19° Domingo do Tempo Comum (ciclo C)
Lucas 12,32-48


Não tenha medo pequeno rebanho!

Jesus falou aos seus discípulos:
– “Não tenha medo, pequeno rebanho, porque o Pai de vocês tem prazer em dar-lhes o Reino. Vendam os seus bens e dêem o dinheiro em esmola. Façam bolsas que não envelhecem, um tesouro que não perde o seu valor no céu: lá o ladrão não chega, nem a traça rói. De fato, onde está o seu tesouro, aí estará também o seu coração”.
– “Estejam com os rins cingidos e com as lâmpadas acesas. Sejam como homens que estão esperando o seu senhor voltar da festa de casamento: tão logo ele chega e bate, eles imediatamente vão abrir a porta.”
“Felizes dos empregados que o Senhor encontra acordados quando chega. Eu garanto a vocês: ele mesmo se cingirá, os fará sentar à mesa, e, passando, os servirá. E caso ele chegue à meia-noite ou às três da madrugada, felizes serão se assim os encontra! Mas, fiquem certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não deixaria que lhe arrombasse a casa. Vocês também estejam preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que vocês menos esperarem.”
Então Pedro disse a Jesus:
– “Senhor, estás contando essa parábola só para nós, ou para todos?”.
E o Senhor respondeu:
– “Quem é o administrador fiel e prudente, que o senhor coloca à frente do pessoal de sua casa, para dar a comida a todos na hora certa? Feliz o empregado que o senhor, ao chegar, encontra fazendo isso! Em verdade, eu digo a vocês: o senhor lhe confiará a administração de todos os seus bens.  Mas, se esse empregado pensar: “Meu patrão está demorando’, e se puser a surrar os criados e criadas, a comer, beber, e embriagar-se, o Senhor desse empregado chegará num dia inesperado e numa hora imprevista. O Senhor o expulsará de casa, e o fará tomar parte do destino dos infiéis. Todavia aquele empregado que, mesmo conhecendo a vontade do seu senhor, não ficou preparado, nem agiu conforme a vontade dele, será chicoteado muitas vezes.  Mas, o empregado que não sabia, e fez coisas que merecem castigo, será chicoteado poucas vezes. A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido”.

Ficai preparados!
Marcel Domergue

No domingo passado, fomos convidados a nos libertar da vontade ilusória de fundar nossas vidas nos «bens» que acumulamos. Hoje, as leituras nos apresentam dois temas que, finalmente, acabam por se encontrar: o da nossa condição de nômades, na segunda leitura, e o da espera vigilante, no evangelho. É que, na verdade, as imagens que usamos para nos aproximarmos do mistério da nossa existência são todas insuficientes, exigindo para isso serem tomadas em conjunto.

Jesus, nos evangelhos, não tem onde repousar a cabeça. Está sempre na estrada, a caminho, e as suas paradas duram muito pouco. Revive quanto a isto, levando até ao seu termo, tudo o que viveram os seus ancestrais. Em parte alguma, vamos encontrar Abraão, Isaac e Jacó em suas casas. E quando os Hebreus se instalaram na Terra prometida, não seria por muito tempo: seguiu-se a divisão das tribos nos dois reinos, a deportação para a Babilônia, a dominação dos Persas, dos Gregos e, finalmente, dos Romanos.

Desta forma, o povo eleito revela o que caracteriza a nossa condição humana: estamos todos de passagem. Por isso não devemos considerar as nossas moradas como definitivas e nem nos sobrecarregarmos com bagagens excessivas. O Cristo itinerante, através de sua Páscoa, nos dita a palavra final do que 

 temos de atravessar, a última «passagem» para o paraíso perdido, e agora encontrado. A nossa fé gera assim a esperança; a espera do que vem e para o qual estamos indo.

A espera

O evangelho, a uma primeira vista, não segue o sentido acima indicado. De fato, temos aí servidores – ou empregados – que ficam em casa, enquanto o seu empregador partiu para as núpcias. Também nós, agora, somos sedentários, assim como este «pessoal de casa». O que se quer destacar aí é a qualidade da espera. Hoje estamos aqui, habitando um universo em que Deus não é perceptível aos nossos sentidos. Os servidores da parábola sabem que o senhor voltará. Mas quando? E nós aqui sozinhos, ao menos na aparência!

Cristo despareceu «nos céus». Não está mais aqui conosco, exceto através do povo crente, o seu «corpo». Deus, com efeito, por seu Espírito, nos visita desde então, mas só podemos acolhê-lo pela fé, por nossa atitude de abertura, de espera, assinalando não nos sentirmos preenchidos pelo que a vida nos dá neste momento. Eis nos aqui desinstalados do nosso presente e voltados para o que vem, e isto nos faz encontrar a nossa condição de «nômades».

Não podemos nos deixar instalar na clausura da ausência, para simplesmente «comermos, bebermos e embriagarmo-nos», ou seja, em resumo, vegetarmos. O evangelho insiste na imprevisibilidade do retorno de Deus. Devemos por isso abrirmo-nos a Ele desde agora. «Agora e na hora da nossa morte». Podemos de fato agora passar-nos para Deus e viver por antecipação o nosso último encontro.

Deus servidor

Como esperar por Deus? Fazendo o nosso trabalho; distribuindo aos outros «a sua ração de trigo». Desde Gênesis 1, a gestão deste mundo nos foi confiada. Trata-se de construir um mundo conforme o

amor e a justiça; um mundo à imagem de Deus. Somos todos administradores, fiéis ou infiéis. Na parábola, o patrão, ao voltar, põe o gerente desonesto «entre os infiéis». Mas, de fato, este homem mesmo foi que se pôs ali: o julgamento não é mais do que uma constatação. Sabemos, por outro lado, que até ele próprio será «resgatado».

Deus, em Cristo e por Cristo, irá tomar lugar entre os infiéis, sendo crucificado entre dois malfeitores. Esta parábola nos apresenta uma imagem inverossímil, a respeito da qual não há porque passar depressa demais: a do mestre que se veste com roupa de trabalho para servir à mesa os seus servidores. Pensemos no Lava-pés, de João 13.

Por fim, o alimento que Deus nos serve é Ele mesmo. Deus a nosso serviço! Aí está o que muda totalmente a imagem que fazemos de Deus. Estamos assim engajados numa espécie de competição em assunto de serviço: só podemos existir sendo imagem e semelhança de Deus, assumindo, portanto, da nossa parte, a função de servidores.

Quando nos lembramos até que ponto o Cristo chegou, corremos o risco de achar isto terrível e de nos desencorajarmos. Aí a fé deve se revelar: Deus haverá de pôr-se ao nosso serviço, inspirando-nos no que devemos fazer, na coragem necessária para cumpri-lo, na alegria e no reconhecimento que nascem do acesso à nossa verdade.

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Continua o caminho de Jesus e dos discípulos rumo a Jerusalém, onde ocorrerá o seu êxodo (cf. Lc 9,31), a sua morte. Jesus sabe o que o aguarda, porque a hostilidade da hierarquia religiosa judaica já se tornou obsessiva, enquanto a simpatia das pessoas vai diminuindo cada dia mais, porque não parece se realizar aquele Messias que eles pretendiam encontrar em Jesus. Ele parece cada vez mais decepcionante para a multidão, e o perfil do fracasso de uma missão e de uma vida se torna cada vez mais evidente.

É nesse contexto que Jesus pronuncia algumas palavras que, depois de dois milênios, são escutadas pelos fiéis com comoção profunda e convicção perseverante: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino”. Jesus olha para a pequena realidade da sua comunidade, um “barraco” mais do que uma construção, cerca de 20 homens e algumas mulheres que o seguem, muitas vezes perplexos e ansiosos, e se dirige a eles com uma linguagem afetiva e fraterna: “Não tenha medo, pequena realidade, que parece inadequada para realizar uma missão que diz respeito a todo o Israel, a toda a humanidade. Não tenha medo, minoria fraca e visivelmente frágil, sem apoios no mundo. Não tenha medo, realidade pouco visível, inerme, sem influência e impotente no mundo. Não tenha medo, comunidade que merece reprimendas e precisa continuamente de repreensões, de correções”.

Por quê? Porque, mesmo assim, o Pai, Deus, no seu amor, quer dar a essa comunidade o Reino, fazê-la participar daquela vida que é a dele, a vida salva, sensata, na sua mão, da qual ninguém jamais poderá arrancá-la.

A imagem do pequenino rebanho é distante de nós e provavelmente também pouco eloquente, mas o que é decisivo nela é o caráter da pequenez. Jesus vê atrás de si uma pequena realidade, enquanto é grande a realidade religiosa dos judeus, é grandíssima a realidade do mundo em que essa pequena comunidade apareceu e cresceu pouco. Porém, que ela não tema, não se deixe atacar pela ansiedade e pelo medo, porque, naquela situação tão precária, o decisivo é acolher a promessa de Jesus de participar do Reino de Deus.

É claro, para acolher tais palavras de Jesus e, consequentemente, não temer, mas sim se alegrar, é preciso ser realmente o pequeno rebanho que o segue, envolvido na sua história até o fracasso e a morte. Não basta se dizer cristão, mas, para sê-lo verdadeiramente, é preciso ser “pobres”, pecadores que desejam conversão, homens e mulheres que não confiam em si mesmos, mas sabem pôr a fé e a esperança em Jesus e no seu Reino vindouro. Não tomemos como certo que essas palavras têm a nós como destinatários, porque nos dizemos cristãos! Assim como se dizer filhos de Abraão podia ser um engano (cf. Lc 3,8; Mt 3,9), assim também se dizer discípulos de Jesus pode coincidir simplesmente com a vaidade de uma pertença, com o fato de se dar uma identidade que cubra o vazio pessoal.

Compreendemos, então, a afirmação seguinte de Jesus: “Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei bolsas que não se estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão não chega nem a traça corrói. Porque onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”. Para ter essa alegria do dom do Reino, é preciso pouco, pouquíssimo: separar-se dos bens, compartilhando-os!

Eu confesso que essa palavra me impressiona, única condição posta para ser um pequeno rebanho: despojar-se e compartilhar. Despojar-se daquilo que se tem – bens, dinheiro, terra – não por desprezo, não em nome de um cinismo filosófico, mas simplesmente para compartilhar com aqueles que não têm e não possuem.

Cada um tem riquezas: dinheiros, posses, mas também força, tempo disponível, dons pessoais. Basta compartilhar isso com os outros, que são todos irmãos e irmãs. Só assim é que um discípulo, uma discípula, torna-se realmente tal, deixa de ter dois senhores (cf. Lc 16,13; Mt 6,24), deixa de se colocar no centro da vida e não é mais tentado a ser alienado pelo ter, pela posse, não é mais tentado a pôr a confiança e a esperança nas riquezas.

Sim, repito, é tão simples, mas requer uma conversão que nunca ocorreu de uma vez por todas, mas que deve ser renovada dia após dia no seguimento de Jesus, porque os bens, o dinheiro, quase sempre nos acompanham e crescem. Penso muitas vezes na nossa vida de monges: chegamos ao mosteiro respondendo à vocação e não temos nada, somos realmente pobres, porque, se tínhamos bens ou dinheiro, nós os deixamos; mas, depois, pouco a pouco, participamos dos bens e do dinheiro sem os quais uma comunidade não pode viver e, infelizmente, deixamo-los crescer e acabamos justificando o acúmulo, até confiar neles. Então – é preciso dizer – não somos mais o pequenino rebanho de Jesus!

Por isso, Jesus pede uma grande vigilância e uma profunda inteligência na vida cristã. Pede para permanecer na atitude e na postura dos servos, que, para servir, cingiam-se com a veste; pede para manter as lâmpadas acesas, para permanecer à espera da vinda do Senhor, para escutar aquele que bate na porta e poder lhe abrir quando chegar. Servos à espera do Senhor que vem: eis quem são os cristãos, para os quais ressoa a bem-aventurança: “Felizes os empregados que o senhor encontrar acordados quando chegar”, isto é, bem-aventurado aquele que, tendo o Senhor como tesouro, estará à espera de encontrá-lo e o encontrará na sua vinda, a qualquer hora que chegue, mesmo que tenha que tardar.

Jesus acrescenta um brevíssimo ditado, performativo para os discípulos, seguido de uma exortação: “Se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar não deixaria que arrombasse a sua casa. Vós também ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes”. Vigiar, não dormir, não ser vítima do sonambulismo e da confusão espiritual, manter os olhos abertos não é fácil: o cansaço do dia, o trabalho, os muitos serviços feitos, a duração da vida cristã, a monotonia do cotidiano são todos atentados à vigilância, que também significa consciência e responsabilidade. “O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mc 14,38; Mt 26,41), diz Jesus em outro lugar a três discípulos que não conseguem vigiar com ele na noite da paixão.

E, se é verdade que todos os discípulos, os servos, devem vigiar, há alguém que é mais responsável por essa atenção do que os outros. No pequenino rebanho, todos são irmãos e irmãs, todos receberam a tarefa de vigiar, mas nem todos têm a mesma responsabilidade. É por isso que, solicitado por Pedro, Jesus diz claramente que, na comunidade, há uma distinção entre os simples discípulos e os responsáveis, que não devem se separar, mas, ao contrário, realizar mais a fraternidade e a igualdade dos filhos de Deus.

Há alguém que, na comunidade, tem uma tarefa precisa, a do oikonómos, da pessoa encarregada pela casa, chamada a realizar o seu serviço dando de comer aos seus irmãos e irmãs, dando o alimento da palavra e da sabedoria de Deus, “ministro” porque dá a cada um a “minestra” [sopa]: esse é o sustento necessário, que faz viver, do qual o oikonómos é responsável. Cabe a ele o cuidado espiritual e material dos irmãos, e ele deve desempenhar o serviço de servo confiável (pistós) e inteligente, sábio (phrónimos).

Mas, se esse servo se coloca no centro da vida comunitária; se só afirma a si mesmo e não faz os outros crescerem; se pensa em levar a “sua vida”, sem uma partilha com seus irmãos e as irmãs; se organiza o consenso em torno de si mesmo, porque tem no coração os sentimentos do tirano, para o qual os outros nada mais são do que instrumentos do seu poder e sucesso; se não sabe mostrar misericórdia humanitária nas relações comunitárias; e se, alimentado pelo narcisismo, pensa que é “irrepreensível” e só fustiga os defeitos dos outros, então…

Nós acrescentamos mais nada, basta ler o trecho do Evangelho até o fim. Então, o Senhor que vem se separará daquele servo e o colocará entre as pessoas não confiáveis… Portanto, atenção: de quem é mais dotado de dons, é mais inteligente, tem mais responsabilidades na comunidade do Senhor, mais será exigido! Porque o juízo de Deus, que se manifestará quando estivermos diante dele depois da nossa morte, dependerá não apenas daquilo que tivermos feito, mas também do grau de consciência e de responsabilidade que tivemos e do uso dos dons de que fomos dotados.

Todos os cristãos, mas acima de tudo os seus guias, sempre devem manter o olhar fixo no horizonte escatológico: o Senhor é Aquele que vem, portanto é preciso estar vigilante e ser capaz de esperá-lo!

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Continuamos hoje com a leitura do Evangelho de Lucas. Lembremos que no domingo passado limos a parábola da pessoa rica que constrói novos celeiros para reservar uma grande colheita “por muitos anos”. Ele acha que dessa forma pode “descansar, comer, beber e alegrar-se” porque seu futuro está seguro”.Jesus ensina que os bens recebidos são para ser partilhados porque ninguém é dono de sua vida nem de seu futuro.

Tinha-nos ensinado a rezar ao “Pai”. Um Deus que ama e perdoa todos e todas por igual. Também conhecimos seu amor por Marta e Maria quando as visita na sua casa e é recebido com muita hospitalidade. No seu caminho a Jerusalém, apresentando-se sempre como um peregrino, narrou a parábola conhecida como a “parábola do Bom Samaritano”. Deus convida-nos sempre a procurá-lo nos marginalizados, os que a sociedade desprecia e nem considera.

As palavras que iniciam o evangelho de hoje “Não tenha medo, pequeno rebanho, porque o Pai de vocês tem prazer em dar-lhes o Reino” são de um forte encorajamento e de muita confiança no Pai.

Convida-nos para que o Reino de Deus seja o centro de nossa preocupação. Para que isso seja possível deve existir uma convivência fraterna, onde não exista a acumulação, mas sim a partilha e a preocupação por nossos irmãos e irmãs, somos filhos/as de um Pai que ama a todos e todas por igual.

No Evangelho, Jesus se dirige aos/às discípulos/as como um pequeno rebanho e convida-o a não ter medo e confiar no Pai. O Pai confia plenamente neles a pesar das possíveis dúvidas ou incertezas e confia-lhes plenamente seu Reino.

Como rezamos no salmo: “Tu conheces o meu sentar e o meu levantar, de longe penetras o meu pensamento. Examinas o meu andar e o meu deitar, meus caminhos todos são familiares a ti. A palavra ainda não me chegou à língua, e tu, Javé, a conheces inteira. Tu me envolves por detrás e pela frente, e sobre mim colocas a tua mão”(Sl 138, 2-5)

Podemos perguntar-nos: Qual é o medo que esse pequeno grupo pode ter? Porque o pequeno rebanho tem medo?

Lembremos que no momento que o Evangelho foi redigido a Igreja nascente situava-se no meio do Império Romano. Eles sofriam perseguições, continuamente estavam expostos a serem rejeitados sob o peso das mentalidades socioculturais e religiosas desse Primeiro Século.

Deus conhece as dificuldades de seus filhos e filhas, não os abandona, mais ainda, continua apostando neles/as partilhando com eles/as sua íntima confiança e deposita em suas mãos a riqueza do seu Reino.

Desde nossa realidade podemos nos identificar com a comunidade primitiva, com suas dificuldades, medos e desafios. A Igreja hoje continua sendo um pequeno rebanho no meio de outros impérios que até fecham suas fronteiras deixando centenas de pessoas, mulheres, crianças e famílias inteiras num campo de refugiados.

Lembremos algumas palavras que o Papa Francisco dirigiu em uma vídeo-mensagem aos refugiados do Centro Astalli : “Perdoem o fechamento e a indiferença de nossas sociedades que temem a mudança de vida e de mentalidade que sua presença exige. Cada um de vocês pode ser uma ponte que une povos distantes, que torna possível o encontro entre culturas e religiões diferentes, um caminho para voltar a descobrir nossa humanidade comum”.

Hoje esta realidade é um clamor à justiça, à igualdade e fundamentalmente a dignidade humana. Iluminados por estas palavras, Jesus convida-nos a acolher em nossas vidas e em nossas diferentes situações socias culturais e religiosas o Reino que o Pai  nos confia.

O Reino de Deus é um dom, é um presente que Deus Pai entrega aos que o amam. Mas Ele não se afasta da “obra de suas mãos”, continua presente nela, sustentando-a com seu amor (Jo 5, 17).

Essa presença ativa de Deus no mundo, como o mesmo Jesus nos prometeu: “Eu estarei com vocês até o final dos tempos“, é a força e esperança do “pequeno rebanho” que se estende até os cristãos do século XXI.

Diante de semelhante dom, qual é nossa resposta? Entregamos nossas vidas para colaborar com a obra de Deus neste mundo, com seu reino de justiça, solidariedade e alegria?

Para poder assumir como Jesus o compromisso do Reino, Lucas nos oferece no evangelho de hoje algumas dicas.

A primeira é nos lembrar de nossa condição de peregrinos, que já analisamos no evangelho do domingo é passado. Por isso usa a metáfora de nos “cingir” os rins, estamos a caminho.

É preciso levar sempre as lâmpadas acessas para ver assim os sinais da Presença de Deus neste mundo, mesmo na escuridão.

Por isso os/as cristãos/ãs temos que ser homens e mulheres de olhos abertos que pela luz do Senhor percebemos seus apelos, seu agir, sua dor, sua alegria, o que nos leva a ser ativos/as colaboradores/as da Obra de Deus em nosso tempo.

Somos pessoas de esperança. “Ele ou ela sabe que o Senhor virá. Não sabemos quando, não sabemos em que momento, mas Ele virá e Ele não deve encontrar-nos divididos. Ele deve encontrar-nos como Ele nos fez com o seu serviço: amigos vivendo em paz”. “O cristão é um homem ou uma mulher que sabe esperar Jesus. (Disponível aqui: Papa Francisco: ”Vamos derrubar o muro que nos divide, se estamos divididos somos inimigos” )

Jürgen Moltmann, na sua conferência proferida em Bergamo (“Pensar a esperança. Crer no futuro para viver no presente” ) disse: “A esperança cristã não é, de fato, otimismo que promete às pessoas de sucesso dias melhores. A fé em Cristo difunde esperança onde de outro modo não há mais nada a esperar. Com os braços da esperança cristã abraçamos o mundo inteiro e não damos nada nem ninguém por perdido.

Viver dessa maneira é ser vigilante. A vigilância é uma atitude bíblica, desde a noite da libertação do Egito, quando o anjo exterminador visitou as casas dos egípcios, enquanto os israelitas de pé, cajado na mão, celebravam Deus libertador, para depois continuar seu caminho de libertação.

Viver com os “olhos abertos” nos encoraja a denunciar tudo àquilo que “vemos” que é contra a vida e dignidade das pessoas e do meio no qual vivemos. Trabalhar para mexer e mudar as estruturas que são de morte… Conseguimos vê-las? Podemos nos perguntar também: somos cristãos de olhos fechados para não ver tudo aquilo que acontece ao nosso redor?

Lembremos as palavras do Papa Francisco na sua viagem a Lampedusa. Segundo ele “a cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver como se fôssemos bolas de sabão: estas são bonitas mas não são nada, são pura ilusão do fútil, do provisório.

Esta cultura do bem-estar leva à indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa!

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Nós continuamos no caminho que leva para Jerusalém, com Cristo e, no caminho, somos interpelados pela Palavra de Deus que nos questiona sobre a qualidade da nossa fé. Onde estamos como cristãos e cristãs? Como crentes? Como lideranças na Igreja? A carta aos Hebreus, da segunda leitura de hoje, nos recorda que: “A fé é um modo de já possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não se veem” (Hb 11, 1). Estamos convencidos disso? Na carta aos Romanos, Paulo chega inclusive a nos convidar a “esperar contra toda a esperança” (Rm 4, 18). E, portanto, quando olhamos para a Igreja de hoje, a Igreja que somos e que formamos, podemos nos perguntar se não estamos em pane, em falta de fé, porque a nossa Igreja não se arrisca mais; ela se assenta sobre seus dogmas e não avança mais nos caminhos do Evangelho, cujos caminhos ainda não estão demarcados ou previamente traçados. Felizmente, o Papa Francisco traz um pouco de frescor à nossa Igreja. Ele nos ensina que o medo, a certeza da fé e o autoritarismo abusivo são freios no caminho da vida cristã.

1. O medo

O Cristo do evangelho de Lucas diz aos seus discípulos: “Não tenha medo, pequeno rebanho, porque o Pai de vocês tem prazer em dar-lhes o Reino” (Lc 12, 32). Infelizmente, esse versículo foi, muitas vezes, mal interpretado: uma certa direita religiosa que acredita ter a verdade, porque faz parte do pequeno rebanho, do pequeno resto de Israel, e que impõe sua verdade mesmo quando permanece sozinha para crer nisso. Eu retorno ao Evangelho: o que Lucas nos diz é uma promessa que nos é feita. Prometer é dizer que será dado. É dar sua palavra, retardando o momento do dom efetivo. É confiar no outro, e convidá-lo para a confiança recíproca.

É isso que nos recorda o autor da carta aos Hebreus, quando escreve: “Pela fé, Abraão, chamado por Deus, obedeceu e partiu para um lugar que deveria receber como herança. E partiu sem saber para onde” (Hb 11, 8). Mas mais do que isso, diz a carta aos Hebreus, falando de Abraão, de Sara, de Isaac e de Jacó: “Todos eles morreram na fé. Não conseguiram a realização das promessas, mas só as viram e saudaram de longe: e confessaram que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Hb 11, 13). Isso quer dizer que os nossos antepassados, na fé, correram enormes riscos; eles confiaram na Palavra de Deus que desorienta e que desinstala. Eles não tiveram medo de partir para o estrangeiro, de mudar seus hábitos e de se colocar a caminho por estradas ainda não trilhadas, por caminhos inexplorados. Ao seu exemplo, podemos não fazer o mesmo?

2. A certeza da fé

A fé nunca pode ser uma certeza. A única certeza que temos é não ter nunca certeza de nada. Doris Lussier dizia: “Eu não disse: eu sei; eu disse: eu creio. Crer não é saber. Eu saberei quando verei, como vocês outros. Se eu tenho que saber… E então, depois de tudo, como eu disse um dia a um amigo que é descrente: tu sabes, as nossas respectivas opiniões sobre os mistérios do além não tem grande importância. O que nós cremos ou o que nós não cremos, isso não muda absolutamente nada a verdade da realidade: o que é, é… e o que não é, não é, um ponto, é tudo. E temos de conviver com isso”. Doris Lussier descrevia sua fé da seguinte maneira: “Eu só tenho uma pequeníssima fé natural, frágil, vacilante, resmungona e sempre inquieta. Uma fé que se parece bem mais a uma esperança que a uma certeza”. E a esperança é a fé no seu melhor, dizia Charles Péguy, porque a esperança nos faz crer que amanhã será melhor, quando hoje tudo está mal. Eis a maravilha da esperança!

É a esperança que nos permite “estar com os rins cingidos e as lâmpadas acesas” (Lc 12, 35). Porque, para esperar o senhor voltar das núpcias (Lc 12, 36), é preciso saber esperar. Se estivermos certos de seu retorno, da data e da hora em que chegará, não precisamos mais esperar; saberemos exatamente como será seu retorno. É por isso que o evangelista Lucas formula esta bem-aventurança: “Felizes dos empregados que o senhor encontra acordados quando chega. Eu garanto a vocês: ele mesmo se cingirá, os fará sentar à mesa, e, passando, os servirá” (Lc 12, 37). Para vigiar, basta esperar; caso contrário, para que serve vigiar? A certeza é o que há de mais prejudicial à fé, porque a certeza acaba por ter razão da esperança.

3. O autoritarismo abusivo

Lucas escreve: “Então Pedro disse a Jesus: ‘Senhor, estás contando essa parábola só para nós, ou para todos?” (Lc 12, 41). Por meio de outra parábola, o evangelho parece dizer que os primeiros envolvidos são justamente aqueles que exercem uma responsabilidade dentro da Igreja; com a questão de Pedro, o Senhor ressuscitado, mestre da Igreja, interpela todos aqueles que têm por missão dar o grão da Palavra ao pequeno rebanho. Sobre o administrador fiel e sensato, que o senhor, na sua chegada, encontrará em seu trabalho, diz: “Em verdade, eu digo a vocês: o senhor lhes confiará a administração de todos os seus bens” (Lc 12, 44). Mas se os responsáveis pela Igreja sofrem do autoritarismo abusivo e se metem a rejeitar, condenar, marginalizar e excluir as mulheres e os homens que lhes são confiados, o mestre lhes tirará todas as responsabilidades: “Por isso eu lhes afirmo: o Reino de Deus será tirado de vocês, e será entregue a uma nação que produzirá seus frutos” (Mt 21, 43). Quanto mais se é responsável na Igreja, mais se deve produzir e dar os frutos: “A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido” (Lc 12, 48b).

Para finalizar, gostaria de compartilhar com vocês a bela reflexão do exegeta francês Jean Debruynne sobre o evangelho de hoje: Um coração em desejo! “Sejam como pessoas que esperam… Mas, quem ainda pode ter tempo para esperar? Por acaso, o tempo não é dinheiro, e, atualmente, não é o tempo o item mais caro? Não são os prazos os mais ruinosos? Está na hora de não mais confundir espera com impaciência. A espera do Reino de Deus não é aquela de esperar o trem ou o avião partir. A espera do Reino de Deus é um coração em desejo e não o medo de se atrasar. Aquele que espera é aquele que ainda encontra no fundo de si um pouquinho de esperança acesa”.

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