Festa da Sagrada Família (C)
Lucas 2, 41-52

Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Quando o menino completou doze anos, subiram para a festa, como de costume. Passados os dias da Páscoa, voltaram, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem. Pensando que o menino estivesse na caravana, caminharam um dia inteiro. Depois começaram a procurá-lo entre parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém à procura dele.
Três dias depois, encontraram o menino no Templo. Estava sentado no meio dos doutores, escutando e fazendo perguntas. Todos os que ouviam o menino estavam maravilhados com a inteligência de suas respostas. Ao vê-lo, seus pais ficaram emocionados. Sua mãe lhe disse: «Meu filho, por que você fez isso conosco? Olhe que seu pai e eu estávamos angustiados, à sua procura.» Jesus respondeu: «Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?» Mas eles não compreenderam o que o menino acabava de lhes dizer.
Jesus desceu então com seus pais para Nazaré, e permaneceu obediente a eles. E sua mãe conservava no coração todas essas coisas. E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e graça, diante de Deus e dos homens.
SAGRADA FAMÍLIA
António Couto
1. Atravessamos ainda a Solenidade do Natal do Senhor, dado que esta Solenidade se prolonga durante oito dias (Oitava) até à Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, que se celebra no primeiro Dia de Janeiro.
2. O Natal do Senhor põe diante do nosso olhar contemplativo uma Família humilde e bela, Jesus, Maria e José, mas traz também consigo uma forte sensibilidade Familiar, tornando-se o tempo forte da reunião festiva das nossas Famílias. Estes dois acertos são importantes para se compreender a razão pela qual, no Domingo dentro da Oitava do Natal, a Igreja celebra a Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José.
3. Os textos da Liturgia são outra vez preciosos. O Evangelho põe no nosso coração o último episódio do Evangelho da Infância de S. Lucas, conhecido por «Encontro de Jesus no Templo» (2,41-52). Na verdade, o texto refere, logo a abrir, que «os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém pela Festa da Páscoa», certamente envoltos na intensa alegria com que os judeus piedosos acorriam ao Templo do Senhor nas três Festas de Peregrinação – Páscoa, Semanas e Tendas –, cantando: «Que alegria quando me disseram: vamos para a Casa do Senhor!» (Salmo 122,1). Eram oito dias de alegria filial e fraternal, uma vez que, na Casa do Senhor, todos eram e se sentiam verdadeiramente filhos e irmãos.
4. Mas este belíssimo episódio guarda ainda mais alguns sabores requintados. Primeira nota: diz-nos o texto que, nessa Páscoa, Jesus já tinha completado doze anos, que o mesmo é dizer que tinha passado da infância à idade adulta, e que, portanto, sobre ele incumbia agora também o dever de subir três vezes por ano a Jerusalém e de responder pessoalmente, sem a mediação dos pais, pelo cumprimento dos mandamentos de Deus, como ainda hoje se verifica na cerimónia pública chamada «bar mitswah» [= filho do mandamento], que os rapazes judeus piedosos realizam aos 12 anos.
5. Segunda nota: no regresso a Nazaré, após um dia de viagem, Maria e José aperceberam-se de que Jesus «não fazia caminho com eles», e ficaram preocupados e foram procurá-lo. Sinal importante para as restantes páginas do Evangelho e para nós: quando nos apercebermos de que Jesus não está a fazer caminho connosco, devemos ficar preocupados e ir à procura dele. Por outras palavras: não podemos perder Jesus. Podemos perder coisas e tralhas que atrapalham e sobrecarregam. Mas Jesus é a nossa vida (se o perdemos, perdemo-nos!), e é Ele que todos nos pedem: «Nós queremos ver Jesus!» (João 12,21). Se o perdemos, não o temos para dar!
6. Terceira nota: não o encontram onde e como seria de esperar, entre os parentes e conhecidos. Quarta nota: Jesus é encontrado três dias depois no Templo (Casa de Deus), num claríssimo aceno à Ressurreição (três dias) e ao verdadeiro parentesco e identidade de Jesus (Casa de Deus). Quinta nota: está sentado na cátedra (kathezómenos) no meio dos mestres. Então Ele é o Mestre, e o seu lugar é sempre no meio de nós a ensinar.
7. Sexta nota: a resposta serena de Jesus à sua mãe preocupada («Olha que o teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura», diz Maria): «Não sabíeis que é para mim necessário estar nas coisas do meu Pai?», responde Jesus. Mas era óbvio que, depois da cerimónia do «bar mitswah», competia a Jesus responder pessoalmente a Deus. Note-se ainda o confronto do «teu pai», de Maria, com o «meu Pai», de Jesus. E note-se também que Jesus não se ocupa simplesmente das coisas, dos negócios do Pai, mas está nas coisas do Pai. Expressão fortíssima, de intimidade e dedicação total, que implica a própria vida, e não um mero negócio de coisas exteriores.
8. Sétima nota: embora não compreendendo, Maria guardava todas estas palavras e acontecimentos, compondo-os (symbállousa) no seu coração. Expressão belíssima que mostra bem a altura do crente verdadeiro, que não tem de compreender tudo já, mas guarda e vai compondo palavras e acontecimentos divinos numa bela melodia, como quem compõe uma música, um poema, embebida e embevecida de sentido. Sim, vê-se bem que, tal como Jesus, também Maria não se ocupa, de vez em quando, com as coisas de Deus; ela está sempre nas coisas de Deus!
9. Dentro da temática da Família, o Antigo Testamento traz-nos hoje um extrato sapiencial retirado do Livro de Ben Sira (ou Eclesiástico) 3,2-6.12-14, e que nos convida ao amor dedicado aos nossos pais sempre, para que o Senhor ponha sobre nós o seu olhar de bondade.
10. O Salmo 128 é a música suave, de teor didático-sapiencial, que canta uma família feliz e nos mostra a fonte dessa felicidade: a bênção paternal do Senhor. «Felizes os que esperam no Senhor,/ e seguem os seus caminhos» é a bela litania em que o refrão nos faz entrar hoje.
11. Finalmente, o Apóstolo Paulo, na Carta aos Colossenses 3,12-21, exorta esposos, pais e filhos ao amor mútuo, mostrando ainda de que sentimentos nos devemos vestir por dentro e de que música devemos encher o nosso coração. Salta à vista que a misericórdia, a bondade, a humildade, a mansidão, a longanimidade, o amor, o perdão são vestidos importantes para a festa, mas não se compram nem vendem por aí em nenhum pronto-a-vestir. De resto, vê-se bem que andamos todos bem vestidos por fora, mas andamos muitas vezes nus por dentro! E é para aqui que aponta a exortação de S. Paulo. Nesta época de bastante consumismo e vestidos novos, convém que nunca nos esqueçamos de Deus, pois é Ele, e só Ele, que veste carinhosamente o coração e as entranhas dos seus filhos.
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Admiração e aflição
Papa Francisco
Hoje celebramos a festa da Sagrada Família e a liturgia convida-nos a refletir sobre a experiência de Maria, José e Jesus, unidos por um amor imenso e animados por uma grande confiança em Deus. O hodierno trecho evangélico (cf. Lc 2, 41-52) narra a viagem da família de Nazaré a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Mas, durante a viagem de regresso, os pais dão-se conta de que o filho de doze anos não está na caravana. Depois de três dias de busca e de temor, acharam-no no templo, sentado no meio dos doutores, debatendo com eles. Ao ver o próprio Filho, Maria e José «ficaram admirados» (v. 48) e a Mãe manifestou-lhe a sua apreensão dizendo: «Teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição (ibid.).
A admiração — eles «ficaram admirados» — e a aflição — «Teu pai e eu, aflitos» — são os dois elementos para os quais gostaria de chamar a vossa atenção: admiração e aflição.
Na família de Nazaré nunca faltou a admiração, nem sequer num momento dramático como a perda de Jesus: é a capacidade de se maravilhar diante da gradual manifestação do Filho de Deus. É a mesma admiração que também os doutores do templo sentiram, maravilhados «com a sua inteligência e as suas respostas» (v. 47). Mas que significa admiração, que significa ficar maravilhado? Ficar admirado e maravilhar-se é o contrário de dar tudo por certo, é o contrário de interpretar a realidade que nos circunda e os acontecimentos da história apenas conforme os nossos critérios. E quem faz isto não sabe o que significa maravilhar-se, o que significa ficar admirado. Admirar-se significa abrir-se aos outros, compreender as razões dos outros: esta atitude é importante para curar os deteriorados prejudicados entre as pessoas, e é indispensável também para curar as feridas abertas no âmbito familiar. Quando há problemas no seio das famílias, damos por certo que nós temos razão e fechamos a porta aos outros. Ao contrário, é necessário pensar: “Mas que tem de bom esta pessoa?”, e maravilhar-se com este “bom”. Isto ajuda a unidade da família. Se tiverdes problemas em família, pensai nas coisas boas que possui o familiar com o qual tendes problemas, e maravilhai-vos com isto. Ajudar-vos-á a curar as feridas familiares.
O segundo elemento do Evangelho sobre o qual gostaria de refletir é a aflição que experimentaram Maria e José quando não conseguiam encontrar Jesus. Esta aflição manifesta a centralidade de Jesus na Sagrada Família. A Virgem e o seu esposo tinham acolhido aquele Filho, custodiavam-no e viam-no crescer em estatura, sabedoria e graça no meio deles, mas sobretudo Ele crescia dentro do coração deles; e, pouco a pouco, aumentavam o seu afeto e a sua compreensão em relação a ele. Eis por que a família de Nazaré é sagrada: porque estava centrada em Jesus, a Ele dirigiam-se todas as atenções e as solicitudes de Maria e de José.
Aquela aflição que eles sentiam nos três dias em que perderam Jesus, deveria ser também a nossa aflição quando estamos distantes d’Ele, quando estamos distantes de Jesus. Deveríamos sentir aflição quando esquecemos Jesus por mais de três dias, sem rezar, sem ler o Evangelho, sem sentir a necessidade da sua presença e da sua amizade consoladora. E muitas vezes passam os dias sem que eu me lembre de Jesus. Mas isto é feio, isto é muito feio. Deveríamos sentir aflição quando acontecem estas coisas. Maria e José procuram-no e encontraram-no no templo enquanto ensinava: também nós, é sobretudo na casa de Deus que podemos encontrar o Mestre divino e acolher a sua mensagem de salvação. Na celebração eucarística fazemos experiência viva de Cristo; Ele fala-nos, oferece-nos a sua Palavra, ilumina-nos, ilumina o nosso caminho, doa-nos o seu Corpo na Eucaristia da qual haurimos vigor para enfrentar as dificuldade de cada dia.
E hoje voltemos para casa com estas duas palavras: admiração e aflição. Eu consigo maravilhar-me, quando vejo as coisas boas dos outros, e resolver deste modo os problemas familiares? Sinto aflição quando me afasto de Jesus?
Rezemos por todas a famílias do mundo, especialmente por aquelas nas quais, por vários motivos, faltam a paz e a harmonia. E confiemo-las à proteção da Sagrada Família de Nazaré.
Angelus 30/12/2018
Uma família diferente
Ana Maria Casarotti
No domingo seguinte ao Natal, a Igreja nos convida a celebrar a Festa da Sagrada Família. Por quê?
Esta festa é a prolongação da festa do Natal. Quando o Filho de Deus se fez homem, nasceu como filho de Maria, se fez irmão de toda a humanidade.
Ao contemplar hoje a Sagrada Família, podemos “incluir” nela todos os homens, todas as mulheres de todos os tempos, raças e línguas. Como disse Enzo Bianchi: “Jesus nascera de uma família comum: um pai artesão e uma mãe dona de casa como todas as mulheres da época. A sua família tinha irmãos e irmãs, isto é, parentes, primos, uma família numerosa e ligada por fortes laços de sangue, como ocorria no Oriente”.
É a festa da família humana que pela encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus é adotada como família de Deus.
Ao olhar hoje o menino Jesus, rodeado por Maria e José, somos convidados a sentir-nos filhos e filhas do Pai e da Mãe celestes e irmãos e irmãs uns dos outros.
A família de Nazaré nos desafia a viver o mandamento do amor, que leva a exercitar valores essenciais que foram esquecidos ou abafados na lógica do mercado que vigora em nosso tempo, como os valores da hospitalidade, da acolhida, da solidariedade, da cortesia e do respeito à alteridade.
Olhando agora para a nossa família, a nossa comunidade, perguntamo-nos em que precisamos crescer para nos assemelharmos à família de Nazaré.
O evangelho de hoje nos revela, em primeiro lugar, a simplicidade e a historicidade da família de Nazaré, que vivia sua religiosidade como toda a família judia daquele tempo.
Como disse Enzo Bianchi, “Sim, Jesus era um homem como os outros, apresentava-se sem traços extraordinários, parecia frágil como todo ser humano. Tão cotidiano, tão modesto, sem qualquer coisa que, na sua forma humana, proclamasse a sua glória e a sua singularidade, sem um “cerimonial” composto de pessoas que o acompanhassem e o tornassem solene e munido de poder ao aparecer no meio dos outros. Não, demasiadamente humano! Mas se não há nada de “extraordinário” nele, por que acolher a sua mensagem?
No evangelho lemos que: “Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa”.
Essa Páscoa é especial porque Jesus tem doze anos. Então seguindo a lei de Moisés é a idade para realizar a cerimônia bar mitzvah. Por meio desse rito, o menino entra no mundo adulto. Alcançou sua maturidade religiosa e civil.
O evangelista situa Jesus no início da sua maturidade no templo, falando com os doutores da lei, e “todos que ouviam o menino estavam maravilhados com a inteligência de suas respostas”.
No final da vida de Jesus encontramos uma cena semelhante: “Ao amanhecer, os anciãos do povo, os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei se reuniram em conselho e levaram Jesus para o Sinédrio” (Lc 22,66).
Mas a admiração inicial já não existe na maioria dos ouvintes, ao contrário, as palavras que pronuncia Jesus, em consonância com sua vida, são as que o condenam à morte.
Enquanto isso, Maria e José buscam angustiados seu Filho, até que, depois de três dias de incessante busca, o acham no templo.
A resposta serena que dá Jesus à pergunta de sua mãe: “Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?”, nos transporta ao dia da sua Ressurreição, “por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24, 5b).
Pelo qual as primeiras palavras que Lucas coloca na boca de Jesus já revelam o sentido e o fim de sua vida e missão, estar no Pai, viver para Ele e suas coisas.
A maturidade dos 12 anos deste menino judeu continuará crescendo ao longo de sua vida, atingindo seu auge em outra Páscoa, a de sua morte e ressurreição!
Dessa maneira, Jesus revela a toda a família humana o caminho para viver e crescer na casa do Pai e Mãe comum, até chegar aos seus firmes e ternos braços.
Na entrevista Jesus: um apaixonado por Deus e pelas pessoas, concedida à revista IHU On-Line nº 336, o teólogo biblista Francisco Orofino disse que “temos que entender que a formação de Jesus começa em casa, e sob forte influência materna. Jesus viveu muito tempo neste ambiente familiar e comunitário”.
Vivendo deste jeito estaremos contribuindo com a recriação permanente da família humana e divina!
Oração pela família
“Ó Deus Trindade, comunhão perfeita no amor.
Nossas famílias vos louvam e agradecem, por serem chamadas a realizar as maravilhas do vosso amor, no aconchego de seus lares.
Que nelas aconteça a desejada paz e a constante reconciliação, mesmo em meio a tantos limites humanos.
Vos pedimos, Trindade Santíssima, que a família seja reconhecida como patrimônio da humanidade,
um dos tesouros mais preciosos dos nossos povos, lugar e escola de comunhão,
fonte de valores humanos e cívicos, lar onde a vida humana nasce e se acolhe, generosa e responsavelmente.
Torne-se escola de fé, fazendo dos pais os primeiros catequistas de seus filhos,
começando em casa o processo da iniciação à vida cristã.
Possa a família ser considerada santuário da vida e Igreja doméstica.
Livrai a família do egoísmo, que fere de morte o amor e o compromisso com a vida,
destruindo o lar e causando consequências indeléveis para os filhos.
Ó Deus Trindade, por intercessão da Família de Nazaré, santuário da vida divina,
abençoai cada lar para que possa tornar-se, à vossa imagem, novo sacrário de amor. Amém”.
Dom Aloísio A. Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul
O comentário é de Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
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