés no chão”, “estar com os pés na terra”, significam enraizar-nos e comprometer-nos com a realidade que nos afeta.

Um “chão” é sempre mais que um simples chão: cada chão revela lembranças, referências, medos, saudades…; cada chão guarda histórias, presenças e tem força de memória. Há vida, pessoas, caminhos, acontecimentos, experiências…

Chão amplo é convite a sonhar alto, a pensar grande, a aventurar-se…, ousar ir além, derrubar nosso modo arcaico de proceder, romper com os espaços rotineiros e cansativos.

“Chão humano e humanizante” porque carregado da presença divina. Cada pessoa é autêntico chão da eterna presença de Deus.

Onde nossos pés estão plantados? Onde nossas raízes existenciais buscam alimento?

Para meditar na oração

“Orar com o coração” significa voltar os olhos mais para a interioridade, para poder reconstruir e reunificar as “forças” dispersas de si mesmo.

Diante de presença de Deus desça à própria realidade interior, até atingir as raízes de seu ser, para que dali brote o novo que sustentará e dignificará o seu viver.

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