
P. Manuel João, comboniano
Reflexão do Domingo
da boca da minha baleia, a ELA
A nossa cruz é o pulpito da Palavra
XXIX Domingo do Tempo Comum (B)
Marcos 10,35-45: “Entre vós, porém, não é assim!”
Descer e mergulhar: a vocação cristã
O Evangelho deste XXIX domingo nos convida a refletir sobre outro aspecto fundamental de nossa vida pessoal e social. Depois de tratar dos temas do casamento e da riqueza, hoje trata-se do poder. Esses três temas — afetos, bens e relações — formam uma tríade que, de certo modo, abrange toda a nossa existência.
As três questões são abordadas na parte central do evangelho de Marcos (capítulos 8-10). Trata-se de três catequeses de Jesus, dirigidas especialmente aos Doze, sobre a especificidade da conduta do discípulo.
O contexto desses ensinamentos é particularmente significativo: por três vezes, Jesus anuncia sua paixão, morte e ressurreição. No entanto, a cada vez, os discípulos reagem com incompreensão, assumindo atitudes que contrastam profundamente com a mensagem que Jesus procura transmitir. O episódio do pedido de Tiago e João, narrado no Evangelho de hoje — ou seja, sentar um à direita e o outro à esquerda de Jesus — é emblemático nesse sentido. Talvez por respeito a essas duas “colunas” da Igreja, Lucas omite o relato, enquanto Mateus atribui esse pedido à mãe deles (20,20-24).
O momento em que o episódio ocorre é muito peculiar. O grupo estava subindo para Jerusalém. “Jesus caminhava à frente deles, e eles estavam assustados; aqueles que o seguiam estavam com medo”. E, mais uma vez, pela terceira vez, Jesus anuncia com mais detalhes o que está prestes a lhe acontecer em Jerusalém. Usa sete verbos, pesados como pedras: será entregue (às autoridades judaicas), condenado, entregue (aos pagãos), zombado, cuspido, açoitado, morto… Mas depois de três dias ressuscitará (Marcos 10,32-34).
Neste contexto dramático, Tiago e João, os filhos de Zebedeu, chamados por Jesus de “Boanerges” (filhos do trovão), se aproximam para fazer um pedido: “Mestre, queremos que nos concedas o que te pedirmos”. Eles não pedem um favor, mas fazem uma exigência: “Permite que nos sentemos, na tua glória, um à tua direita e outro à tua esquerda”. Um pedido feito com ousadia diante de todo o grupo, que revela suas expectativas de um messianismo terreno. Enquanto caminham, eles já pensam em se sentar. Enquanto Jesus fala de sofrimento e morte, eles pensam em glória. Podemos intuir as motivações de sua exigência: estavam entre os primeiros a serem chamados, faziam parte do grupo privilegiado (Pedro, Tiago e João) e, talvez, fossem também primos de Jesus, filhos de Salomé, provavelmente irmã de Maria. Jesus responde com tristeza: “Vós não sabeis o que pedis!”.
Então Jesus continua, com uma pitada de ironia: “Podeis beber o cálice que eu bebo, ou ser batizados no batismo com que sou batizado?” Ou seja, estais prontos a compartilhar o meu destino de sofrimento? Eles respondem com firmeza: “Podemos”. Em parte, seu pedido será atendido. Tiago será o primeiro apóstolo a ser martirizado, no ano 44, e, segundo algumas tradições, João também morrerá mártir. Mas quanto a sentar-se à direita e à esquerda de seu “trono de glória” (que será a cruz!), esse lugar já estava reservado para outros: os dois ladrões que seriam crucificados com Jesus.
Os outros discípulos, ao ouvir tudo isso, indignam-se. É compreensível, visto que há algum tempo haviam discutido sobre quem era o maior entre eles! Nesse ponto, Jesus os chama e, com paciência, dá uma catequese sobre o poder: “Quem quiser ser grande entre vós, seja o vosso servo (diakonos), e quem quiser ser o primeiro, seja escravo (doulos) de todos. O Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. Jesus, o ‘Filho do Homem’, revela um rosto e um nome de Deus inédito e desconcertante: o Servo! Aquele que se despojará e se ajoelhará diante de cada um de nós para lavar nossos pés.
Reflexões
Todos somos filhos de Zebedeu!
Em cada um de nós há um desejo de ser o primeiro. Sede de poder, ambição na sociedade, carreirismo na Igreja: quem pode afirmar que está isento disso? Mas o Senhor não nos pede para ocupar o último lugar absoluto — esse lugar Ele reservou para si mesmo — mas sim para assumir um papel de serviço, na família, no trabalho ou na Igreja, com humildade e gratuidade, sem exigências. Neste serviço, encontraremos Jesus como companheiro, e isso nos fará realmente “reinar” com Ele. Às vezes, essa escolha nos levará a sermos também “crucificados”, mas nesses momentos começaremos a conhecer qual é “a largura, o comprimento, a altura e a profundidade… do amor de Cristo” (Efésios 3,18-19).
Descer e mergulhar.
Cada palavra de Jesus nos coloca diante de uma escolha. Como disse o Papa Francisco: “Estamos diante de duas lógicas opostas: os discípulos querem sobressair, Jesus quer se mergulhar”. À lógica mundana, “Jesus opõe a sua: em vez de se exaltar sobre os outros, descer do pedestal para servi-los; em vez de se sobressair sobre os outros, mergulhar na vida dos outros.” (Angelus 17.10.2021). Com o batismo, escolhemos essa lógica do serviço. Somos chamados a descer de uma posição de cômodo alheamento e mergulhar na vida do mundo, nas situações de injustiça, sofrimento e pobreza. Se a sociedade está se afastando de Deus, nossa missão é sair e ir aos “cruzamentos das estradas” para levar a todos o convite do Rei, como o Papa nos lembra na mensagem para o Dia Mundial das Missões que celebramos hoje.
P. Manuel João Pereira Correia, mccj