“Edifícios da Arquidiocese de Nampula, contíguos ao Paço Episcopal, foram invadidos, vandalizados e danificados por manifestantes em protesto após o anúncio oficial dos resultados das eleições de 9 de Outubro.” Foto AIS/ACN

Jorge Wemans | 28 Dez 2024
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“Edifícios da Arquidiocese de Nampula, contíguos ao Paço Episcopal, foram invadidos, nos dias 24 e 25 de dezembro, vandalizados e danificados por manifestantes” que protestavam contra o anúncio oficial dos resultados das eleições de 9 de outubro, noticia a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS). Desde 23 de dezembro, dia do anúncio oficial dos resultados, já terão morrido mais de 140 pessoas, a maior parte vítima de cargas policiais.

Os tumultos originados pelos protestos e sobretudo pela repressão às manifestações, têm sido mais violentos na capital Maputo, mas espalham-se por todo o país, conforme salienta a informação divulgada pela AIS que refere estarem “as religiosas brasileiras de uma missão em Micane, no distrito de Moma (Nampula), muito traumatizadas depois do ataque” de que foram vítimas.

“Como veem, nada ficou. Tudo foi vandalizado, camas, lençóis, colchões, pratos, tudo, tudo, tudo o que havia lá dentro… E a casa ficou assim, como se vê, em ruína…” – diz o padre Estêvão Júlio, vigário-geral da Arquidiocese de Nampula, no vídeo que enviou à Fundação AIS. Em Pemba, a irmã Maria Aparecida reconhecia à Fundação AIS que também ali, na província de Cabo Delgado, se registaram atos de violência em alguns locais, “especialmente no distrito de Montepuez e Ancuabe, mas graças a Deus, pelo que sabemos, não aconteceu nada com as estruturas da igreja”, embora se viva “um grande sentimento de medo, pois existe já muita destruição e morte”.

A violência tem marcado o quotidiano moçambicano dos últimos dois meses e meio. Logo após o ato eleitoral, na noite de 18 de outubro, o advogado Elvino Dias e o professor Paulo Guambe, dois apoiantes do candidato presidencial Venâncio Mondlane, foram mortos a tiro numa emboscada em Maputo. Este duplo assassinato fez crescer as manifestações de descontentamento contra o modo como as forças de oposição tinham sido impedidas de fiscalizar livremente o ato eleitoral.

Protesto e repressão

Os protestos intensificaram-se quando a 24 de outubro a Comissão Nacional de Eleições (CNE) moçambicana anunciou a vitória de Daniel Chapo, candidato da Frelimo a Presidente da República, com 70,67 por cento dos votos. Venâncio Mondlane, apoiado pelo Partido Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), ficou em segundo lugar, com 20,32 por cento, seguido de Ossufo Momade, presidente da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), com 5,81 por cento. Os resultados então proclamados eram apresentados como provisórios, pois em várias mesas e círculos tinham sido alvo de contestação, pelo que caberia ao Tribunal Constitucional anunciar os resultados definitivos.

A vitória de Daniel Chapo foi confirmada a 23 de dezembro pelo Tribunal Constitucional (TC), embora por uma margem menor (65,17% dos votos), mas muito à frente de Venâncio Mondlane (24,19%) e de Ossufo Momade (6,62%). O Podemos tinha, entretanto, apresentado uma contagem paralela que dizia respeito a perto de 60 por cento dos votos e que dava a Venâncio Mondlane a vitória (53,38% dos votos) e o segundo lugar a Daniel Chapo (35,66%).

Naquela data, o TC validou também a vitória da Frelimo nas eleições legislativas, que decorreram igualmente a 9 de outubro, embora reduzindo a dimensão da vitória de 191 deputados (proclamados pela CNE) para 171. Recorde-se que o partido que governa moçambique ininterruptamente desde a independência detinha 134 deputados (maioria absoluta) na legislatura que está agora a terminar. Finalmente, os nomes apoiados pela Frelimo foram proclamados vencedores nas eleições para o governo das dez províncias do país.

Situação descontrolada

A última semana ficou como a mais sangrenta desde as eleições, em boa parte devido à fuga de 1.500 presos de uma cadeia de alta segurança perto do Maputo. Vários observadores, incluindo Edson Cortez, diretor-executivo do Centro de Integridade Pública (CIP), acusam as autoridades policiais de terem propositadamente libertado aqueles presos perigosos para fomentarem o medo e a insegurança entre a população. Em declarações ao correspondente do jornal Público no Maputo, Cortez afirmou ser esta “uma tática que vimos na Venezuela e em outros países do mundo”, tática que consiste “em  libertar gente condenada nas ruas, para a seguir justificar um uso desproporcional da força.” Aquele responsável foi “perentório”, escreve o correspondente do Público: “a polícia diz que está à procura dos presos evadidos, mas, na verdade, está a matar os opositores políticos”.

O candidato derrotado, Venâncio Mondlane, tem sido o líder visível das movimentações de protesto que contestam os resultados anunciados e denunciam fraudes e irregularidades cometidas nas eleições e nos dias que se lhes seguiram. Em declarações feitas hoje, sábado 28 de dezembro, Mondlane ameaçou armar a população como forma de esta se defender dos bandos formados pelos presos foragidos e da própria polícia. Adiantou ainda que segunda-feira iria anunciar novas medidas para desenvolver o seu plano de protestos.

Apesar deste sábado ter sido um dos dias mais tranquilos dos últimos meses, vários correspondentes da imprensa estrangeira noticiaram que mais de uma centena de postos de abastecimento de combustíveis tinham sido esvaziados e saqueados, assim como milhares de estabelecimentos comerciais em todo o país.