Solenidade de Cristo Rei do Universo
XXXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM (B)

João 18,33-37


Ecce Homo - Arcabas

Referências bíblicas:
1ª leitura: «Seu poder é um poder eterno» (Daniel 7,13-14).
Salmo: Sl. 92(93) – R/ Deus é rei e se vestiu de majestade, glória ao Senhor!
2ª leitura: «O soberano dos reis da terra fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus» (Ap 1,5-8).
Evangelho: «Tu o dizes: eu sou rei» (João 18,33-37).


A expressão “Cristo Rei” é um pleonasmo, mas significa que o Cristo de Israel assume um poder universal, sobre a humanidade, e sobre a natureza à qual a humanidade está ligada. Não existe nada mais perturbador do que a possibilidade dada aos homens de se fazer pesar sobre a liberdade de outros homens, de dirigi-los. Com que direito e a que título? Desde sempre, inventaram-se sistemas para designar os detentores da autoridade: herança, eleições… porque a autoridade parece ser indispensável para refrear os riscos de violência nascidos da competição selvagem. Cada um aspira de fato a ter algum poder, pois isto lhe traz, além de outras vantagens, a confirmação da sua importância, do seu valor, e do estar no centro das atenções. Há, portanto, uma busca pelo poder. Um político francês, grande homem, dizia que, depois de se ter experimentado o poder, não se pode mais passar sem ele. É uma droga que faz o homem esquecer a sua fragilidade. A busca pelo poder é em si mesma viciosa, porque o que em princípio justifica o poder é “a desigualdade”, ou seja, a superioridade. E uma superioridade que deve ser real: mais saber, mais inteligência, mais espírito de decisão. Tudo isto pode justificar que se exerça poder sobre os outros, ao menos provisoriamente, e este poder sendo aceito. Na verdade, todos nós exercemos algum poder, em virtude de nossas competências ou de nossas responsabilidades; poderes situados em nosso domínio e conformes à nossa dimensão (familiares, profissionais, etc.). O que dizer, então, do poder do Cristo?

Qual poder?

Jesus diz a Pilatos que sua realeza não é deste mundo. Significa que não lhe foi conferida pelos homens: não a obteve nem de sua nação nem dos Sumos Sacerdotes. Significa também que não a exerce como os demais soberanos: não tem guardas nem exércitos. Não faz “sentir seu poder”. Sua realeza, enfim, não é da mesma natureza que as outras: não visa a conter e reprimir a possível violência das relações humanas, projeto que supõe o exercício de uma violência ainda maior, de coerção. O poder de Cristo se faz exercer suprimindo do universo a raiz mesma da violência. Aqui é preciso entender violência em sentido mais amplo: toda tentativa de fazer a nossa vontade substituir a liberdade dos outros. Mas como se pode reinar sem se impor? É o que Jesus (o) diz a Pilatos: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade”. Mas o que é a verdade? Em sentido mais amplo, é o próprio Deus, mas podemos buscar ser mais precisos: para o homem, verdade é o que faz com que ele realmente exista, o que o põe em sintonia com a sua criação, o que realiza o sentido da sua criação. Já a mentira, pelo contrário, é o que o extravia desta direção, conduzindo-o a uma via sem saída, levando-o a um impasse. Há, portanto, uma concordância implícita entre o homem e o testemunho de Cristo: a verdade se impõe (poder) porque é a vida mesma do homem. Por isso São Paulo diz que “só temos poder em favor da verdade” (2 Cor 13,8). Verdade que supera quem a anuncia. O que justifica o poder de Cristo é que ele convoca o homem à sua perfeição.

A tomada do poder

Por um lado, e é fundamental, Cristo toma o poder por uma demonstração: submetendo-se à violência (submissão que é o contrário do poder), Ele mostra que o verdadeiro poder não é o poder-dominação. Ele manifesta a vaidade e a perversidade das condutas que visam a dispor dos outros. Este aniquilamento de Cristo é apresentado por João como uma “elevação”: o Cristo crucificado foi levantado da terra e neste momento todos os olhares se voltaram para Ele. Ele atrai todos os homens porque a verdade atrai tudo o que existe em nós de verdadeiro. Por que a palavra “demonstração”? Porque Jesus põe diante de nossos olhos, a nu, o pecado do homem, a sua mentira, e a verdade do amor. Ele não nos impõe a verdade, pois seria voltar às atitudes de violência que são o contrário da verdade e, portanto, não teria sentido. Ele nos mostra a verdade e “todos os que são da verdade escutam a sua voz” e se tornam discípulos. Esta é a Realeza de Cristo, que não se assemelha a nenhuma outra, porque se apresenta sob a figura do contrário da realeza. O Senhor é quem se faz servidor, e não pode ser senhor senão quem se faz servidor.

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Neste último domingo do ano litúrgico, o evangelho de Marcos cede o lugar ao evangelho de João. Jesus comparece diante do representante do imperador romano, mas ele não tem nada a ver com o título de rei que Pilatos quer vesti-lo. Ele é rei, mas não como os reis deste mundo: ele é o menor entre os homens. O Cristo dos evangelhos pregou o Reino e evitou se apresentar como rei para não ser confundido com os reis da terra. E se a Igreja o celebra como rei, trata-se de um rei único, estranho, sem pais nem coroa, sem cavalos nem soldados. Ele é um rei servidor, um rei pastor, um pastor, um rei… pobre. E para entrar nesse Reino que ele promete, é preciso lutar para que se tornem reis… os pobres, os pequenos, os não amados, os excluídos. Aí está a sua verdade! Uma verdade que o próprio Pilatos não quer compreender. Imediatamente após o evangelho de hoje, Pilatos diz a Jesus: “O que é a verdade?” (Jo 18,38). A partir das três leituras de hoje, que podemos dizer sobre o reinado de Cristo?

Um Filho de homem

O autor do livro de Daniel, no capítulo 3, narra um sonho (Dn 7,2-14) e a sua interpretação (Dn 7,15-25). Daniel, que vive durante a grande perseguição grega contra a religião judaica, sob o reinado de Antíoco IV Epifânio (175-164 AC), se transporta à corte de Babilônia no século antes da nossa era, e conta, em símbolos, o desenvolvimento da história até o presente da sua vida. Os quatro impérios que se sucederam – Babilônio, Medo, Persa e Grego – são simbolizados por bestas místicas cada vez mais ferozes, saídas do mar, lugar das potências hostis a Deus. Essas bestas são: um leão com asas de águia para Babilônia, um urso que representa os Medos, um leopardo com quatro cabeças e quatro asas de pássaro nas costas para o império persa, e uma quarta besta mais aterrorizante que as outras, com dentes de ferro e onze cornos: dez cornos para simbolizar o império grego, e a décima primeira representa o próprio Antíoco IV Epifânio; a medida está cheia, o máximo é atingido, o Deus mestre do mundo não pode deixar de intervir. O monstro deve ser destruído e, com ele, todo o poder do mal que é a sua emanação (Dn 7,11-12).

É então que, para tomar o lugar desses reinados bestiais, Daniel vê aparecer como um Filho de homem, alguém que tem forma humana. Esse Filho do homem não possui nem as presas do leão, nem as garras do urso ou do leopardo e tampouco os dentes de ferro da Besta. Esse Filho do homem, na cabeça do profeta, não é um indivíduo; ele é uma coletividade. Ele representa o pequeno grupo dos israelitas que ficaram fiéis ao Deus da Aliança, apesar das perseguições sangrentas de Antíoco IV Epifânio. Esses juízes não têm defesa diante das potências dos seus adversários, mas Deus lhes assegura seu triunfo definitivo. É a Boa Nova anunciada pelo profeta Daniel que podemos ler no trecho de hoje.

Após as ditaduras horríveis que se sucederam, Deus não pode fazer outra coisa senão fundar um Reino representado por outra figura humana a quem confiar-se, como na hora da primeira criação, quando Deus criou o homem (Adão), à sua imagem e semelhança, o poder sobre toda a criação: “Foi-lhe dado poder, glória e reino” (Dn 7,14). Muito depois, quando o império grego foi substituído pelo império romano, tão cruel como os precedentes, se desenvolve a esperança messiânica. Nesse momento, o Filho do homem tomará o rosto de um indivíduo, de um messias esperado, que os primeiros cristãos identificaram como Jesus ressuscitado.

Os sacerdotes

Segundo o Apocalipse de São João, Jesus Cristo, pela sua fidelidade a Deus, pelo seu amor incondicional por todos os humanos, pelo dom de sua vida, pela sua ressurreição, tornou-se soberano dos reis da terra, não sozinho mas com todos aqueles e aquelas que o reconheceram como tal: “Ele que fez de nós um reino, sacerdotes para Deus, seu Pai” (Ap 1,6). Dito de outra forma, em Jesus Cristo se cumpriu a palavra do livro de Levítico segundo o qual o povo de Deus é depositário do reinado do próprio Deus e, com esse título, é encarregado da função sacerdotal em favor de todo o universo. O que quer dizer que todos os cristãos de todos os tempos partilham o reinado de Cristo e seu sacerdócio, isto é, a sua função de intercessor pelas nações. O Reino é, então, um reino de sacerdotes no qual Cristo, o primeiro nascido dentre os mortos, e nós, os cristãos de todos os tempos, exercemos o reinado pelo nosso sacerdócio batismal.

Então, nós somos sacerdotes não só pelo sacramento da ordem reservada aos homens, mas também pelo sacramento do batismo dado a todos: homens e mulheres. E é pelo batismo que somos cristos ressuscitados. Então, por que reservar o ministério sacerdotal somente aos homens? Coloca-se a pergunta e a resposta não é satisfatória, pois o sacerdote não representa Jesus de Nazaré, que era um homem, mas o Cristo ressuscitado que não tem sexo…

Um testemunho da verdade

No evangelho de João como nos sinóticos, a Paixão de Jesus é situada sob o sinal do seu reinado. Mas atenção! É um reinado bastante paradoxal: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue às autoridades dos judeus. Mas agora o meu reino não é daqui” (Jo 18,36). Como bem fala o teólogo belga, Jacques Vermeylen: “O Reino de Jesus não é a imagem das organizações políticas, onde todo mundo é obrigado a servir a um só, onde o poder de um significa a humilhação ou a submissão dos outros. Nesse reinado é o servidor (o escravo, o último dos últimos na sociedade) que reina, e a sua lei é aquela de um serviço mútuo, para a construção de uma fraternidade”.

Por outro lado, como o título de rei fica ambíguo, o Jesus do evangelho de João toma distância. À pergunta afirmativa de Pilatos: “Então tu és rei?” (Jo 18,37), Jesus responde: “Você está dizendo que eu sou rei” (Jo 18,37). Jesus não rechaça o título, mas ele especifica o conteúdo: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37). A verdade em São João não é uma realidade abstrata, intelectual, mas uma pessoa: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). A verdade bíblica é sinônimo de fidelidade: fidelidade ao Deus da Aliança, às suas promessas de libertação, a seu engajamento com os pobres, os pequenos, os feridos da vida, os esquecidos, os excluídos. Não podemos estar na verdade sem privilegiar os pobres… Em Mateus, a pobreza é mesmo um sacramento: aquele da presença do Ressuscitado: “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25,40).

O Cristo, rei do universo, não tem nenhum poder, se não for aquele do amor incondicional que o faz Testemunha da Verdade. Esse reinado não está totalmente estabelecido porque nós estamos associados, e acontece muito frequentemente como Igreja, que projetamos os nossos desejos de onipotência… e isso atrasa o evento do Reinado de Deus no mundo. A esse respeito o exegeta francês Jean Debruynne traduz com eloquência essa maravilhosa realidade: “Essa festa real, esse coroamento de Jesus, esse sagrado (sacre) é uma massacre (massacre). A coroa desse réu é de espinhos, o manto real é um pano vermelho… Mas o paradoxo quer que seja Pilatos, o representante do imperador de Roma, que concede por si só, sem se dar conta, o título de rei a Jesus. É Pilatos que mandará cravar na cruz de Jesus o sinal que o designa como o rei dos judeus… O único reinado de Jesus é aquele de um crucificado. Isso não impedirá os cristãos de sonhar com o dia em que possam disfarçar a Deus de rei ou de imperador”. E eu acrescentaria, é o que a Igreja infelizmente fez na história… e continua fazendo hoje…

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Um filho do homem

“… um como filho do homem”. A primeira leitura não nos fala que Deus toma o poder, mas sim “um filho do homem”. Isto quer dizer que a humanidade está destinada a dominar sobre tudo o que lhe é contrário. O filho do homem acabará por se chamar Filho do homem. O que pode significar que a humanidade, hoje, está em gestação e irá dar à luz um homem novo, do qual o Cristo representa a entrada, a antecipação. Jesus fala em “Reino de Deus”, no futuro, mas, às vezes, também no presente: ele está “no meio de vós”. De fato, o homem novo, o Cristo, viveu entre nós e permanece conosco, desde que, pelo amor, nos tornemos um só corpo. Tudo isso, no entanto, permanece escondido, e só será revelado quando ele vier em sua “Glória”, que será a glória também da humanidade, do “Filho do Homem”. Este tema da realeza é para nós sempre um pouco estranho, e temos dificuldade em conceber a nossa relação com Deus como sendo uma relação entre um soberano e os seus súditos. Compreendemos que o Cristo não assume o poder sobre nós, já que não somos súditos, mas filhos, herdeiros do Reino (Gálatas 4,1-7). O Cristo toma sim o poder, mas sobre tudo o que nos sujeita, as famosas dominações e potestades de que fala Paulo tantas vezes e que representam tudo o que entrava a nossa liberdade. Para isso, teve de ser “elevado da terra”, o que, em São João, significa ser crucificado. Submetendo-se a estas potestades, Jesus parece dizer: não têm importância nenhuma, elas não podem nada contra nós, pois não podem nos impedir de amar. E ele nos mostra isso.

A Realeza de Cristo

A expressão Cristo Rei é de fato um pleonasmo, porque a palavra Cristo já designa quem recebeu a unção real. Todo o povo é que por vezes é chamado de Cristo, o que nos traz de volta ao parágrafo precedente. Mas como se exerce a realeza do Filho do homem? Vimos que ela consiste em tomar o poder sobre tudo o que nos é contrário. “Tudo pertence a vós… o mundo, a vida, a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1 Coríntios 3,21-23). Esta última frase implica que só alcançaremos a realeza participando da realeza de Cristo. Cabeça e membros, por certo, se fazem somente um, conforme outra imagem usada por Paulo. Mas a cabeça é que inspira os membros. Se a relação de Cristo para conosco não é uma relação de autoridade, no sentido corrente da palavra, em que consiste ela então? O evangelho nos dá a resposta. Jesus diz a Pilatos “Eu sou rei”, e faz questão de precisar que a sua realeza não é como as que são exercidas neste mundo. O único poder que o Cristo exerce é o de atração da verdade, da nossa própria verdade, esta que faz de nós seres humanos. Parece estarmos ouvindo Jesus dizer, em João 6,44: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o atrair.” E esta atração, exercida por nossa Origem, para nos levar ao nosso ser verdadeiramente, “de verdade”, nos deixa plenamente livres; daí vêm todos os nossos problemas.

A festa do nosso futuro

Quer falemos do Cristo Rei, da Ascensão de Jesus, Filho do homem elevado acima de tudo, da sua entrada na glória, quer digamos, como no Credo, que ele está sentado à direita do Pai, estamos dizendo a mesma coisa: que aquele que em si mesmo assumiu a nossa humanidade conquista a verdade do amor ao se entregar para os outros e, por aí, entrando na alegria plena. Ao fazer isto, ele traça o caminho que devemos seguir se quisermos encontrá-lo aonde ele chegou. “Diante de mim, abriste uma passagem.” Não somos mais prisioneiros de um destino de morte. Por isso, quando celebramos a festa de Cristo Rei estamos celebrando a nós mesmos. O que nos desconcerta é que só chegamos a este futuro de verdade e vida (João 14,6) tendo atravessado o pior: o fracasso, a doença, o luto, a morte. Por que razão o nascimento de nossa verdade tem de passar por tudo isso? O famoso problema do mal nunca recebeu uma solução satisfatória. Mas ele existe entre nós e nos deixa marcados de uma conivência às vezes desconcertante. Temos dificuldade em acreditar na vida e na alegria. No entanto, nada podemos fazer, tendo em vista o nosso acesso a este Reino, sem a fé e a esperança no amor que nos faz existir. Na base da nossa recusa e das nossas hesitações está o medo que, justamente, é o contrário da fé. O medo nos subjuga e nos bloqueia no caminho da liberdade. Ler a fórmula surpreendente de Hebreus 2,15: “Libertar os que, por medo da morte, passavam a vida numa situação de escravos”.

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Que estranho modo de se proclamar Rei! O Cristo da Paixão, em diálogo com o procurador romano (Evangelho), tem as insígnias de rei: uma coroa na cabeça, um manto vermelho, as saudações obsequiosas por parte dos soldados… Tudo sinais de um rei fracassado! Os chefes religiosos, a gente na rua, os soldados romanos estão convencidos disso: julgam que o venceram, que o aniquilaram: Pilatos fica perplexo diante da serenidade de um homem que, apesar de se encontrar naquelas condições, continua a dizer-se rei, ainda que um reino que não é deste mundo. Pilatos não é capaz de entender esta linguagem, e nem sequer o discurso sobre a verdade (v. 36-37). As suas perguntas inquisitórias têm um sentido político: basta-lhe ter compreendido que aquele sujeito, tão maltratado, não constitui uma ameaça para o império de Roma. Ainda hoje, está longe de ser uma ameaça o sinal do homem-Deus crucificado, pendurado numa parede. É antes um benefício objectivo! Compreende-o tranquilamente qualquer pessoa minimamente informada, que tenha um coração recto e livre de ideologias desviantes.

Será o próprio Pilatos, representante do império mais poderoso do mundo, a reconhecer a realeza de Cristo, com aquela tabuleta afixada à cruz: «Jesus Nazareno, Rei dos Judeus» (Jo 19,19). Jesus incarna o verdadeiro «filho do homem», aquela misteriosa figura – prelúdio de um novo povo! – anunciada pelo profeta (I leitura), que recebe de Deus poder e reino junto de «todos os povos, nações e línguas»: um reino que «jamais será destruído» (v. 14). O povo de Daniel, naquele momento, experimenta a opressão, mas não renuncia a sonhos grandiosos para o futuro. O povo do novo Reino terá como ponto de convergência o Cristo. Trespassaram-no, mas Ele é o Alfa e o Ómega» (II leitura).

Jesus não renuncia ao seu título de rei, mas esvazia-o das coisas vãs dos reinos deste mundo e enriquece-o de conteúdos novos, evangélicos: quem é o primeiro deve servir os outros; não se alia com os poderosos e ricos, mas escolhe estar do lado dos últimos; não dá ordens, mas obedece; não mata ninguém, mas morre Ele por todos; o importante não é ser servido, mas fazer-se servidor.

Pilatos mostra a todos, o homem, o rei fracassado, coroado de espinhos… Jesus já proclamou várias vezes a sua identidade, o seu Evangelho. Quem o quis compreender, compreendeu. Agora Jesus está ali, diante de todos, aguarda em silêncio. Cada um tem de dar a sua resposta pessoal, fazer a sua escolha de vida: optar pela vida fácil do poder e das riquezas, ou triunfar fazendo-se discípulo humilde e pobre de um rei fracassado, crucificado e ressuscitado. Por amor! Seguir os passos de um rei vencido pode parecer um empreendimento votado ao fracasso, e todavia o Reino de Deus não fracassa! Apesar das contínuas recusas por parte da liberdade humana, Deus não se dá por vencido. Ele encontra sempre novos caminhos para realizar o seu plano de salvação para toda a família humana.

Nesta obra de salvação, Deus quer envolver muitos amigos e empenhá-los na Missão em todo o mundo. Os modos e os tempos de envolvimento são múltiplos. A par de iniciativas que dão visibilidade à obra evangelizadora (congressos, sínodos, documentos, publicações…), há um trabalho capilar e escondido de missionários e de missionárias; há a presença contínua de sacerdotes e de leigos educadores e catequistas; há os gestos generosos de crianças e jovens; há o apoio de oração e sofrimento oferecidos pelos doentes; há o empenho pela promoção da justiça e dos direitos das pessoas mais frágeis; e muitas outras iniciativas que, apesar de limitadas e discretas, contribuem para renovar e alimentar o ardor missionário pelo Reino de Deus.