Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos

Primeira Missa
- 1ª leitura: «Depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne verei a Deus.» (Jó 19,1.23-27)
- Salmo: Sl 26(27) R/ O Senhor é minha luz e salvação.
- 2ª leitura: «Cristo morreu por nós quando éramos ainda pecadores.» (Romanos 5,5-11)
- Evangelho: «Esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia.» (João 6,37-40)
Segunda Missa
- 1ª leitura: «O Senhor Deus eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces.» (Isaías 25,6-9)
- Salmo: Sl 24(25) R/ Senhor meu Deus, a vós elevo a minha alma.
- 2ª leitura: «Toda a criação, até o tempo presente, está gemendo como que em dores de parto.» (Romanos 8,14-23)
- Evangelho: «Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! » (Mateus 25,31-43)
Terceira Missa
- 1ª leitura: «A vida dos justos está nas mãos de Deus.» (Sabedoria 3,1-9)
- Salmo: Sl 41(42) R/ A minha alma tem sede de Deus e deseja o Deus vivo.
- 2ª leitura: «Eis que faço novas todas as coisas. Eu sou o alfa e o ômega, o princípio e o fim.» (Apocalipse 21,1-7)
- Evangelho: «Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus.» (Mateus 5,1-12)
Comemoração dos Fiéis Defuntos
A Celebração dos fiéis defuntos é uma solenidade que tem um valor profundamente teológico, porque chama a nossa atenção para todo o mistério da existência humana, desde suas origens até o seu fim e para além também. A novidade introduzida pela nossa fé é a esperança: nós cristãos acreditamos em um Deus. que não é apenas Criador, mas também Juiz.
A morte é apenas uma porta …
Logo, Deus é também é um Juiz! O seu juízo vai para além do tempo e do espaço, em uma vida após a morte e na vida eterna, na qual o Reino de Deus se realiza plenamente. O julgamento do Senhor será duplo: além de responder individualmente às nossas ações, no final dos tempos, seremos chamados a responder-lhes também como humanidade.
Se morrermos em Cristo, porque vivemos a nossa vida em comunhão com Ele, seremos admitidos na Comunhão dos Santos.
A celebração de hoje se insere nesta perspectiva: a Igreja não esquece seus irmãos falecidos, mas reza por eles, oferece sufrágios, celebra Missas e oferece esmolas, para que também as almas, que ainda precisam de purificação, após a morte, possam alcançar a visão de Deus.
Cristo venceu a morte!
A morte é um acontecimento inevitável. Cada um de nós pode entender isso pela própria experiência pessoal. Segundo a visão cristã, porém, não é considerada um fato natural. Pelo contrário, é o oposto da vontade de Deus! Deus, o Senhor da vida, nos dá a vida em abundância e a morte é uma mera consequência do nosso pecado. Entretanto, em Cristo, Deus toma sobre si os nossos pecados e suas consequências. Desta forma, a morte se torna uma passagem, uma porta.
Graças à vitória de Cristo sobre a morte, podemos superar o medo que temos dela e a dor que sentimos quando atinge alguém que está próximo de nós.
Enfim, para o cristão, não há distinção entre vivos e mortos, porque nem os mortos são “mortos”, mas “defuntos”, ou seja, “privados das funções terrenas”, à espera de serem transformados pela Ressurreição.
História e origem desta celebração
A “pietas” humana para com os defuntos remonta aos primórdios da humanidade. Mas, como vimos, com o advento do cristianismo a perspectiva muda radicalmente.
Os primeiros cristãos, como podemos facilmente observar nas catacumbas, esculpiam a figura de Lázaro nos túmulos, como anseio de que seus entes queridos pudessem também voltar à vida, por intermédio de Cristo.
No entanto, somente no século IX começou a celebração litúrgica de um falecido, como herança do uso monacal, já em vigor no século VII, de empregar, dentro dos mosteiros, um dia inteiro de oração por um falecido.
Este costume, porém, já existia no rito bizantino, que celebrava os mortos no sábado anterior à Sexagésima, um período entre o fim de janeiro e o mês de fevereiro.
Mais tarde, no ano 809, o Bispo de Trier, Dom Amalário Fortunato de Metz, inseriu a memória litúrgica dos falecidos – que aspiram ao céu – no dia seguinte ao dedicado a Todos os Santos, que já estavam no céu.
Enfim, em 998, por ordem do abade de Cluny, Odilone de Mercoeur, a solenidade de Finados foi marcada para o dia 2 de novembro, precedida por um período de preparação de nove dias, conhecido como Novena dos Defuntos, que começava no dia 24 de outubro.
Cristo nos abriu a caminhada da ressurreição
Marcel Domergue
Uma festa!
Com frequência, a festa de Todos os Santos, no 1º de novembro, assume um ar um pouco lúgubre pelo contágio com a festa de recordação dos falecidos. Visitas ao cemitério, flores tristonhas, etc. Queria fazer o contrário: projetar sobre a lembrança dos nossos mortos a luz do “Todos os Santos”, a festa da vitória de Deus sobre as forças do mal, a festa da realização final da humanidade e festa também da solidariedade. De fato, se rezamos pelos nossos mortos, não é para que Deus lhes conceda algo que não obteriam sem a nossa intervenção: o amor de Deus por eles ultrapassa o nosso infinitamente. Buscamos é tomar consciência da nossa unidade com eles. Todas as suas falhas passadas são também nossas; as “virtudes” todas dos que declaramos santos nos pertencem. Em Deus, a humanidade é una como o próprio Deus é Um. Por fim, a prece que fazemos pelos nossos mortos deve nos mudar a nós mesmos, para que façamos nosso o amor de Deus por eles. Este amor é purificador: faz queimar tudo o que, neles como em nós, é só palha ou dejeto, para fazer resplendecer, ainda que ínfimo, o que de bom temos deixado Deus produzir em nós. Como diz Paulo (Efésios 5,13-14): “Tudo o que é condenável (julgado) é manifesto pela luz, pois é luz tudo o que é manifesto. E por isso se diz: Ó tu, que dormes, desperta e levanta-te de entre os mortos que o Cristo te iluminará.”
Uma justiça que justifica gratuitamente
Na Bíblia, o tema da “vida eterna” veicula perspectivas que à primeira vista são contraditórias. Estamos habituados, por exemplo, a pensar e dizer, apoiados em numerosos textos, que a ressurreição é universal, que uns ressuscitarão para a felicidade e, outros, para o castigo. Lemos, entretanto, em outros lugares, que todos os homens serão salvos, e vemos o Cristo pedir pelos que o crucificaram. Assim como há passagens que apresentam a ressurreição como o destino só de alguns, e não de todos. Por exemplo, em Lucas 20,35, Jesus fala d’ “os que forem julgados dignos de ter parte no outro mundo e na ressurreição dos mortos”. Em Filipenses 3,11, Paulo diz que comunga com os sofrimentos do Cristo “para ver se alcança a ressurreição de entre os mortos”. Parece que, para ser assumido na ressurreição do Cristo, é necessário passar por uma morte semelhante à dele, ou seja, fazer da morte necessária, uma morte que seja um dom livremente realizado. De minha parte, penso que as Escrituras nos falam com frequência de como as coisas deveriam acontecer se a justiça fosse exercida normalmente. Mas Deus, na verdade, está muito além do que chamamos de “justiça”. Um texto chave neste sentido: Mateus 19,24-26 (Marcos 10,23-27). No versículo 24 lemos: “É mais fácil o camelo entrar pelo buraco da agulha do que o rico entrar no Reino de Deus.” E os discípulos perguntam: “Quem poderá, então, salvar-se?” Jesus responde: “Ao homem isso é impossível, mas a Deus tudo é possível.”
O banquete de núpcias
Alguns textos, portanto, falam do que deveria acontecer se tudo se passasse normalmente. Em outros lugares, encontramos o anúncio do que virá a acontecer em razão deste Amor inconcebível pelo qual o Cristo, Deus, nos dá a vida, dando a sua vida. Podemos assim, agora, alegrar-nos com a vida nova que foi dada aos nossos mortos. Nem todos foram “santos”, mas todos foram “santificados”. Desta vida podemos ter apenas imagens simbólicas. A Bíblia nos fornece algumas: fala particularmente de um banquete de núpcias. Perpétuo! Porque fome e sede ali serão preenchidas sem cessar e, sem cessar, renascerão (João 6,35: “Quem vem a mim, nunca mais terá fome, e o que crê em mim nunca mais terá sede”. Ao contrário, o Eclesiástico 24,21, no elogio da Sabedoria que é a figura do Cristo que está por vir, diz: “Os que me comem terão ainda fome, os que me bebem terão ainda sede.”) Este banquete é um banquete de núpcias. Banquete significa a felicidade compartilhada, usufruída em comum. São anunciadas assim a perfeição da relação com a natureza (o alimento) e a perfeição da relação dos homens entre si. O banquete de núpcias fala igualmente da realização da união entre o homem e a mulher, que se busca na sexualidade. Deste modo, o que chamamos de “céu” não é o contrário do que vivemos na terra, mas é como isto mesmo que vivemos tem acesso à sua verdade e à plenitude da sua justiça. Superemos, pois, toda tristeza e tenhamos confiança, por nossos mortos e por nós, neste amor que nos faz existir: para sempre.
Nas mãos de Deus
José A. Pagola
Os homens de hoje não sabem o que fazer com a morte. Por vezes, o único que se nos ocorre é ignorá-la e não falar dela. Esquecer quanto antes esse triste acontecimento, cumprir os trâmites religiosos ou civis necessários e voltar de novo à nossa vida quotidiana.
Mas mais tarde ou mais cedo, a morte vai visitando as nossas casas, arrancando-nos os nossos seres mais queridos. Como reagir então ante essa morte que nos arrebata para sempre a nossa mãe? Que atitude adotar ante o esposo querido que nos diz o seu último adeus? Que fazer ante o vazio que vão deixando na nossa vida tantos amigos e amigas?
A morte é uma porta que é atravessada por cada pessoa solitariamente. Uma vez fechada a porta, o morto nos é oculto para sempre. Não sabemos que terá sido dele. Esse ser tão querido e próximo perde-se agora no mistério insondável de Deus. Como relacionar-nos com ele?
Os seguidores de Jesus não se limitam a assistir passivamente ao acontecimento da morte. Confiando em Cristo ressuscitado, acompanhamos com amor e com a nossa oração nesse misterioso encontro com Deus. Na liturgia cristã pelos defuntos não há desolação, rebelião ou desespero. No seu centro apenas uma oração de confiança: “Nas Tuas mãos, Pai de bondade, confiamos a vida do nosso ser querido”.
Que sentido pode ter hoje entre nós esses funerais em que se reúnem pessoas de diferente sensibilidade ante o mistério da morte? Que podemos fazer juntos: crentes, menos crentes, pouco crentes e também descrentes?
Ao longo destes anos, temos mudado muito por dentro. Fizemo-nos mais críticos, mas também mais frágeis e vulneráveis; somos mais incrédulos, mas também mais inseguros. Não nos é fácil acreditar, mas é difícil não acreditar. Vivemos cheios de dúvidas e incertezas, mas não sabemos encontrar uma esperança.
Por vezes, costumo convidar a quem assiste a um funeral para fazer algo que todos podemos fazer, cada um desde a sua pequena fé. Dizer desde dentro ao nosso ser querido umas palavras que expressem o nosso amor a ele e a nossa invocação humilde a Deus:
“Continuamos a querer-te, mas já não sabemos como encontrar-nos contigo nem que fazer por ti. A nossa fé é débil e não sabemos rezar bem. Mas confiamos-te ao amor de Deus, deixamos-te em Suas mãos. Esse amor de Deus é hoje para ti um lugar mais seguro que tudo o que nós te podemos oferecer. Desfruta da vida plena. Deus quer a ti como nós não fomos capazes de te querer. Um dia voltaremos a nos ver”.
Morrer é não ser visto
José Tolentino Mendonça
Queridos irmãs e irmãos
Nós começámos este mês de novembro, ontem, pela celebração de Todos os Santos e, hoje, pela celebração dos Fiéis Defuntos. No fundo, somos chamados a um confronto com a morte, que é um confronto que a nossa cultura evita a todo o custo. A morte tornou-se um tabu, uma ocultação. Todos nós vivemos, socialmente e culturalmente, como se a morte não existisse. A morte é retirada da cena pública. Infelizmente, até o dia 1 de novembro deixou de ser feriado entre nós. Menos possibilidade, como sociedade, nós temos de mergulhar mais fundo, no significado, não da morte, mas da vida. Porque pensar o que é a morte é pensar também o que é a vida. De facto, há uma certa infantilização da nossa cultura, no sentido de que a morte deixa de ser um fator na construção e na imaginação das nossas próprias vidas. A sabedoria bíblica dizia precisamente o contrário, dizia: “Homem pensa na tua morte. Homem pensa que vais morrer. Aprende a contar os teus dias. Sabe que todos os teus dias já estão contados. Porque só assim podes orientar o teu coração na sabedoria.” Isto é, a morte não é um ladrão que há de roubar a nossa vida. A morte, como dizia S. Francisco, “é uma irmã que está connosco desde o berço.”, que nos acompanha todo o tempo, e com a qual nós temos de criar uma relação diferente desta surpresa, desta coisa inesperada em que a morte se tornou nas sociedades modernas. É uma coisa que nenhum de nós espera. É uma condição da nossa própria vida. Por isso há aqui uma relação a trabalhar, a relação de cada um de nós com a própria ideia de morte. O que não quer dizer que a ideia de morte será, alguma vez, perfeitamente pacífica para nós.
E, até, mais difícil de encarar do que a nossa morte pessoal é a morte daqueles que amamos. Que é, porventura, o desafio mais terrível, mais inusitado, que todos nós temos de enfrentar. Já na tradição cristã, por exemplo, dois grandes padres da Igreja, Gregório de Nazianzo e Basílio, que eram muito amigos, quando morreu Basílio, no funeral, Gregório de Nazianzo fez uma homilia célebre em que dizia: “Se me viessem dizer que um corpo podia viver sem a sua alma eu acreditava. Mas se me viessem dizer que eu podia viver sem ti, isso para mim parecia-me impossível.” E é impossível. Nós não conseguimos viver sem os outros, sem aqueles que amamos, estejam neste mundo a nosso lado ou estejam do outro lado junto de Deus. Eles continuam a viver connosco, continua a haver uma comunhão dos santos, não há um dia em que não pensemos neles. A presença deles, a memória deles, é uma coisa sagrada que nos acompanha. Lá vamos buscar a força, vamos buscar o entendimento de nós mesmos, vamos buscar a palavra que eles nos disseram, sentimo-nos herdeiros deles, herdeiros da vida que eles viveram, do sonho que os habitou, do coração que neles bateu tão forte e tão ténue, somos herdeiros deles até ao fim. Embora, de facto, nos sintamos de mãos vazias para falar destas coisas, porque sentimos que temos de fazer o luto, que é no luto que tateamos os seus rostos amados, que é na ausência, que é no silêncio, nós não vemos, deixamos de ver. Fernando Pessoa dizia que “morrer é não ser visto. Morrer é passar a curva da estrada.” E, de certa forma, é isto que nos acontece, e primeiro acontece àqueles que amamos, e cada um de nós é testemunha da vida uns dos outros e do mistério desta vida que ultrapassa as nossas palavras e as nossas explicações. Mas acreditamos que há uma forma de comunhão. E essa comunhão, para nós, é uma coisa ao mesmo tempo intangível mas absolutamente presente.
Um grande filósofo marxista Ernst Bloch escreveu, em grande medida, um dos livros marcantes do século XX e que abriu o marxismo a um certo sentido de transcendência. O livro chamava-se O Princípio da Esperança e ele escreveu esse livro muito a partir do que ele próprio experimentou: a relação com a esposa, que era para ele uma relação absolutamente indivisível. Quando ela morreu, a experiência que ele fez foi: “não, ela não pode simplesmente ter desaparecido. Não pode.” Há uma persistência, que é doutro domínio, que é de outra ordem. É essa persistência que eu tenho agora de acolher e transformar numa forma de comunhão, numa forma de companhia, numa forma de presença.
S. Paulo, na Carta aos Coríntios, tem esta frase extraordinária: “ Não olhemos apenas para as coisas visíveis, olhemos para as coisas invisíveis.” Neste dia em que somos chamados a rezar, a tornar presentes, a fazer memória dos nossos queridos que já partiram, é isso que temos de fazer: olhar para as coisas invisíveis e dar-lhes o valor que elas devem ter nas nossas vidas, nas nossas histórias. Porque nem tudo cabe no nosso olhar, nem tudo cabe naquilo que ouvimos. Há tanta coisa que está para lá do que nós podemos medir. E isto não é apenas mística, isto é a ciência, é a realidade. Um cão ou um gato ouvem o dobro das coisas que nós ouvimos. Nós ouvimos metade das coisas que eles ouvem. O olhar de certos animais vê muito mais coisas do que aquelas que nós vemos. A estrutura do nosso ser, que é uma estrutura que nos dá a sensação do eterno, ela não deixa de ser limitada. Os nossos sentidos, dizendo-nos coisas tão fascinantes, não nos dizem tudo, abrem-nos ao mistério.
Queridos irmãs e irmãos abramo-nos também a esse mistério e sintamos que aquilo que S. Paulo escreveu aos Coríntios, naquele final de século primeiro, é absolutamente válido para nós. Nós sentimos, à medida que crescemos e que envelhecemos, que há uma espécie de destruição do nosso corpo, da nossa forma. Temos menos forças, menos capacidades. Mas, ao mesmo tempo, sentimos que isso não é o fim. Porquê? Como diz S. Paulo há: “o homem interior.” Que vai sendo reforçado dentro de nós. Há a mulher interior que vai nascendo. E a vida não é uma morte, a vida é um parto, a vida é um nascimento. As dores que sentimos são também as dores de parto, não são as dores do braço que não vai funcionar mais como já funcionou, não são as dores dos olhos que já não vão ver como um dia viram. Mas é a dor de um outro nascimento que tem de acontecer dentro de nós e que nós alimentamos na fé. Essa certeza de que há uma interioridade que se vai tornado cada vez mais decisiva, cada vez mais radical em nós, essa interioridade é uma semente, que há de florir, não já apenas no tempo mas também na eternidade, não apenas na história mas também junto de Deus.
É interessante nós olharmos, por exemplo, para um homem como Paulo, que é um homem que tenta explicar a Humanidade e a fé, procura as razões para a sua fé, e vermos que ele fica muito atrapalhado a falar da morte e a falar da vida eterna. Atrapalhado no sentido de que não encontra palavras e vai criando imagens diferentes, imagens novas. Porquê? Porque sente o limite das próprias imagens. Quer dizer, o que quer que a gente diga é insuficiente, fica aquém, mas no meio desta dificuldade, com a qual todos nos debatemos, há uma certeza que emerge no coração de Paulo. E é essa certeza que, mesmo ténue e frágil, emerge no coração de cada um de nós: nós estaremos com Ele para sempre, qualquer que seja a forma, e será sempre surpreendente para nós porque é a forma de Deus em nós, não é apenas uma construção nossa, é o dom de Deus.
Nós não ressuscitamos, nós somos ressuscitados, somos transformados por Deus. Mas temos de ver a vida como um processo de transformação em que estamos sempre com Ele. Esta confiança de que estamos com Ele é também a certeza da comunhão dos santos, a certeza de que estamos com todos os que estão Nele. No coração de Deus há lugar para todos e Deus é um pai de misericórdia que espera por todos. Deus não exclui ninguém, Deus espera por todos e quer salvar a todos. É esta a confiança que a fé nos dá, de que estaremos sempre com Ele, qualquer que seja a nossa forma, qualquer que seja o nosso modo, qualquer que seja o nosso tempo, é daí que nós partimos para esta confiança também no encontro uns com os outros, no reencontro com aqueles que amamos, nessa certeza de que nada se perde no coração de Deus e tudo se transforma.
É claro que as nossas lágrimas continuam a ser choradas e que a ausência daqueles que amamos continua a fazer-nos falta, continua a doer-nos, porque um pai é um pai, porque uma mãe é uma mãe, porque um esposo é um esposo, porque uma esposa é uma esposa, porque um amigo é um amigo. E continuamos, até ao fim, como testemunhas dessa ausência e isso provoca em nós uma dor que também é importante nós não mascararmos. É importante essa nudez, esse vazio, essa orfandade que também nos assinala até ao fim. Mas, nesta exposição da nossa dor, é importante a palavra de confiança que Paulo nos diz, nós não colocamos o nosso olhar apenas nas coisas visíveis, colocamos nas coisas invisíveis. Por isso, este discurso extraordinário que Jesus nos faz: “vinde a mim todos vós que andais enlutados e afadigados, porque Eu vos aliviarei. Eu serei reconforto para as vossas almas, porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve.” A transformação do nosso peso, da dor agressiva que tantas vezes nos marca, transformar isso em leveza e em suavidade é uma coisa que, para nós cristãos, só acontece na medida em que colocamos a nossa história de vida nas mãos do próprio Deus.
Pe. José Tolentino Mendonça,
Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos
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