33° Domingo do Tempo Comum (ciclo C)
Lucas 21,5-19


Tempo

Referências bíblicas

  • 1ª leitura: “Para vós, nascerá o Sol da justiça” (Malaquias 3,19-20)
  • Salmo: Sl. 97(98) – R/ O Senhor virá julgar a terra inteira; com justiça julgará.
  • 2ª leitura: “Quem não quer trabalhar, também não deve comer” (2 Tessalonicenses 3,7-12)
  • Evangelho: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida” (Lc 21,5-19)

Nós estamos a aproximarmo-nos do final do tempo litúrgico que conclui com a Festa de Cristo Rei. Porque a liturgia é cíclica, nós começamos com o tempo do Advento, vamos até ao Cristo Rei, e depois voltamos a começar um novo ano litúrgico. Em cada ano vamos lendo um Evangelho. No próximo ano vamos ler o Evangelho de S. Mateus.

Estes últimos domingos do tempo litúrgico são domingos destinados a meditar sobre o tempo. O que é o tempo? Como é que nós vivemos o tempo? Como é que nós experimentamos o tempo que passa e ao mesmo tempo o definitivo? O que é que não passa? O que é que não muda? O que é que não se altera? No fundo, o que é podemos esperar, como nós refletíamos no domingo passado?

A questão sobre o tempo, para nós cristãos, introduz o tema do messianismo. Nós hoje praticamente esquecemos esse tema e vivemos na história como se a história fosse autossuficiente e como se ela se justificasse a si própria. Mas, desde o princípio, o Cristianismo é também o movimento messiânico. É o movimento cujos referentes não são apenas aqueles da ordem temporal, da ordem do mundo vigente – nós vivemos numa expectativa, nós vivemos numa espera! Na espera de uma transformação que começamos a viver já dentro de nós. Porque tudo começa aí, nesse encontro transformante com Jesus dentro de cada um de nós. Mas nós acreditamos que a história terá um desfecho e que esse desfecho será o encontro com Deus, com aquilo que Deus é.

A linguagem dos textos bíblicos é muito uma linguagem de poder – a linguagem da soberania, a linguagem do rei que volta, a linguagem do juiz da história. Mas, no fundo, é percebermos que Deus é o grande critério de avaliação da própria história.

A filosofia ajuda-nos a pensar esta questão do tempo e esta questão do messianismo. Nós, o ano passado, tivemos o belo curso programado aqui pela Luísa Ribeiro Ferreira, que nos ajudou a perceber como é que os filósofos tematizavam a questão de Deus.

Por exemplo, sobre o Evangelho de hoje há um sermão muito precioso do Kierkegaard, ou Kierkgord como alguns dizem em dinamarquês. Ele pega na última frase do Evangelho que hoje nós ouvimos e que nesta tradução diz: “Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas.” Faz uma tradução que não depende tanto do latim e que diz: “Adquirireis a vossa alma na paciência.” E faz uma reflexão muito interessante sobre este discurso de Jesus, que penso que nos pode ajudar. Ele começa por dizer: “Nós pensamos que já temos a nossa alma, que a única coisa que temos a fazer é não a perder e salvá-la, mas à partida nós já a temos.” Mas ele parte de um pressuposto diferente, ele diz: “Não, nós temos de adquirir a nossa alma.” E “adquirir”, diz ele, “é um bom verbo.” Porque “adquirir” quer dizer comprar, quer dizer conseguir possuir, conseguir alcançar. Como se compra um bem, como se adquire um bem precioso assim nós temos a tarefa de conquistar a nossa alma, de adquirir a nossa alma.

Isto é importante porquê? Porque para ele a vida é tarefa e é importante sentirmos isso. A nossa vida é uma tarefa. Nós estamos numa encruzilhada de liberdades, numa encruzilhada de hipóteses e nós temos de escolhermo-nos. Temos de fazer a escolha por nós próprios, a escolha por aquilo que é uma vida autêntica, uma vida verdadeira. Isso não é um dado, a vida verdadeira não é uma coisa que já temos, não é uma coisa que estamos a guardar zelosamente. Não, a vida verdadeira é uma escolha que nós fazemos, é uma decisão que nos cabe a nós fazer, em cada dia, em cada instante. Temos de a tomar como decisão fundamental da nossa própria existência. Por isso, nós temos de adquirir, de adquirir a nossa alma.

“Nós podemos pensar que o mundo é a nossa alma”, diz Kierkegaard. O mundo, o conhecimento, a riqueza, a grandeza, os nossos projetos, isto e aquilo, o que possuímos, o que temos – pensamos que isso é a nossa alma. Porque isso é que vai dizer: “Esta mulher realizou-se, este homem cumpriu-se.” Ele diz: “Isto é um erro, porque a alma do mundo não é uma alma que nós possamos adquirir. Porque tudo aquilo que possuímos, todos os bens materiais que nós temos verdadeiramente possuem-nos.” Nós temos a ilusão que temos o carro, verdadeiramente o carro é que nos tem a nós; nós temos a ilusão de que temos um bem, não, esse bem é que nos possui a nós, porque ele não é capaz de dialogar profundamente com a construção da nossa alma mais profunda. Por isso, não é a alma do mundo que nos vai dar uma vida autêntica mas é aquilo que só Deus nos pode oferecer e é aquilo que nós só podemos adquirir do próprio Deus. E podemos adquirir pela paciência.

Ele explica o que é a paciência: “A paciência é aquilo que um viajante tem de ter.” Quer dizer, um viajante, um peregrino que vai daqui a Fátima, ele sabe que tem de descansar. Ele sabe que se quiser chegar à meta tem de parar de caminhar durante um tempo, recuperar as suas forças e continuar. Isso é a paciência. Não se consegue tudo de uma vez. Às vezes é preciso a demora, às vezes é preciso o tempo de paragem, o tempo de pausa. Isso é a paciência na nossa vida. Como o agricultor não pode entrar numa ansiedade em relação à semente que deitou ao campo e ir lá escavar para ver se ela já está a brotar ou não, a germinar ou não. Não, ele tem de esperar que a coisa aconteça. Também nós temos de esperar na paciência a emergência da vida autêntica.

Ele começa o sermão dele com uma metáfora: “Temos de ser como o pássaro pobre.” O pássaro rico é aquele que vem através das coisas espetaculares, das coisas que se podem exibir, que se podem mostrar. O pássaro pobre vem apenas nú, com as suas asas através do vento. Se queremos construir uma vida autêntica, é por dentro, é por dentro. É através do vento do Espírito, mas também de uma decisão fundamental, que nós temos de cumprir a nossa própria existência.

O que é que Jesus nos diz no Evangelho? Ele diz-nos: “No mundo é tudo para relativizar.” Nós sabemos isto. Por exemplo, pensemos na história do Ocidente: impérios levantaram-se, impérios caíram; grandes projetos soçobraram; ainda o século XX, as grandes ideologias de resolução da história, a derrapagem trágica, dramática a que nós assistimos. Não é o mundo que nos dá a nossa alma. Por isso, a convulsão do mundo não pode nos capturar, não pode nos assustar. Temos de encontrar uma saída e a saída é escolhendo-nos a nós próprios, é escolhendo a nossa própria vida. Sabendo, com confiança, aquilo que Jesus nos garante: “nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá.” Sintamos, por isso, a confiança profunda.

Um outro filósofo, este nosso contemporâneo, Giorgio Agamben, um italiano, tem refletido muito sobre o messianismo. Ele diz: “É pena que o próprio Cristianismo se tenha afastado da dimensão messiânica, porque ele no princípio começou por ser uma religião do messianismo.”

E o messianismo o que é? O messianismo, diz ele, “Não é viver na expectativa do fim, de um fim que está para chegar, mas é viver já hoje o tempo do fim. É sabendo que o fim já veio. E que, por isso, nós temos uma liberdade para ser, uma liberdade para amar que nos define verdadeiramente.” Porque na tradição judaica, onde o messianismo foi germinado, dizia-se isto: “Quando o Messias vier Ele vai absolver a Lei.” Porque a Lei vale até ao Messias chegar. Quando o Messias chegar começa um tempo diferente, é um tempo que já não é definido pelo código da Lei, mas é o tempo do Messias. É um tempo gerido, arquitetado por outros referentes.

Ora, nós cristãos acreditamos que o Messias já veio, e que por isso nós não vivemos justificados pela Lei, mas vivemos justificados pelo próprio Messias, pelo Seu testemunho, pela radicalidade da Sua vida, pelo amor que Ele nos permite. Por isso, no tempo messiânico os cristãos têm de ser profetas, têm de se levantar, têm de sonhar, têm de sentir essa liberdade para repensar o mundo e repensar a história.

Ainda ontem foi o funeral do Alfredo Bruto da Costa, ele é um cristão que dá um exemplo de uma liberdade muito grande face ao mundo. Nós, por exemplo, facilmente caímos num conformismo muito grande em relação a temas como a pobreza, como a desigualdade, como a diferença entre os seres humanos, como a erradíssima distribuição da riqueza e das possibilidades. Nós conformamo-nos muito a este modelo social. Ele era alguém que não se conformava, para ele a justiça de que nós ouvimos hoje ler nos Evangelhos era alguma coisa que habitava o seu coração e que inspirava verdadeiramente a sua ação. Ele era um homem livre face àquilo que é a nomenclatura deste mundo, a organização deste mundo. E sonhava possibilidades diferentes para o mundo.

Isto é, nós fazemos a experiência de que Cristo veio, de que a plenitude do tempo chegou, de que já começou o tempo do fim. Isso dá-nos asas, isso dá-nos desejos, isso dá-nos sonhos, isso dá-nos utopias, isso dá-nos um olhar novo sobre a vida, sobre nós próprios. Isso dá-nos uma amplidão que nos permite ouvirmos estas leituras e não sentirmos que um tijolo nos cai na cabeça e que é o fim e que isto tudo vai acabar e que não há solução. Não, esta reflexão sobre o tempo é para dizer: “A responsabilidade do tempo está nas vossas mãos. Ele já veio, e agora? E agora?”.

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Amedrontar-se ou esperar pelo «dia do Senhor»?
Marcel Domergue, sj

Um mundo dividido

No evangelho de hoje, Jesus apresenta todos os conflitos como prelúdios e profecias de uma destruição final. Mas não é preciso conjugá-los no futuro: basta abrir o jornal para constatarmos a sua onipresença. Jesus, aqui, mais do que uma profecia, faz uma descrição. Mas não será que força muito a barra quando vê estas hostilidades em ação até mesmo no seio das famílias? Não, pois cada um de nós tem muitos exemplos disto em seu universo de relações. No fundo, isto tudo exprime e materializa o nosso ressentimento para com o que nos funda, nos faz ser e que chamamos de Deus.

Tudo se passa como se nos transferíssemos para o exterior de nós mesmos, fazendo pesar sobre os outros a recusa de ser o que somos. São traduções múltiplas da ambição decepcionada de não sermos “como deuses” (Gênesis 3,5). Tudo se passa como se nosso drama interior tomasse forma visível no mundo.

Notemos que Jesus põe em perspectiva todos os males que afetam os homens: guerras, catástrofes naturais, doenças, penúrias, perseguições… Com efeito, sempre se trata do drama da nossa fragilidade; fragilidade que gostaríamos de ver apagada, porque ela nos amedronta.

O Templo destruído

Jesus não diz a origem de todos estes males que temos de sofrer. Não vamos logo pensando tratar-se de castigos infligidos por Deus aos pecadores que somos. Alguns textos até dizem isto, mas, paradoxalmente, é para nos tranquilizar. Deus não está ausente dos nossos males; não estamos submetidos aos caprichos do absurdo; tudo isso tem um sentido. E se tem um sentido é porque vai dar em algum lugar.

Deus, que é a nossa origem, está de fato implicado, a título, porém, mais de vítima do que de provedor da justiça. Não é, afinal, o que a Cruz nos revela? Todas as catástrofes enumeradas são aqui simbolizadas pela destruição do Templo, tema que abre a nossa leitura. E o Templo é imagem e materialização da presença de Deus sobre a terra, a habitação escolhida por Ele.

Por isso todos os males que sofremos e todos os que provocamos são expressão de nossas tentativas de expulsar Deus, de expulsar o Amor do nosso universo. Ainda assim, vamos de novo encontrar o Cristo. Ora, não seguimos destruindo o templo do seu corpo? Não anunciemos depressa demais tratar-se apenas de metáfora: Jesus é a verdadeira morada de Deus sobre a terra, o lugar da presença divina, da qual o Templo era tão somente figura anunciadora (ver João 2,22-24).

Por isso Mateus e Marcos escrevem que, na hora em que Jesus morreu, o véu do Templo rasgou-se. E, assim como em nosso texto, a terra tremeu.

O final é para hoje

O Templo e o Cristo rasgados… Será que Deus vai ser jogado fora do mundo? Ao contrário, o véu rasgado e o lado aberto vão revelar aos homens o mistério que, neles, se fazia ao mesmo tempo esconder e significar: o mistério de um amor que supera e utiliza tudo o que pretende destruí-lo.

Por isso, em Mateus, a terra tremeu, as rochas se fenderam e os túmulos se abriram. A vitória do que mata se torna vitória do que faz viver. Era preciso que o túmulo se fechasse sobre o Cristo para que ele pudesse se abrir para nós.

Um sol se levanta (1ª leitura). Sol que queima todos os nossos vícios, iluminando as nossas trevas; «o sol da justiça, trazendo salvação em suas asas.» Não acreditemos nestes que dizem «Sou eu» ou «Ele está aqui… ele está ali…» O Cristo encontra-se aqui onde estamos; está em toda dor humana.

Por isso não se pode anunciar uma data para o final. Final que está sempre aqui e mantém-nos sob o seu domínio. Um dia, também para nós o véu se rasgará e descobriremos que estamos aqui mesmo, onde jamais havíamos deixado de estar, no amor que nos faz ser, que nos carrega em seu regaço e nos faz atravessar os nossos abismos. Para chegarmos a este termo, que já está aqui, mas não ainda ao nosso alcance, é preciso perder todos os apoios com os quais pensamos poder contar e confiarmos somente na Palavra que nos criou. Não deve restar pedra sobre pedra dos templos que construímos para neles nos refugiarmos.

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O ano litúrgico encaminha-se ao seu fim, e o nosso caminho será retomado com o tempo do Advento, início de um novo ano. Eis-nos, portanto, em contemplação das realidades últimas, para as quais tende a nossa expectativa: o Senhor Jesus aparecerá na glória como Aquele que vem. É Jesus mesmo que, no fim dos seus dias terrenos, antes da sua paixão e morte, enquanto se encontra em Jerusalém para a celebração da Páscoa, diante do templo, estimulado por um pedido dos seus discípulos, delineia “o dia do Senhor” (jom ’Adonaj) como o dia da sua vinda.

O templo de Jerusalém, cuja reconstrução por Herodes havia iniciado 50 anos antes, aparecia como uma construção suntuosa, que impressionava quem chegava a Jerusalém. Esta não era como as outras capitais: era “a cidade do grande Rei” (Sl 48,3; Mt 5,35), o próprio Senhor, meta dos judeus residentes na Palestina ou provenientes da diáspora (da Babilônia a Roma), a cidade sede (lugar, maqom) da Shekinah, da Presença de Deus. O templo, no seu esplendor, era o seu sinal por excelência, tanto que se dizia: “Quem não viu Jerusalém, a resplandecente, não viu a beleza. Quem não viu a morada (o Santo) não viu a magnificência”.

Até os discípulos de Jesus no Vale de Cedrom, diante de Jerusalém, ou no Monte das Oliveiras, eram levados à admiração. Mas Jesus responde: “Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído”, palavras que, para os judeus, soavam como uma blasfêmia, a ponto de serem um dos capítulos de acusação contra Jesus no processo diante do Sinédrio (cf. Mc 14,58; Mt 26,61). Jesus não quer negar a beleza do templo, nem decretar a sua destruição, mas quer advertir os discípulos: o templo, embora seja casa de Deus, embora seja uma construção imponente, não deve ser objeto de fé nem entendido como uma garantia, uma segurança.

Infelizmente, o templo de Jerusalém havia se tornado o destinatário da fé por parte de muitos contemporâneos de Jesus: o serviço deles se dirigia não ao Deus vivo, mas ao templo, e a sua fé-confiança não se dirigia mais ao Senhor, mas sim à sua casa, lá onde residia a sua Presença…

Além disso, Jesus não faz nada mais do que advertir o povo dos fiéis, como fizera, séculos antes, o profeta Jeremias: “Não basta repetir: ‘Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor!’, e achar que ele pode salvar, mas é necessário viver segundo a vontade de Deus, praticar a justiça” (cf. Jr 7,1-15). De modo mais geral, as palavras de Jesus eram fiéis ao anúncio dos profetas, que várias vezes advertiram os fiéis, alertando-os contra o risco de transformar um instrumento para a comunhão com Deus em uma pedra de tropeço, em um lugar idolátrico, em uma falsa garantia de salvação. E Jesus, com o seu olhar profético, vê que o templo ficará em ruínas, será destruído, não será capaz de dar salvação a Israel.

Diante desse anúncio do seu Mestre, os discípulos têm uma reação de curiosidade: “Quando acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para acontecer?”. A essas perguntas, Jesus não responde pontualmente, não formula previsões, mas adverte os discípulos sobre como é necessário se preparar para “aquele dia” que vem. Nenhuma data, nenhuma resposta precisa às febres apocalípticas sempre presentes na história, entre os fiéis, nenhuma imagem aterrorizante como sinal, mas indicações para que os fiéis se aprofundem, leiam os sinais dos tempos e vivam com vigilância o próprio hoje, nunca esquecendo, mas, pelo contrário, conservando a memória da promessa do Senhor e esperando que tudo se cumpra.

Os últimos tempos são os tempos do treinamento para o discernimento, para aquele exercício pelo qual se pode chegar a “ver com clareza”, a distinguir o que é bom e o que é mau, e se podem encontrar as razões para a decisão, para a escolha da vida e para a rejeição da morte.

A primeira advertência de Jesus é um alerta contra aqueles que se apresentam como detentores do Nome de Deus: “Egó eimi, Eu sou”. Tal pretensão coincide com o fato de se arrogar uma centralidade, um primado e uma autoridade que pertencem somente ao Senhor. Nunca o fiel discípulo de Jesus pode afirmar: “Eu sou”, mas, ao contrário, deve sempre proclamar: “Eu não sou” (cf. Jo 1,20-21) e fazer um sinal, indicar o Cristo Senhor (cf. Jo 1,23-36). Infelizmente, os humanos procuram sempre um ídolo para pôr a fé, uma espécie de templo que os garanta e – como a história ensina tristemente – acabam encontrando-o ou em pessoas que vêm em nome de Jesus, mas na realidade são contra ele, ou em instituições humano: instituições litúrgicas, teológicas, jurídicas, políticas, que talvez se proclamem desejadas pelo próprio Cristo, enquanto, na realidade, são escândalo e contradição à fé autêntica!

Jesus adverte: “Não vão atrás (opíso) dessa gente”, porque o único seguimento é o indicado por Jesus mesmo e testemunhado pelo Evangelho, o seguimento atrás dele, o único mestre, o único guia (cf. Mt 23,8.10). Sem esquecer que, quando Lucas, por volta de 80 d.C., põe essas palavras de Jesus por escrito, ele sabe quantas vezes falsos profetas e impostores se apresentaram ao povo (cf. At 5,36-37; 21,38).

Além disso, os cristãos devem saber distinguir a parousía, a vinda final, acompanhada de eventos que põem fim a este mundo de acontecimentos sempre presentes na história: guerras, revoluções, terremotos, fomes, quedas de cidades, incluindo a própria Jerusalém… Além disso, devem ser levadas em consideração as violentas perseguições que os discípulos de Jesus conhecerão desde os primeiros dias da vida da Igreja (cf. Atos 4,1-31). Assim como Jesus foi perseguido até a morte, assim acontecerá com os seus discípulos e as suas discípulas, porque as autoridades religiosas não podem acolher a boa notícia do Evangelho, o fim da economia do templo, o fim do primado da Lei e do vínculo da descendência judaica; e as autoridades políticas não podem suportar a justiça vivida e pregada por Jesus!

Mas o que são as perseguições, senão uma ocasião para dar testemunho de Cristo? O discípulo sabe disso: ai se todos falarem bem dele (cf. Lc 6,26), mas bem-aventurado quando ele for insultado, acusado e caluniado, dizendo-se todo o mal dele, apenas porque ele torna eloquente na sua vida o Nome de Cristo (cf. Lc 6,22; Mt 5,11).

E isso não acontecerá apenas na ordinariedade dos dias, mas também haverá tempos e lugares em que os cristãos serão presos e levados a julgamento perante as autoridades religiosas, jogados na prisão e arrastados diante dos governantes e dos poderosos deste mundo, daqueles que exercem o poder e oprimem os povos, mas se fazem chamar de benfeitores (cf. Lc 22,25). A hora do fim certamente tem o poder de incutir medo, mas este não deve se tornar inibição para o cristão, não deve se tornar terror ou confusão, mas sim ocasião para restaurar a confiança em Deus e a esperança no seu Reino: o nosso único medo deveria ser o de perder a fé!

Mas o discípulo sabe que nada poderá separá-lo do amor de Cristo, nem a perseguição, nem a prisão, nem a morte (cf. Rm 8,35). De fato, Jesus lhe assegura que, na hora do processo, lhe serão dadas palavra e sabedoria para resistir aos perseguidores, que não poderão contradizê-lo. Em toda a adversidade, mesmo por parte de parentes, familiares e amigos, o cristão não deve temer nada. Ele deve apenas continuar confiando no Senhor Jesus, acolhendo a sua promessa: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!”. Eis a virtude cristã por excelência, a hypomoné, a perseverança-paciência: é a capacidade de não se desesperar, de não se deixar abater nas tribulações e nas dificuldades, de permanecer e durar no tempo, que se torna também capacidade de suportar os outros, de suportá-los e de sustentá-los.

De fato, a vida cristã não é a experiência de um momento ou de uma estação da vida, mas abrange a existência inteira, é “perseverança até o fim” (cf. Mt 10,22; 24,13), continuando a viver no amor “até o fim”, a exemplo de Jesus (Jo 13,1). É por isso que esta página evangélica não fala do fim do mundo, mas sim do nosso aqui e agora, do tempo que precede o fim: a nossa vida cotidiana é o tempo da difícil, embora feliz (cf. Tg 5,11) e salvífica, perseverança.

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O fim do mundo, ou a finalidade (o objectivo, o sentido) do mundo ? A palavra de Jesus (Evangelho) é mesmo catastrófico, ou antes reveladora do mistério de amor presente na vida e no cosmos? A conclusão, já próxima’ do ano litúrgico e do ano civil inspira a escolha de testos bíblicos complexos, onde se sobrepõem planos diversos: a destruição da bela cidade de Jerusalém (v. 6), guerras entre os povos, terramotos e calamidades, grandes sinais no céu, a ponto de fazer pensar num fim iminente de tudo (v. 9-11). Lucas usa uma linguagem de tons acesos, mesmo escaldantes, como diz o profeta Malaquias (I leitura), que arremete contra os soberbos e os injustos, destinados a serem queimados como palha seca (v. 19); enquanto o Senhor protegerá com os seus benefícios os que adoram o seu nome (v.20). O género literário chamado ‘apocalíptico’ próprio destas leituras, mais do que incutir terror, pretende revelar uma mensagem de salvação. ‘Apocalipse’, de facto, significa ‘revelação’, manifestação. A Palavra de Deus, mesmo de apocalíptica, sempre ilumina, julga, salva e consola. Aproxima-se quando chegam as provações da vida e da fé.

A comunidade do Evangelho de Lucas (por volta do ano 80) sofria perseguições e morte por parte de forças externas (império, sinagoga, tribunais…, v. 12); mas sofria também pelas fraquezas existentes no seu interior (abandonos, traições, ódio…), sempre por causa do nome de Jesus (v. 17). Por isso, Lucas escreve estas palavras de Jesus, em que adverte os seus contra os anúncios enganadores (v. 8); convida-os a não se deixarem aterrorizar por guerras e revoluções (v.9). As perseguições serão para eles um tempo de graça, um kairós, uma “ocasião para dar testemunho” do nome de Jesus (v. 13), na certeza da Sua assistência especial: o Senhor colocará na sua boca as palavras de sabedoria no momento oportuno (v. 15). E para lho assegurar melhor, usa uma imagem concreta, nada banal: até os cabelos da vossa cabeça são importantes e estão todos contados (v.18). Um Deus que ‘perde tempo’ a contar os cabelos da nossa cabeça! Se Deus cuida até dos fragmentos, se coloca a sua omnipotência ao serviço das coisas mais pequenas, se é um Pai que cuida até dos passarinhos do céu e dos lírios do campo ( cf. Mt 6,26s), muito mais cuidará dos seus filhos. Daqui nasce o convite aos cristãos, para que perseverem na tribulação, por muito dura que seja, com a certeza da vitoria  final (v.19), graças ao apoio perene e providente do Pai. A história dos mártires de todas as épocas (recordamos alguns deles esta semana: Cecília a 22, Agostinho Pró a 23, os mártires do Viet Nam a 24) são prova da verdade e da fidelidade das palavras de Jesus. Ele sustenta a todos quantos lhe dão testemunho.

A história da evangelização do mundo é constelada pela presença amorosa do Senhor para com os seus filhos. As provações passam, a missão alarga-se: os frutos permanecem e são sinais de vida. No campo do Senhor há lugar e trabalho para todos os que aí se quiserem comprometer. Paulo convida os fiéis de Tessalónica ( leitura) a pôr em prática as próprias capacidades ao serviço do bem de todos, fugindo de um modo de viver “desordenado, sem fazer nada, em contínua agitação” (v 11). O apóstolo não hesita a apresentar-se como exemplo a imitar”, enquanto “trabalhou com fadiga e esforço noite e dia para ser um peso para ninguém” (v. 8-9). Uma chamada de atenção, certamente, e também um modelo para todo o operário do Evangelho!