1º de novembro
Festa de Todos os Santos
Mateus 5,1-12


Omnes sancti

Referências bíblicas

  • 1ª leitura: “Vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, que ninguém podia contar” (Apocalipse 7,2-4.9-14)
  • Salmo: Sl 23(24) – R/ É assim a geração dos que procuram o Senhor!
  • 2ª leitura: “Nós o veremos tal como Ele é” (1 João 3,1-3)
  • Evangelho: “Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” (Mateus 5,1-12)

Uma multidão imensa
Marcel Domergue

Santo: palavra difícil

Para a maior parte das pessoas, “santo” significa sem defeito. Este modo de ver negativo traz o risco de nos fazer crer que santidade seja algo incolor, inodoro e sem sabor. Como se fosse uma brancura sem sombra nem relevo. Dá-se por suposto que o santo seja alguém irrepreensível, sem pecado.

Talvez, mas não está aí o essencial. Ser santo é ser movido pelo Espírito, deixar-se animar e conduzir-se por esta presença que nos habita. Há, pois, em cada um de nós, momentos de santidade: todos os que escolheram crer em Cristo e segui-lo estão sob a moção do Espírito. Os que chamamos de “santos” devem ter vivido esta aliança de modo, senão perfeito, excepcional, ao menos.

Esta aliança consiste em fazer seu/sua o amor de Deus para com os homens e mulheres, para com todo o homem. Amor, aliás, que pode ganhar formas inesperadas: pensemos nas reprimendas de João Batista para com Herodes. Pode assumir as formas de tolerância ou de recusa.

A santidade resulta, pois, numa ética, ou seja, em determinadas maneiras de se comportar. Mas há sempre, para mais ou para menos, a relação de amor com quem nos faz ser: só podemos ser na medida em que aceitamos ser a sua imagem e semelhança. E daí resulta sermos todos chamados à santidade: é ela a medida do nosso grau de existência.

Devemos acrescentar que ela não se refere apenas a cada um em sua singularidade. Santidade é a participação no caráter divino da humanidade que, à imagem da Trindade e em união com Ela, se fazem em Um só, no Amor. A festa de Todos os Santos e Santas vai muito além da lista dos personagens ilustres, propostos à nossa imitação.

Santidade universal?

Dizemos que a Igreja é “una” e “santa”. Isto não significa que ela não possa cometer erros. Sendo um convite à unidade, ela é neste mundo a imagem do que a humanidade está chamada a se tornar. Não está fundada na obediência, em primeiro lugar, mas no amor. E se obediência há, é porque fundada no amor e não o inverso.

A vocação da Igreja é de estampar este amor aos olhos de todos. E, em virtude disto, é que ela pode ser chamada de “santa”. Notemos que o amor autêntico pode habitar as pessoas que não pertencem à Igreja. Isto se dá, conforme eu vejo, porque a Igreja ainda está na sua infância. Ela já mudou, desde o seu nascimento; e ainda mudará. Já reconheceu como suas, diversas formas de “santidade”.

Contemplemos a diversidade das ordens religiosas, as diferenças de temperamento, comportamentos e ações de todos os que ela reconheceu como “santos”… Há uma infinidade de maneiras de seguir Jesus, o Cristo “a imagem do Deus invisível”. Sem dúvida, ainda não se terminou de reconhecer e admitir outras novas e inesperadas formas de “santidade”.

A “santidade” da Igreja é inesgotável e sua última palavra será no final dos tempos. Ela será perfeita somente quando a Igreja for “católica”, ou seja, universal, o que supõe incorporar todos os valores, de todos os seres humanos e de todas as culturas. Para isso, devemos reconhecer-nos “apostólicos”, ou seja, escaparmos aos nossos particularismos e nos transportarmos para “outros lugares” e “outras maneiras”.

Santidade e santificação

Já compreendemos que a festa de Todos os Santos e Santas não é uma festa de alguns apenas, mas de todos nós. Claro que, num primeiro plano, estão os que foram “canonizados”, pois que marcaram o seu tempo e o seu meio. Mas, ao lado deles, temos uma multidão de desconhecidos, de esquecidos: esta “multidão imensa” de que nos fala a primeira leitura.

A multidão dos tempos passados, mas, também, as multidões todas do presente, marcadas igualmente pela parte de divino, de santidade, que é a presença de Deus em cada um de nós. Mas que, no mais das vezes, se encontra misturada com muitas outras coisas. É que somos seres ambíguos, habitados por desejos contraditórios. “Unifica o meu coração para temer o teu nome”, diz o Salmo 86.

Enquanto esperamos esta unificação do desejo, somos trabalhados por Deus: Ele é quem nos “santifica”. O nosso papel se limita a deixá-Lo fazer, o que nem sempre é assim tão fácil. Só seremos nós mesmos plenamente quando nos fizermos abertos para os outros, quando tivermos feito nosso este Amor, que é o outro nome de Deus.

Este é o paradoxo: só podemos nos encontrar, deixando-nos. Olhando mais de perto, é isto exatamente o que nos dizem as Bem-aventuranças, que hoje lemos no evangelho. Com, no entanto, uma adição capital: este caminho para os outros, que se revela ser o caminho para nós mesmos, é a única via possível para a felicidade.

Felicidade? Cansamos de buscá-la nas mais múltiplas direções. E Cristo nos diz que ela está aqui, muito próxima, ao alcance de nossas mãos. E ainda sublinha que, nem mesmo algo que pode fazer tão mal, como a perseguição, poderá impedi-la. A santidade não conhece a tristeza ou, antes, ela a atravessa.

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As Bem-aventuranças são a Lei
José Tolentino Mendonça

Queridos irmãs e irmãos,
Nesta Epístola de S. João é-nos dita a verdade fundamental: que cada um de nós é verdadeiramente filho de Deus e vive num processo de assimilação ao próprio Deus. Não é um processo de afastamento mas é um processo de revelação de Deus em nós. O amor de Deus, a bondade de Deus, a beleza de Deus, a verdade de Deus, a pureza de Deus está a revelar-se em nós. Como diz o autor desta epístola, ainda não se manifestou o que está destinado a manifestar-se em nós. Ou, essa manifestação vai acontecendo de uma forma gradual. Mas, cada um de nós é chamado a acreditar que é de facto filho de Deus. Não somos apenas chamados filhos, nós somos filhos de Deus.

E ser filho o que é? Ser filho é sentir-se gerado pelo amor de Deus. É sentir que a nossa vida é uma gestação desse amor de Deus. É sentir-se presença, imagem e semelhança, fragmento, lugar, glória de Deus. Por isso, nesta solenidade de Todos os santos temos de sentir valorizada a nossa vida, valorizado aquilo que somos, aquilo que estamos a viver. Porque, muitas vezes a nossa vida parece marcada pela sombra de uma maldição e ela tem de ser iluminada pela luz de uma bênção: a certeza de que somos filhos e de que somos filhos amados de Deus.

Nesta festa de Todos os Santos o que é que nós celebramos? Celebramos esta santidade que, universalmente, é um convite feito a todos, é o amor de Deus derramado universalmente em todos os corações. É este Deus sem limites, sem fronteiras, sem barreiras, sem guetos, sem igrejas que é capaz de Se revelar em todos os seres. Todos os seres são epifanias, nós somos teofânicos, a nossa vida é o lugar da manifestação do divino. E é esse divino que nos habita que é o lugar onde nós podemos colocar a confiança.

A festa de Todos os Santos é um chamamento a sermos divinos, a tornarmo-nos divinos, a acreditarmos com confiança nessa parcela de divino que está em nós e que nós temos de fazer crescer. Como diz a linguagem do autor da epístola: “Nós temos de purificar para podermos viver de Deus.” É muito belo o que o autor diz: “Nós tornar-nos-emos semelhantes a Deus quando vivermos da contemplação de Deus.” Ora, isso não é uma coisa apenas para o post mortem, é uma coisa para o aqui e agora. Nós precisamos de olhar mais para Deus, nós precisamos contemplar Deus, contemplar a Sua misericórdia, a Sua bondade, a Sua vida, a Sua eternidade, atirar para lá o nosso coração. Esse processo de assimilação nasce quando nós nos abrimos com confiança, quando nós fazemos disso a nossa oração, a nossa atitude fundamental. É colocar o nosso olhar em Deus.

Hoje, no Evangelho nós lemos o texto das bem-aventuranças. É a página das páginas do Evangelho. É muito interessante o decor, aquilo que Jesus faz antes de dizer o texto: sobe a um monte e senta-se. Isto tem um significado porque no centro do Antigo Testamento está também uma subida ao monte. Moisés subiu ao monte e, no cimo do monte, Moisés recebeu uma Lei, os Dez Mandamentos, o Decálogo que é o texto fundador da identidade do povo de Israel, do povo da antiga aliança. Jesus também sobe ao monte e senta-se, para que de uma forma solene transmita o ensinamento. Uma coisa é aquilo que se diz a andar, outra coisa é a proclamação solene que se faz sentado. S. Mateus conta-nos as Bem-aventuranças como aquela palavra solene que Jesus quer fixar como letra de uma nova Lei, como fundamento de uma nova aliança que fica inaugurada. Então, para nós as Bem-aventuranças são a Lei, são o Decálogo que Jesus nos oferece.

Olhemos para as Bem-aventuranças. As Bem-aventuranças falam de um viver em tensão, mas numa tensão positiva. Falam de um viver inacabado. Os “pobres em espírito” vivem numa tensão, porque a pobreza em espírito pede de nós uma desmontagem, uma simplificação do nosso coração complicado, da nossa cabeça estranha, das suas associações. Os pobres em espírito pedem um desarmamento do coração que está sempre disposto a tornar-se uma arma de combate. Pobre em espírito o que é? É aquele que se torna simples, que aceita ser pobre, que aceita ser pequeno. E isso é uma escolha, é uma escolha. O que é que são os humildes? São aqueles que se humilham, são aqueles que se fazem pequenos, são aqueles que aceitam o último lugar, que procuram o último lugar. São aqueles que não querem erguer a voz, que não se querem sobrepor aos outros, mas aceitam dar o primeiro lugar aos outros. E escolhem esse lugar humilde, ínfimo, como o seu lugar na vida.

Olhemos para os que choram, para os que estão inconsolados, aqueles que são sensíveis ao sofrimento do mundo. Às vezes nós perdemos a capacidade de chorar. De chorar as dores uns dos outros, de chorar as coisas autênticas, de chorar os problemas do mundo – tornamo-nos insensíveis na nossa capa que nos isola e nos protege, deixamos de chorar. Há quanto tempo não choramos pelo sofrimento dos outros? Não chorar apenas as nossas dores mas chorar os sofrimentos do mundo? “Bem-aventurados os que choram”.

Olhemos para os que têm “fome e sede de justiça”. Isto é, aqueles que querem mais, aqueles que não estão satisfeitos. Aqueles que não dizem: “Bem, para mim tenho, para mim chega, tenho que proteger isto.” Mas aqueles que no seu coração sentem o desejo de uma justiça para todos, sentem o desejo de um mundo melhor, de um mundo mais íntegro. Aqueles que têm uma ambição que não se esgota na sua felicidade, mas querem de facto um mundo iluminado, um mundo onde o amor não seja uma utopia mas seja uma realidade condividida, uma ética partilhada.

“Bem-aventurados os misericordiosos.” Nós percebemos como é tão difícil ser misericordioso. Porque a misericórdia não é apenas a justiça, a misericórdia é um excesso de amor, é um excesso de gratuidade, é um excesso de generosidade, é viver na lógica do dom, na lógica da doação. A misericórdia é ir além do que nos é pedido. A misericórdia não é apenas cumprir o nosso dever, é dar tudo quanto temos. A misericórdia é essa abertura do coração para que saia o amor, para que saia de facto o amor.

“Bem-aventurados os puros de coração.” Nós que vivemos a fazer contas, calculistas em relação ao poder, em relação à opinião que temos sobre os outros, não queremos ser apanhados em falso em coisa nenhuma. Bem-aventurados os puros de coração, aqueles que são capazes de se tornar puros. Porque, não é apenas o que nós somos quando erámos crianças. Uma criança é isto tudo, mas é isto tudo porque é criança. As Bem-aventuranças é um texto para adultos, isto é, adultos que se tornam espiritualmente como crianças. E isso é um verdadeiro renascimento, é uma verdadeira conversão que é necessária, é uma saída da nossa zona de conforto e um viver verdadeiramente como filho de Deus.

“Bem-aventurados os que promovem a paz”, aqueles que estão sempre preocupados em que se faça a paz. Na pequena escala, na grande escala mas cuidam da paz. Às vezes sabemos que uma palavra incendeia, sabemos que um comentário ou um silêncio acabam por agravar um conflito. Bem-aventurados os que promovem a paz, os que se oferecem diariamente, quotidianamente como artesãos da paz. Bem-aventurados aqueles que são capazes de sofrer por amor da justiça. Os que são capazes de pagar um preço pelas atitudes de amor, pela ética cristã que procuram viver. Bem-aventurados esses.

Ora, quando nós lemos as bem-aventuranças, que Lei nova é que Jesus nos dá? É uma lei que nos diz: não fiques instalado, não fiques cristalizado, não penses que é reforçando o teu egoísmo ou reforçando o teu individualismo que tens o gosto do Reino de Deus, que tens a compreensão, que tens a experiência do Reino de Deus. A experiência do Reino de Deus vem como? Vem se tu te tornares pobre de coração e não soberbo. A experiência do Reino de Deus vem se te tornares gentil, delicado, humilde, pequenino. A experiência do Reino de Deus vem se tu fizeres teus os sofrimentos do teu semelhante. A experiência do Reino de Deus vem se tu tiveres fome e sede de justiça, se isso não te bastar, se tu não pensares apenas no teu conforto mas olhares para a cidade com uns olhos capazes de a transformar, se tu usares de misericórdia, se tu mantiveres a pureza de coração e se estiveres disponível para pagar o custo essencial destas opções evangélicas. A estes Jesus diz: “É vosso o Reino de Deus, sereis consolados, sereis retribuídos, sereis saciados pelo próprio Deus.”

Queridos irmãos, a santidade está em nós. Nós já somos filhos de Deus, mas a santidade tem de ser o programa da nossa vida, tem de ser a tarefa número um. O que é que nós queremos ser como cristãos? Queremos ser santos, queremos ser santos.

A Lumen Gentium, o documento do Concílio do Vaticano II sobre o que é um batizado, diz assim: a santidade é a vocação universal de todos os batizados. A nossa vocação universal é a santidade. Nós fizemos da santidade uma coisa extraordinária para colocar no pedestal, para servir de exemplo, para moralizar. Está certo, mas, ao mesmo tempo, é pouco. Porque a santidade tem de ser a tarefa quotidiana tem de ser aquilo que pedimos uns aos outros, aquilo que sentimos que os outros esperam de nós. A santidade, não é apenas a justiça é a santidade.

“Sede santos como o vosso Pai no céu é santo.” Queridos irmãos, é esta identificação com Deus, com a lógica de Deus, com aquilo que Deus é, com a substância de Deus, que nos é pedido, que nos é pedido nesta festa de Todos os Santos.

Vamos celebrar a santidade de Deus em nós que se dá de uma forma única, maravilhosa. Como cada um de nós tem um modo de chorar ou um modo de rir ou um modo de caminhar ou um modo de falar. Cada um de nós tem também uma forma de ser santo. Então, vamos agradecer hoje a forma única, maravilhosa, como cada um de nós expressa a Santidade de Deus, na sua dicção, no seu jeito, no seu modo – é isso que vamos agradecer ao Senhor. Nesta Eucaristia vamos também lembrar a santidade dos nossos queridos que já estão junto de Deus, que partiram: os nossos familiares, os nossos amigos. Vamos sentir que há de facto a Comunhão dos Santos. A Comunhão dos Santos é esta união que na santidade nós temos como se vivêssemos numa roda, todos de mãos dadas, estes que estão aqui, que somos o presente, aqueles que já estão junto de Deus face a face e que nós sentimos sempre perto de nós nesta experiência tão vital, tão papável de uma comunhão que a morte não consegue destruir.

José Tolentino Mendonça
http://www.capeladorato.org

A celebração da comunhão de todos os santos do céu e da terra é memória da Igreja una e santa. Os fiéis que, reunidos em torno do altar eucarístico, participam das coisas santas e comungam Aquele que é a fonte de santidade, conhecem a comunhão com os santos que já vivem em Deus: nesta celebração, a Igreja peregrina está mais do que nunca em comunhão com a Igreja celeste, formando juntas o único e total corpo do Senhor.

Mas qual é o anúncio evangélico da santidade? Ele encontra uma síntese muito eficaz nas Bem-aventuranças, as aclamações com as quais Jesus abre o “discurso da montanha” ( Mt 5,1-7.27). Bem sabemos que as Bem-aventuranças dizem respeito à relação entre fé e felicidade: o primeiro e mais elementar sentido das Bem-aventuranças é a felicidade, a alegria de descobrir que, graças à assunção de alguns comportamentos, pode-se entrar em relação com o Senhor Jesus, ele que é o Homem das Bem-aventuranças.

Porém, facilmente nos esquecemos de que as Bem-aventuranças também são paradoxais, são “linguagem da cruz” (1Cor 1,18), capaz de confundir a sabedoria humana (cf. 1Cor 1,19-25)! De fato, quem perscruta a realidade cotidiana naturalmente se pergunta como é possível proclamar bem-aventurados, felizes aqueles que são pobres, aqueles que choram, aqueles que estão famintos de justiça a ponto de serem perseguidos…

No entanto, essas bem-aventuranças saíram da boca de Jesus em uma cultura e em uma sociedade semelhante à nossa, na qual vigorava a lei da força, na qual o que importava era a riqueza, na qual a violência estava a serviço do poder.

Portanto, é preciso reiterar com força que, ontem como hoje, as Bem-aventuranças são escandalosas; e, assim como Jesus, Aquele que as viveu em plenitude, pela sua revelação de Deus, acabou na cruz, então – repito – as Bem-aventuranças são linguagem da cruz.

Porém, não devemos cometer o erro de ler a vida de Jesus Cristo a partir da cruz. Não, o caminho a percorrer é exatamente o contrário: é preciso olhar para a cruz a partir de Jesus, que só chegou a esse fim ignominioso por causa do seu amor vivido “até o fim” (Jo 13,1), um amor capaz de transformar um instrumento de condenação à morte em um trono do qual ele reinou glorioso.

Com toda a sua vida, ele nos revelou que a bem-aventurança não vem de condições externas, mas nasce de alguns comportamentos pelos quais a felicidade é prometida por Deus, comportamentos que devem ser assumidos no coração e devem ser vividos realmente, encarnados dia após dia.

Ser pobre de espírito, antes mesmo de designar uma relação com os bens, indica a condição de quem é livre no coração a ponto de se sentir pobre e é tão pobre no coração a ponto de se sentir livre para aceitar a própria realidade, livre para aceitar as humilhações e para se submeter todos os dias aos outros.

Ser capaz de chorar significa conhecer as lágrimas que brotam não por razões psicológicas ou afetivas, mas porque o nosso coração treme meditando sobre a miséria própria e alheia.

Assumir a mansidão em profundidade significa lutar para renunciar à violência em todas as suas formas, tanto no conteúdo quanto no estilo.

Ter fome e sede de que a justiça e a verdade reinem significa desejar que as relações com os outros sejam regidas não pelos nossos sentimentos, mas pelo ser, pelo querer e pelo agir de Deus.

Ser puro de coração é ter o olhar de Deus sobre tudo e todos, participando da sua makrothymía, do seu pensar e sentir grande.

Praticar a misericórdia e fazer ações de paz significa ser capaz de esquecer o mal que os outros nos fizeram, à imagem de Deus que não se lembra dos nossos pecados (cf. Is 43,25).

Ser perseguido e caluniado por amor de Jesus significa ter uma prova de que verdadeiramente se segue o Senhor, porque nem todos falam bem de nós (cf. Lc 6,26).

Quem se encontra nessas situações, quem luta para assumir tais atitudes, ouvindo as palavras de Jesus, pode se sentir em comunhão com ele e, assim, experimentar a bem-aventurança: é uma alegria profunda, uma alegria que pode ser sentida também chorando, uma alegria que nada nem ninguém pode nos roubar (cf. Jo 16,23).

Então, realmente “não estamos sós, mas nos sentimos envolvidos por uma grande nuvem de testemunhas” (cf. Hb 12,1) que nos precederam, os santos. E a bem-aventurança é aquilo que nos une a eles: eles, porque a vivem plenamente no céu; nós, porque começamos a experimentá-la aqui na terra, na nossa vida cristã.

Cortesia de
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