28° Domingo do Tempo Comum (ciclo C)
Lucas 17,11-19


Gratidão, o agradecimento é a memória do coração

Referências bíblicas

  • 1ª leitura: Naamã voltou ao homem de Deus e declarou: Não há outro Deus senão o de Israel! (2Rs 5,14-17)
  • Salmo: Sl. 97(98) – R/ O Senhor fez conhecer a salvação e às nações revelou sua justiça.
  • 2ª leitura: “Se com ele ficamos firmes, com ele reinaremos” (2 Timóteo 2,8-13)
  • Evangelho: ”Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro!” (Lucas 17,11-19)

Chamados à conversão
Marcel Domergue

A “doença” da relação

Na Bíblia, todas as doenças têm um significado espiritual: o físico sinaliza as atitudes e as carências mais profundas das pessoas. A surdez, por exemplo, é sinal de inaptidão em acolher a Palavra de Deus e também a dos outros. A lepra é imagem da inaptidão em se fazer um só com Deus (impureza), é sinal de uma «doença» da relação: o leproso devia manter-se afastado das comunidades humanas, manter-se à distância, fora das aglomerações. Quem entrasse em contato com algum deles tornar-se-ia legalmente impuro. Daí a pergunta: como os dez leprosos puderam vir ao encontro de Jesus, se estavam excluídos e marginalizados? Podemos notar que já temos aí um avanço ao interdito. Proibição que, aliás, sequer era definitiva: conforme a Lei, os sacerdotes, e somente eles, podiam constatar a cura da lepra e autorizar a volta da pessoa curada ao seio da comunidade (Levítico 13 e 14). Por isso Jesus pede que os dez leprosos, número significativo da multidão, fossem se apresentar aos sacerdotes. O paradoxo é que foi antes mesmo de terem sido curados. Mas os dez homens, obedecendo a uma ordem totalmente irracional, manifestam já serem habitados por um germe de fé. Fé que deveria crescer até chegar ao tamanho adulto, o que só se verificaria para um deles. De fato, se não conduz a uma adesão mais sólida, ao amor, a fé acaba sempre ficando pelo caminho. É só fisicamente que a lepra estará curada, se a relação que ela interdita não for restaurada.

A cura e a salvação

Os dez leprosos tinham ouvido dizer que Jesus curava os doentes. Vieram então ao seu encontro, a fim de recuperar a saúde. Tudo bem, mas saúde tem muitos níveis: há quem goze de boa saúde e há quem tenha a saúde recuperada. Os nove leprosos que não retornaram para Jesus obtiveram a saúde que desejavam; não necessitavam mais dele, portanto. Para eles, no fundo, a saúde se tornara um ídolo; era o quanto bastava para a sua felicidade. Os sacerdotes consultados, com certeza, lhes reabriram as portas da comunidade; o relato de Lucas não condena os nove homens. Permaneceram, no entanto, sob o regime de conformidade à Lei. Já o décimo, que se esqueceu de ir aos sacerdotes e retornou para o Cristo, este sim mudou de universo. Foi o único que se encontrou realmente com Jesus, foi o único a estabelecer com ele uma relação verdadeira. A fim de dar glória a Deus (versículo 15), veio agradecer a Jesus, como se compreendesse a unidade do Pai e do Filho (versículo 16). Para ele, a cura deixou de ser o fim último e veio a se tornar o meio de encontrar Deus. É o novo nascimento! Por isso não só ficou curado, tal como os outros nove (versículo 14), mas foi «salvo» (versículo 19). As palavras empregadas, «levanta-te e vai», pertencem ao vocabulário da ressurreição. Estamos, pois, bem além de uma simples cura. O que salva este homem, diz Jesus, é a sua fé. Ter fé em alguém é a raiz de toda verdadeira relação, porque a fé abre o caminho para o amor.

O Cristo leproso

O décimo leproso é um samaritano. Marginalizado, portanto, não apenas por sua doença, mas também por seu pertencimento a este reino do Norte, que se constituíra rompendo com a tribo de Judá, da qual nasceu o Cristo. Que, por sua vez, não hesita em qualificá-lo de estrangeiro (versículo 18). Pois próxima está a hora em que não haverá mais nem Judeu nem Samaritano, nem judeu nem pagão: a hora em que o Cristo será tudo em todos. Com certeza, nos evangelhos temos relatos de cura em que alusões pascais são mais evidentes (como na história do leproso de Marcos 1,40-45, por exemplo). Não podemos esquecer, no entanto, que, desde o capítulo 9 (versículo 51) de Lucas, estamos a caminho de Jerusalém, onde Jesus será crucificado. E os textos todos que lemos a partir daí estão como que banhados nesta ambiência. Por isso é que Lucas, de tempos em tempos – aqui, por exemplo -, lembra que estamos a caminho de Jerusalém. Aí Jesus conhecerá o destino dos malfeitores. Paulo dirá que ele se fez pecado. Em Isaías 53, o servo de Deus, o que carrega o mal do mundo, é descrito sob os traços de um leproso, de um «ferido por Deus». Claro, o Novo Testamento faz inúmeras alusões a este texto. Digamos que se os leprosos de nossa leitura puderam ser curados, foi porque o Cristo tomou sobre si próprio a decadência que era deles. Por isso, na sequência do leproso que foi salvo, vamos também nós «dar graças», o que chamamos de «Eucaristia»

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«A tua fé te salvou» (Lc 17, 19). É o ponto de chegada do Evangelho de hoje, que nos mostra o caminho da fé. Neste percurso de fé, vemos três etapas, vincadas pelos leprosos curados, que invocam, caminham e agradecem.

Primeiro, invocar. Os leprosos encontravam-se numa condição terrível não só pela doença em si, ainda hoje difusa e devendo ser combatida com todos os esforços possíveis, mas pela exclusão social. No tempo de Jesus, eram considerados impuros e, como tais, deviam estar isolados, separados (cf. Lv 13, 46). De facto, quando vão ter com Jesus, vemos que «se mantêm à distância» (Lc 17, 12). Embora a sua condição os coloque de lado, todavia diz o Evangelho que invocam Jesus «gritando» (17, 13) em voz alta. Não se deixam paralisar pelas exclusões dos homens e gritam a Deus, que não exclui ninguém. Assim se reduzem as distâncias, e a pessoa sai da solidão: não se fechando em auto lamentações, nem olhando aos juízos dos outros, mas invocando o Senhor, porque o Senhor ouve o grito de quem está abandonado.

Também nós – todos nós – necessitamos de cura, como aqueles leprosos. Precisamos de ser curados da pouca confiança em nós mesmos, na vida, no futuro; curados de muitos medos; dos vícios de que somos escravos; de tantos fechamentos, dependências e apegos: ao jogo, ao dinheiro, à televisão, ao telemóvel, à opinião dos outros. O Senhor liberta e cura o coração, se O invocarmos, se lhe dissermos: «Senhor, eu creio que me podeis curar; curai-me dos meus fechamentos, livrai-me do mal e do medo, Jesus». No Evangelho de Lucas, os primeiros a invocar o nome de Jesus são os leprosos. Depois fá-lo-ão também um cego e um dos ladrões na cruz: pessoas carentes invocam o nome de Jesus, que significa Deus salva. De modo direto e espontâneo chamam Deus pelo seu nome. Chamar pelo nome é sinal de confidência, e o Senhor gosta disso. A fé cresce assim, com a invocação confiante, levando a Jesus aquilo que somos, com franqueza, sem esconder as nossas misérias. Invoquemos diariamente, com confiança, o nome de Jesus: Deus salva. Repitamo-lo: é oração. Dizer «Jesus» é rezar. A oração é a porta da fé, a oração é o remédio do coração.

A segunda palavra é caminhar. É a segunda etapa. Neste breve Evangelho de hoje, aparece uma dezena de verbos de movimento. Mas o mais impressionante é sobretudo o facto de os leprosos serem curados, não quando estão diante de Jesus, mas depois enquanto caminham, como diz o Evangelho: «Enquanto iam a caminho, ficaram purificados» (17, 14). São curados enquanto vão para Jerusalém, isto é, palmilhando uma estrada a subir. É no caminho da vida que a pessoa é purificada, um caminho frequentemente a subir, porque leva para o alto. A fé requer um caminho, uma saída; faz milagres, se sairmos das nossas cómodas certezas, se deixarmos os nossos portos serenos, os nossos ninhos confortáveis. A fé aumenta com o dom, e cresce com o risco. A fé atua, quando avançamos equipados com a confiança em Deus. A fé abre caminho através de passos humildes e concretos, como humildes e concretos foram o caminho dos leprosos e o banho de Naaman no rio Jordão (cf. 2 Re 5, 14-17). O mesmo se passa connosco: avançamos na fé com o amor humilde e concreto, com a paciência diária, invocando Jesus e prosseguindo para diante.

Outro aspeto interessante no caminho dos leprosos é que se movem juntos. Refere o Evangelho, sempre no plural, que «iam a caminho» e «ficaram purificados» (Lc 17, 14): a fé é também caminhar juntos, jamais sozinhos. Mas, uma vez curados, nove continuam pela sua estrada e apenas um regressa para agradecer. E Jesus desabafa a sua mágoa assim: «Onde estão os outros?» (17, 17). Quase parece perguntar pelos outros nove, ao único que voltou. É verdade! Constitui tarefa nossa – de nós que estamos aqui a «fazer Eucaristia», isto é, a agradecer –, constitui nossa tarefa ocuparmo-nos de quem deixou de caminhar, de quem se extraviou: todos nós somos guardiões dos irmãos distantes. Somos intercessores por eles, somos responsáveis por eles, isto é, chamados a responder por eles, a tê-los a peito. Queres crescer na fé? Tu que estás aqui hoje, queres crescer na fé? Ocupa-te dum irmão distante, duma irmã distante.

Invocar, caminhar e… agradecer: esta é a última etapa. Só àquele que agradece é que Jesus diz: «A tua fé te salvou» (17, 19). Não se encontra apenas curado; também está salvo. Isto diz-nos que o ponto de chegada não é a saúde, não é o estar bem, mas o encontro com Jesus. A salvação não é beber um copo de água para estar em forma; mas é ir à fonte, que é Jesus. Só Ele livra do mal e cura o coração; só o encontro com Ele é que salva, torna plena e bela a vida. Quando se encontra Jesus, brota espontaneamente o «obrigado», porque se descobre a coisa mais importante da vida: não o receber uma graça nem o resolver um problema, mas abraçar o Senhor da vida. E isto é a coisa mais importante da vida: abraçar o Senhor da vida.

É encantador ver como aquele homem curado, que era um samaritano, manifesta a alegria com todo o seu ser: louva a Deus em voz alta, prostra-se, agradece (cf. 17, 15-16). O ponto culminante do caminho de fé é viver dando graças. Podemos perguntar-nos: Nós, que temos fé, vivemos os dias como um peso a suportar ou como um louvor a oferecer? Ficamos centrados em nós mesmos à espera de pedir a próxima graça, ou encontramos a nossa alegria em dar graças? Quando agradecemos, o Pai deixa-Se comover e derrama sobre nós o Espírito Santo. Agradecer não é questão de cortesia, de etiqueta, mas questão de fé. Um coração que agradece, permanece jovem. Dizer «obrigado, Senhor», ao acordar, durante o dia, antes de deitar, é antídoto ao envelhecimento do coração, porque o coração envelhece e cria maus hábitos. E o mesmo se diga em família, entre os esposos: lembrem-se de dizer obrigado. Obrigado é a palavra mais simples e benfazeja.

13/10/2019

A tradição judaica transmite este ensinamento: “Aquele que desfruta de um bem qualquer neste mundo sem dizer antes uma oração de gratidão ou uma benção, comete uma injustiça”.

A ação de graças está no coração mesmo da liturgia e da oração cristãs. A sorte e a felicidade do cristão consistem em poder dar graças a Alguém. O maior drama vivido por um ateu é não ter a Quem agradecer.

A pessoa compreende que “tudo é dom e graça de Deus” e esquecer de agradecer é passar ao lado daquilo que constitui a beleza da vida. Agradecer é muito mais que dar graças. Implica reconhecimento e correspondência. “Ali onde não há gratidão, o dom fica perdido” (Bruno Forte).

Lucas situa o relato de hoje no caminho de subida a Jerusalém, no limite entre Galileia e Samaria, lugar chave de disputas religiosas. Os leprosos que saem ao encontro de Jesus e gritam de longe pedindo-lhe que os cure, são dez. Significativamente, a lepra não distingue entre judeus e gentios, galileus e samaritanos. Todos são irmãos na miséria.

No relato podemos identificar os mesmos componentes presentes em outras narrações semelhantes de curas: apresentação da situação de enfermidade (“dez leprosos vieram ao seu encontro”), petição de cura (“Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!”), intervenção de Jesus (“Ide apresentar aos sacerdotes”), cura (“enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados”) e reação diante do milagre.

É este último elemento que está mais desenvolvido na cena, e nele enfatiza-se o contraste da atitude de um dos leprosos (um samaritano que volta para agradecer a Jesus) com a dos outros nove. Na realidade, os outros nove leprosos curados não fazem senão cumprir as instruções de Jesus: ir e apresentar-se aos sacerdotes. Mas só um tem a suficiente finura espiritual para reconhecer profundamente o dom recebido e, deixando de lado as prescrições legais, dá primazia à expressão de agradecimento.

A gratidão parece apresentar-se aqui como um plus, como algo que deveria brotar com naturalidade nas relações humanas e na vida de fé, e não como uma atitude estatisticamente minoritária (um entre dez).

O samaritano sente que para ele começa uma vida nova; de agora em diante, tudo será diferente: poderá viver de maneira mais digna e ditosa. Sabe a quem ele deve isso. Precisa encontrar-se com Jesus.

Esta é a fé do samaritano que confia em Jesus, que crê no agradecimento mais que nas leis do sistema religioso. O agradecimento como atitude vital parece requerer, pois, uma especial sensibilidade espiritual, precisamente essa que encontramos nos santos e santas.

Caberia perguntar-nos quais são as razões que nos dificultam esta vivência da gratidão, quando esta deveria brotar de modo espontâneo e natural frente a tanto bem recebido.

No início de uma carta de Santo Inácio a um de seus primeiros companheiros, Simão Rodrigues, lemos isto: “À luz da divina bondade me parece que, embora outros possam pensar de modo diferente, a ingratidão é o mais abominável dos pecados aos olhos de nosso Criador e Senhor, e de todas as criaturas capazes de aproveitar-se em sua divina e eterna glória. Já que é esquecimento das graças, bens e bençãos recebidas; e além disso aqui se encontra a causa e começo de todos os pecados e desgraças. Pelo contrário, a gratidão que reconhece as bênçãos e bens recebidos é estimada e amada não só na terra senão também no céu” (18 de março – 1542).

Na vivência cristã, a gratidão nasce com naturalidade e espontaneidade nos corações humildes, nas pessoas conscientes de que aquilo que recebem não é por mérito ou retribuição. Tudo é gratuidade.

Elas adquirem a fina percepção de que tudo é Graça, tudo é “de graça”, são “agraciadas”, “cheias de graça”… Precisamente porque perceberam suas vidas como um presente, voltam-se para Deus, entregando-lhe “tudo o que têm e possuem”.

Marcada pela gratidão, a pessoa deseja sempre corresponder o melhor, rejeitando todo tipo de mediocridade na entrega e no serviço.

O agradecimento é uma atitude fundante e fecunda que possibilita viver o cotidiano com outro “sabor”, com outro “ar”. Do agradecimento brota um estado interior de consolação, de disponibilidade, de agilidade em dar resposta às demandas da vida, de uma sensibilidade mais viva para perceber tudo aquilo que a vida cotidiana tem de dom e sem ansiedade por não receber compensações ou recompensas.

O agradecimento é a experiência humana que mais ativa a generosidade como atitude vital de nossa existência de criaturas amadas e presenteadas por Deus.

O agradecimento como atitude básica na vida é a tomada de consciência daquilo que estamos recebendo, a acolhida dos bens que nos são dados e das pessoas que nos vêm ao encontro; é viver não tanto dependente daquilo que cremos que merecemos e não nos dão, quanto daquilo que, sem haver merecido, nem esperado, nem pedido, recebemos e continuamos recebendo no dia a dia.

Esse “agradecer” de fundo, esse viver “agradecidamente” não nos é favorecido pela cultura consumista que nos incita a estar sempre mais dependentes daquilo que não temos que daquilo que nos é dado com abundância; uma cultura que fomenta e aviva uma eterna insatisfação, matando a capacidade de “recordar tantos benefícios recebidos pela criação, redenção e dons particulares” (S. Inácio).

O que é que se encontra “de graça”? Onde? Quem pratica essa aventura da “mão aberta”, da largueza de coração? Há aqueles que não conhecem a palavra “gratuito” e, por isso, são petrificados frente à gratidão. São surdos e mudos para o “muito obrigado”.

A gratidão é alegria, a gratidão é amor. É por isso que ela se aproxima da caridade, que seria como uma gratidão sem causa, uma gratidão incondicional. Que virtude mais leve, mais luminosa, mais humilde, mais feliz!!! Gratidão = desfrutar a eternidade no cotidiano da vida.

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Ir para além das boas maneiras! A mensagem do Evangelho de hoje vai para além de uma lição de boa educação para aprender a dizer obrigado a quem nos faz um favor ou um gesto de cortesia. De importância bem maior é a mensagem bem articulada que Lucas quer transmitir com a narração do milagre de Jesus que cura dez leprosos, embora apenas um – samaritano, estrangeiro! – volte para prestar louvor a Deus e dizer obrigado a Jesus (v.18).

O milagre de Jesus é a favor das pessoas mais excluídas da sociedade civil e religiosa. A legislação do tempo era muito rígida e minuciosa face aos leprosos (Lv 13-14), considerados impuros, amaldiçoados, castigados por Deus com o pior dos flagelos. Eram obrigados a viver separados da família, fora das povoações, e a gritar aos transeuntes para se manterem afastados deles. Jesus, com o seu milagre, subverte aquela mentalidade marginalizadora: nos tempos novos a salvação de Deus é oferecida a todos, sem qualquer exclusão de pessoas. Os leprosos não são amaldiçoados. Pelo contrário, a sua cura torna-se sinal da presença do Reino: o facto de que «os leprosos são curados» (Mt 11,5; Lc 7,22) é um sinal claro de que o Messias está presente e actuante, como Jesus assinala aos enviados do amigo João Baptista na prisão. Desde o início da sua vida pública, Jesus sente compaixão, estende a mão, toca um leproso e cura-o (Mc 1,40-42). O projecto de Deus nunca exclui, mas é inclusão, comunhão, agregação, partilha. Esta abertura manifesta-se também na cura de um leproso estrangeiro, Naamã (I leitura), comandante do exército do rei de Aram (Síria).

Dos dez leprosos, nove eram judeus e um era estrangeiro. São todos igualmente curados por Jesus, mas nem todos obtêm a salvação plena. «O episódio em análise diz-nos que nem sempre a cura física se torna salvação definitiva… Os nove judeus continuam o seu caminho em direcção ao templo para se reintegrar na vida civil e religiosa de Israel… O único samaritano do grupo comporta-se diversamente. Ele volta atrás sozinho para agradecer ao mestre, porque compreende que em Jesus pode encontrar algo novo e diferente daquilo que lhe oferece a sua antiga comunidade de pertença… Jesus oferece-lhe uma salvação maior do que a simples saúde física: “Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou!” (v. 19)… O samaritano não se apressou em direcção ao tempo (como os outros nove), mas foi ter novamente com Jesus “para dar graças a Deus” (v. 18), mostrando, desse modo, ter compreendido que o Deus que salva não se encontra e não se venera já no tempo, mas unindo-se a Cristo» (Corrado Ginami).

Unir-se a Cristo, seguir a vida nova por Ele inaugurada, é a calorosa exortação de Paulo ao discípulo Timóteo (II leitura): «Recorda-te de Jesus Cristo, ressuscitado dos mortos» (v. 8). Paulo é-Lhe fiel, mesmo se lhe toca sofrer, preso a algemas, e anuncia-O com confiança, na certeza de que «a Palavra de Deus não está encadeada» (v. 9). É possível confiar n’Ele até ao ponto de dar a vida, porque «Ele permanece fiel» (v. 11-13). A um tal nível de maturidade chegou também São Daniel Comboni, que a liturgia recorda nestes dias. Aos futuros missionários ele apontava com insistência o ideal de Cristo crucificado-ressuscitado, exortando-os a «ter sempre os olhos postos em Jesus Cristo, amando-o ternamente, e procurando entender sempre melhor o que significa um Deus morto na cruz para a salvação das almas. Se com fé viva contemplarem e saborearem um mistério de tão grande amor, serão felizes de se oferecer para perder tudo, e morrer por Ele, e com Ele… expondo-se até mesmo ao martírio» (Regras de 1871).

Jesus procurou os impuros, heréticos, excluídos, marginalizados: veio para «reunir os filhos que andavam dispersos» (Jo 11,52). Seguindo o seu exemplo, os missionários são chamados a ser, como Paulo e Comboni, pessoas de comunhão com todos; a ser homens e mulheres que repudiam qualquer motivação e prática marginalizadoras; a ser pessoas que escolhem a via da comunhão, solidariedade, inclusão; gente que actua no seio da comunidade para aliviar o sofrimento dos que de facto estão impedidos ou excluídos em qualquer âmbito da vida cristã e civil, na base de restrições e cânones de onde quer que venham. Trabalhar pela mais plena comunhão de todos e com todos é missão sobre os passos de Jesus!