4° Domingo de Advento (ciclo C)
Lucas 1, 39-45


Embarazo-contagioso

Naqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente para a montanha, em direcção a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino exultou-lhe no seio. Isabel ficou cheia do Espírito Santo e exclamou em alta voz: «Bendita és tu entre as mulheres
e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor? Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos a voz da tua saudação, o menino exultou de alegria no meu seio. Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor».

O quarto Evangelho confessa de modo doxológico e glorioso: “A Palavra se fez carne e pôs a sua tenda entre nós” (Jo 1,14), e os Evangelhos sinóticos também nos testemunham que a Palavra de Deus se humanizou no meio de nós em Jesus de Nazaré, o filho de Maria e de José.

Lucas, em particular, é o evangelista que quer especificar quando e como essa Palavra, bem antes de aparecer publicamente, habitou no meio de nós e, com audácia, nos relata o momento exato em que, segundo as palavras do mensageiro de Deus, o poder do Espírito Santo estende a sua sombra sobre Maria (cf. Lc 1,35), uma jovem virgem de Nazaré, e a torna mãe de um filho de Adão que somente Deus nos poderia dar: o seu Filho!

Assim, no escondimento, no silêncio, ocorre a humanização de Deus: a partir dessa concepção, a Palavra de Deus está no meio de nós, e Maria, a mãe de Jesus, é a tenda na qual ela faz a sua morada. Segundo Lucas, essa Palavra, esse Lógos toû Theoû, começa uma viagem, vive entre os seres humanos (cf. Bar 3,38), de Nazaré a Jerusalém e de Jerusalém aos extremos confins do mundo, até Roma (cf. Lc 2,22,41; 9,51; 24,47; At 1,8; 28,30-31). Eis a “corrida da Palavra” (cf. 2Ts 3,1), a evangelização que começa – muitas vezes esquecemos isto – com o caminho, a viagem de uma mulher, de Maria, a mãe do Filho de Deus.

Sim, porque Maria, logo que recebeu o anúncio da sua gravidez (cf. Lc 1,26-38), por um impulso interior provocado pelas palavras do anjo, que, ao lhe revelar a sua maternidade, também lhe revelou a fecundidade do ventre de Isabel, sua prima, põe-se em viagem às pressas, a pressa escatológica, rumo à montanha da Judeia. Da Galileia à Judeia, de Nazaré à periferia de Jerusalém, uma viagem de vários dias.

O que move Maria? A caridade para com a idosa Isabel, a quem todos chamam de “a estéril” (cf. Lc 1,36), mas também a ânsia de comunicar a boa notícia, o Evangelho recebido do anjo, e ainda a vontade de escutar a prima como mulher na qual Deus fez maravilhas. Maria aparece imediatamente como mulher de caridade e mulher missionária.

E eis o encontro entre as duas mulheres: Maria chega à casa de Zacarias, o marido de Isabel, o sacerdote que, diante do anúncio do anjo sobre o nascimento de um filho dele, velho, e da mulher, estéril, titubeou ao acreditar e, por isso, ficou áfono, sem voz, a ponto de não poder dar a bênção ao povo, ao término da liturgia da oferta do incenso (cf. Lc 1,8-22).

Maria logo encontra Isabel e, ao entrar na casa, a saúda: uma mulher grávida há poucos dias diante de outra mulher grávida há seis meses, ambas nessa condição em virtude da graça e do poder de Deus, que tornou fecundo o útero inerte delas; ambas portadoras de um filho desejado por Deus; ambas mães, verdadeiras “tendas” nas quais moravam dois eleitos, chamados pelo próprio Deus com um nome revelado por ele.

O filho de Maria se chamará Jeshu’a, Jesus, que significa “o Senhor salva”, e se manifestará como Messias, Filho do Deus Altíssimo (cf. Lc 1,31-32), concebido pelo Espírito Santo (cf. Lc 1,35). O filho de Isabel, João, “o Senhor faz graça” (Jochanan), será aquele que “caminhará diante do Messias com o espírito e a força de Elias” (cf. Lc 1,17), profeta repleto do Espírito Santo ainda antes nascer, desde o ventre da sua mãe.

E eis que, assim que Maria entra em casa, ela dirige a sua saudação a Isabel, provocando uma reação inesperada na parente idosa. Com a sua saudação, de fato, Maria provoca três eventos que permitem a Isabel reconhecer nela não só a prima que vai ao seu encontro, mas também a “mãe do Senhor”. Assim que Maria dirige a saudação messiânica a Isabel: “Alegrem-se!”, o filho do qual a prima está grávida, invadido pela alegria messiânica, dança, exulta no seu ventre; o Espírito Santo desce sobre Isabel; o mesmo Espírito lhe concede o discernimento profético daquele que está diante dela e do fruto do seu ventre.

Nessa viagem de caridade, mas também evangelizadora, com o simples som da sua voz (phoné), Maria provoca a alegria messiânica anunciada pelos antigos profetas (cf. Sof 3,14; Zc 2,14), assim como a descida do Espírito Santo sobre Isabel. E logo João pula ou dança, revelando à mãe a identidade profunda de Maria.

Cumpre-se, assim, a promessa do anjo a Zacarias: “Ele ficará cheio do Espírito Santo desde o ventre de sua mãe” (Lc 1,15). E assim João, ainda menino anônimo no ventre da mãe, já profetiza, não com a palavra, mas com a exultação. Ocorre uma communicatio idiomatum entre filho e mãe, que reconhecem, ambos, a presença do Senhor em embrião no ventre de Maria. Sim, podemos dizer que, na Visitação, tem início o ministério de Maria, polo de atração do Espírito Santo, e, ao mesmo tempo, o de João, que profetiza, anuncia, indica Aquele que vem e exulta pela sua presença (cf. Jo 3,29).

Esse relato causa vertigem: o Messias Jesus, ainda não nascido, mas presente no ventre da mãe, Maria, encontra o precursor, o profeta presente no ventre da sua mãe, Isabel e, reconhecido, causa alegria, exultação, dança, como a de Davi diante da arca da presença do Senhor (cf. 2Sm 6,12-15). Ocorre o encontro com Cristo por parte de toda a profecia que o precedeu, profecia de Israel, mas também dos gentios, que discerne a vinda d’Aquele que vem tão desejado e profetizado; e esse reconhecimento provoca a dança adorante e alegre pelo cumprimento das promessas de Deus.

Tudo isso ocorre graças a duas mulheres que se encontram. Isabel, então, cheia do Espírito Santo profético, é tornada capaz de interpretar a dança do menino no seu ventre e assim exclama, com uma aclamação litúrgica (verbo anaphonéo: cf. 1Cr 15,28; 16,4.5.42; 2Cr 5, 13 LXX): “Tu, Maria, és bendita entre todas as mulheres, és bendita porque creste na palavra do Senhor, és a mãe do meu Senhor (Kýrios!)”. Ela não reconhece naquela gravidez apenas a fecundação divina (“Bendito é o fruto do teu ventre [ó Israel]”: Dt 28,4), mas confessa que aquele embrião é o Senhor concebido por Maria pelo poder do Espírito de Deus. Sim, o filho de Maria é o Cristo Senhor anunciado pelo Salmo 110 (v. 1), e, portanto, Maria é o Israel bendito, a terra bendita, porque contém a bênção plena e definitiva de Deus para toda a humanidade.

São muitas as mulheres benditas na história da salvação, embora nós nos esqueçamos disso com demasiada facilidade: de Sara a Isabel, de fato, a sua presença nas Escrituras é contínua. Mas Maria, precisamente como mãe do Senhor, é a bendita entre todas, é aquela que todas as gerações aclamarão “bem-aventurada”!

Isabel, porém, não só bendiz Maria, mas também confessa a sua verdadeira identidade: assim como Davi, o Messias e profeta, diante da arca da aliança que ia ao seu encontro, exclamou com estupor: “Como pode vir até mim a arca do Senhor?” (2Sm 6,9), assim também Isabel exclama: “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?”. Assim como a arca da aliança era o lugar da Presença, da Shekinah de Deus, assim também Maria o é!

Verdadeiramente, segundo o que a Igreja confessaria com inteligência espiritual, Maria é foederis arca, arca que contém o Senhor; é aquela que, significativamente, aparecerá nos céus como a mulher mãe do Messias (cf. Ap 11,19-12,1). E Isabel, embora consciente do que Deus fez no seu ventre estéril, sabe compreender essa diferença: Maria é a arca da aliança, o lugar da presença de Deus no mundo, o lugar onde é localizável e identificável o Deus feito carne.

Tudo isso no útero de duas mulheres que se falam, se escutam e se alegram louvando a Deus. O som da voz de Maria chega a Isabel, que “canta” a ela e por ela; a confissão de fé de Isabel chega a Maria, que canta o Magnificat (cf. Lc 1,46-55).

Essas não são pré-histórias do Messias, mas é a história do Messias, do Filho de Deus que se fez humano entre nós: duas mulheres, Isabel e Maria, são eloquentes a respeito disso, mulheres capazes de fé na palavra do Senhor, mulheres cheias do Espírito Santo.

http://www.ihu.unisinos.br

Advento: Tempo das mulheres
Aldroaldo Palaoro

“Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre…” (Lc 1,41)

Os sinais da quarta Semana do Advento nos devolvem à beleza do pequeno, à humildade do cotidiano, à simplicidade dos encontros. No mistério da Visitação, uma simples saudação, essa experiência universal de acolhida do outro, desencadeia uma torrente de comunicação entre duas mulheres grávidas que se enchem de júbilo, bendizem e se alegram juntas enquanto a vida cresce em suas entranhas.

No encontro entre Maria e Isabel a comunicação abarca, com igual intensidade, tanto a dimensão corporal como a que se expressa em palavras. Nesse clima de confiança total acontece o diálogo entre elas. Duas mulheres que compartilham um segredo que não são capazes de entrever em toda sua imensidade, carregada de transcendentais consequências. E nessa efusão de duas pessoas simples, unidas pelo sangue e sobretudo pela fé, se reconhecem partícipes de uma história que as ultrapassa. Encantadas, agradecidas, maravilhadas, expressam os sentimentos de seu coração no louvor a Deus. “Minh’alma engrandece o Senhor” é a primeira mensagem do Magnificat com que nos evangeliza aquela jovem simples de Nazaré que guardava em seu coração todas as coisas que iam acontecendo.

O evangelho da Visitação nos convida a contemplar como Maria saiu de sua casa e empreendeu apressadamente uma viagem; viagem que é metáfora de todas as viagens da existência humana. Maria disse “fiat” a Deus, pôs-se a caminho e foi renovando cada dia de sua vida esse arriscado e confiado “sim”. Advento, tempo de espera no qual Maria é protagonista, guardando um segredo que afetará a todos nós. O que a move a sair é um grande projeto que vem do alto. Assim ela nos revela que não se pode viver sem mistério, sem paixão; que o mistério nos deslumbra, nos supera e nos dinamiza.

Em Isabel, podemos admirar como se une o assombro por uma maternidade inesperada com a ação do Espírito atuando sobre sua esterilidade. Seu assombro e exaltação ecoam com a alegria e a dança da criança que carrega em suas entranhas. Isabel, a mais velha, se inclina diante de Maria, a mais jovem, num abraço e num beijo acolhedor. As duas são portadoras de mistério; estão profundamente marcadas pela comoção. Nelas tudo é surpresa, vibração e alegria.

Isabel e Maria não só se acolhem e se animam, mas se acompanham e se ajudam. O acompanhamento entre ambas se converte em fonte de bênçãos.

Maria descobre que não se encontra sozinha; há uma mulher que lhe acompanha.

Ela quer compartilhar sua experiência de mulher (e futura mãe) com outra mulher, sua “prima” Isabel, a mãe do Batista. Maria vai ao encontro de Isabel para sentir o apoio na figura de uma mulher madura, mas cheia de vida e de futuro. Não se dirige ao Templo nem ao sacerdote…. Os homens de então não são capazes de entender o que está acontecendo nestas duas mulheres, pois estão preocupados com outras coisas. Maria precisa dizer para outra mulher, para celebrar com ela “a maravilha que Deus estava realizando nela”. Toda a história da esperança humana, a humanidade inteira se condensa em duas mulheres.

Ambas, tocadas pelo Espírito, seguem sua própria evolução: cada uma tem sua gravidez, e isto requer cuidado, proteção, equilíbrio…

Assim, as duas unidas caminharão em direção a um maravilhoso futuro desconhecido. O novo precisa companhia, unir mãos e corações, mentes, forças e pés. Cada uma com seu segredo dentro de si, presente em suas entranhas. As duas com uma forte convicção: foram visitadas pela misericórdia de Deus.

Em nome do filho que dança no seu ventre e tomando a palavra dos grandes sábios da Antiga Aliança, como encarnação da esperança do povo israelita que aguardou este momento durante séculos, Isabel canta a grandeza da mãe do Messias: “Bendita tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre!”. “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o senhor lhe prometeu”.

Esta é voz de benção, ou seja, de graça criadora e abundância. Esta é a benção e a bem-aventurança que dirigem a Maria todos os “esperantes” do Antigo Testamento. Esperaram longos séculos, dirigidos, animados, pela voz dos profetas. Agora podem sentir-se satisfeitos. Chegou o cumprimento e assim o confirma, em nome de todos, Isabel, mulher israelita, mãe profética.

É verdade que as bênçãos eram comunicadas pelos sacerdotes. No entanto, Isabel bendiz Maria em sua plena juventude e grávida de Deus. Bendiz o fruto de suas entranhas. Só esta mulher que engendrou em sua velhice, assumindo a voz do profeta que carrega em sua entranha, pode entender e receber a mãe messiânica, proclamando sobre ela a grande voz do cumprimento dos tempos. Estamos no centro da oração mais querida dos cristãos católicos (depois do Pai-Nosso), que é a Ave Maria.

Maria recebe agradecida as palavras de benção e lhe responde dando graças a Deus com o Magnificat.

Advento é o tempo das mulheres, ou seja, daquelas que tem uma surpresa a oferecer, pondo-se a serviço do amor de Deus que levam em seus ventres, amor que as envolve e as transcende, fazendo-as servidoras da vida.

A cena da Visitação nos situa em um espaço intenso de mulheres. É como se, ao chegar o momento culminante da revelação, os varões passassem a segundo plano. Certamente, realizaram e em algum sentido continuam realizando funções socialmente importantes: fazem negócios, servem como sacerdotes no templo, estudam e explicam o sentido da lei como escribas, definem e encarnam a pureza do povo eleito como os fariseus…

Esses e outros ofícios de varões foram e são valiosos; mas ao chegar a plenitude dos tempos acabam se tornando secundários, pois Deus não precisa de sacerdotes, nem de fariseus, nem escribas, como os antigos. O cuidado da vida e a vida mesma do Messias de Deus, como futuro salvador da humanidade, está em mãos de mulheres.

Também a Igreja hoje deve viver “em tempo de “parto”, pois carrega em seu ventre Alguém maior que ela mesma; ela só poderá “dar à luz” a Deus na história da humanidade se renunciar às suas grandezas externas, feitas de riquezas e privilégios, de honras e poderes… e revestir-se da simplicidade, da ternura e da acolhida amorosa. Para isso, ela precisa pôr-se a caminho, para visitar e dialogar com Isabel e com outras mulheres, e aprender com elas o que significa estar a serviço da vida, que a ultrapassa sempre.

Este ícone da Visitação des-vela o modo original de ser e de agir de toda a comunidade eclesial; há diversidades de serviços que a caracterizam, mas todos são convidados a reconhecer, a servir, a celebrar as maravilhas que Deus continuamente realiza em tudo e em todo.

É um ícone dinâmico que nos lança a “sair apressadamente” ao encontro do outro, com quem temos um parentesco, na consciência de que fazemos parte de uma mesma humanidade.

A vida cristã de nossos dias precisa voltar à Visitação, reviver a “cultura do encontro” e buscar inspiração nas protagonistas no evangelho deste domingo. A vida cristã necessita Visitação para ser mais vida e mais cristã, para deixar seguranças, cuidar e acompanhar a vida que há nela e nas “periferias existenciais”, ali onde o novo está germinando, para espanto e surpresa de todos.

Com a Visitação nos chega memória agradecida, paixão comprometida e esperança dinamizadora de um possível presente fecundo. A Visitação é um foco criativo de espiritualidade.

Para meditar na oração

Advento nos inunda da alegria da Visitação e nos move a ser portadores e portadoras da Vida de Deus para o nosso hoje.

– Você visita ou se deixa visitar por quem é diferente? Ou assume posturas de preconceito e intolerância?

– Através das “redes sociais” visitamos tantas pessoas: suas visitas virtuais são cheias de graça e alegria ou carregadas de julgamento, de mensagens pessimistas…?

http://www.ihu.unisinos.br

Às portas do Natal, a Palavra de Deus oferece-nos hoje as chaves para compreender, experimentar e anunciar aos outros o mistério que celebramos. Essas chaves são: Maria, a carne e a pequenez. Em primeiro lugar, Maria, que o evangelista nos apresenta na Visitação à parente Isabel (Evangelho). Em clima de fé e de alegria intensa, dá-se o encontro entre duas mulheres, que se tornaram mães gestantes por uma especial intervenção de Deus: Isabel em idade avançada, Maria na sua virgindade. Ambas estão repletas do Espírito Santo (v. 41; Lc 1,35), atentas em captar os sinais da sua presença, prontas a louvá-lo e a agradecer-lhe pelas suas obras maravilhosas (v. 42-45.46-48). Estes elementos fazem da Visitação um mistério de fé, alegria, serviço, anúncio missionário. Maria, apressada na viagem (v. 39), levando Jesus no seu seio, é imagem da Igreja missionária, que leva ao mundo o anúncio do Salvador.

«Bem-aventurada aquela que acreditou», exclama Isabel (v. 45). É a primeira bem-aventurança que aparece nos Evangelhos. Pela fé Maria concebeu no seu coração o Filho de Deus ainda antes de o gerar na carne. Acreditou, isto é, confiou, abandonou-se em Deus. As palavras de Maria: «eis a serva do Senhor: faça-se…» (v. 38) estão em sintonia com o «Sim» de Jesus, o qual, segundo o autor da carta aos Hebreus (II leitura), ao entrar no mundo, disse: «Eu venho, ó Deus, para fazer a tua vontade» (v. 7.9). Este é o único culto agradável a Deus, o culto dos verdadeiros adoradores do Pai «em espírito e verdade», como o próprio Jesus o revelará também à samaritana (Jo 4,23).

Desde há muito tempo – podemos dizer desde sempre – Deus não se compraz com o perfume dos incensos nem com o fumo das carnes dos animais imolados no templo, como repete a carta aos Hebreus (v. 6.8). Ele quer habitar num templo de carne, no coração das pessoas, tornar-se o centro de todos os pensamentos e de todos os interesses, a razão de todas as opções e decisões, a raiz de todas as alegrias. Só a este nível se pode falar de verdadeira conversão do coração, uma conversão que vai para além de gestos exteriores puramente rituais, de práticas superficiais e de fórmulas repetidas de cor.

Jesus é o verdadeiro adorador do Pai: desde o primeiro instante da sua entrada no mundo, não lhe oferece animais ou incenso (v. 5-6), mas apresenta-se a si mesmo, o seu corpo, como oferta de amor para santificar a todos (v. 10), sem excluir ninguém, porque Ele «não se envergonha de os chamar irmãos» (Heb 2,11). «Caro salutis est cardo» (a carne é o princípio da salvação), gostavam de repetir, com grande sentido teológico e antropológico, os Padres da Igreja nos primeiros séculos. Sublinhavam desse modo que Deus quis tornar manifesta e concreta a sua salvação, fazendo-a passar através da carne humana do Filho de Deus, o filho de Maria. Na escola de Maria, o Papa convida-nos a encontrar Jesus no Natal e na Eucaristia.

Esta maravilhosa obra da salvação realiza-se através de sinais pequenos e pobres, pessoas e realidades humildes. Um exemplo bíblico é Belém (I leitura), pequena cidade mas berço de um senhor que «apascentará com o poder do Senhor», dará segurança e paz ao povo, «será exaltado até aos confins da terra» (v. 3). Belém é uma terra insignificante, mas Deus escolhe-a para aí fazer nascer aquele que é «a Notícia mais Graciosa» para todos os povos. Na origem de tal acontecimento, está Maria, que exulta e canta, consciente de que Deus «olhou para a humildade da sua serva» (v. 48).

Também hoje, Deus realiza as suas obras grandiosas por meio de instrumentos pobres, gestos humildes, situações humanamente desesperadas. Ocorre a pergunta: mas então, quem se salva? Salvam-se os que, com coração sincero e disponível, acolhem o mistério daquele Menino, nascido em Belém há mais de 2000 anos; os que dão ouvidos à sua mensagem, se fazem construtores da sua paz, portadores da sua alegria, missionários que o anunciam. Como Maria, como os pastores!