
7MARGENS | 4 Set 2024
A violência étnica e religiosa na Nigéria já custou a vida a quase 56 mil pessoas ao longo dos últimos quatro anos. De acordo com um relatório do Observatório para a Liberdade Religiosa em África as vítimas eram “desproporcionadamente cristãs”, noticiou a Catholic News Agency nesta terça-feira, 3.
O relatório, divulgado no passado dia 29 de agosto, revelou mais de 11 mil incidentes de violência extrema entre outubro de 2019 e setembro de 2023. A violência deixou 55.910 pessoas mortas em 9.970 ataques mortais – bem como 21.621 pessoas raptadas em 2.705 ataques. O número total inclui mortes de civis, mortes de grupos terroristas e mortes das Forças Armadas da Nigéria. Do total de mortos, 30.880 eram civis. Entre estes, pelo menos 16.769 cristãos foram mortos, além de 6.235 muçulmanos e 154 seguidores de religiões tradicionais africanas. A religião de 7.722 vítimas é desconhecida.
A perda proporcional de cristãos, no entanto, foi muito maior nos estados onde os ataques ocorreram. O relatório concluiu que os cristãos tinham 6,5 vezes mais probabilidades de serem mortos nos episódios de violência que têm acontecido. Do mesmo modo, tendo em conta a população dos estados, os cristãos tinham 5,1 vezes mais probabilidades de serem vítimas de rapto.
“Milhões de pessoas foram deixadas sem defesa”, afirmou Frans Vierhout, analista sénior do Observatório da Liberdade Religiosa em África, em comunicado. “Durante anos, ouvimos falar de pedidos de ajuda que são ignorados quando os terroristas atacam comunidades vulneráveis”, acrescentou. “Agora os dados contam a sua própria história.”
Segundo este relatório, 81% dos assassinatos de civis foram ataques a comunidades locais. Cerca de 42% dessas mortes foram perpetradas por pastores fulani armados, que, segundo os investigadores, invadiram pequenas povoações agrícolas cristãs para matar, violar, raptar e queimar casas.
De acordo com os dados, os pastores fulani, que são muçulmanos sunitas, mataram pelo menos 9.153 civis cristãos e 1.473 civis muçulmanos em ataques comunitários. Desconhece-se a religião de pelo menos 1.267 vítimas dos ataques dos pastores fulani.
“Números surpreendentes, documentação irrefutável”
Pastor fulani, Nigéria. Foto © ACN
Pastor fulani armado na Nigéria: Este grupo tem sido acusado de muitos dos ataques terroristas. Foto © ACN
Cerca de 41% dos ataques a comunidades em terra tiveram origem numa variedade de grupos, que o relatório classifica como “outros grupos terroristas”. No entanto, o relatório afirma que a categoria “outros” provavelmente “consiste em diferentes grupos de ‘bandidos fulani’ que fazem parte das Milícias Étnicas Fulani … tal como os pastores fulani armados”.
Os “outros” grupos terroristas são responsáveis por 10.274 mortes em múltiplos ataques, que incluem pelo menos 3.804 cristãos e 2.919 muçulmanos. Desconhece-se a religião de cerca de 3.503 vítimas. Pelo menos 78 pessoas mortas por ataques de pastores fulani e de “outros grupos terroristas” pertenciam a religiões tradicionais africanas.
“As milícias étnicas fulani têm como alvo as populações cristãs, enquanto os muçulmanos também sofrem severamente às suas mãos”, afirmou em comunicado o reverendo Gideon Para-Mallam, outro analista do Observatório da Liberdade Religiosa em África. “Os raptores trabalham para os objetivos islâmicos”, acrescentou. “Onde as jovens são raptadas, torturadas e violadas sexualmente, a esperança de uma vida conjugal normal e de uma família pode desaparecer.”
Os grupos terroristas Boko Haram e Estado Islâmico Província da África Ocidental realizaram cerca de 11% dos ataques comunitários. O Boko Haram matou pelo menos 851 civis cristãos e 491 muçulmanos nesses ataques, desconhecendo-se a religião de 609 vítimas. O autodesignado Estado Islâmico matou pelo menos 265 cristãos e 127 muçulmanos, desconhecendo-se a religião de outras 296 vítimas.
Nina Shea, diretora do Centro para a Liberdade Religiosa do Instituto Hudson, disse à Catholic News Agency que “os números de mortos e sequestrados são surpreendentes e a documentação é agora irrefutável”. “Os militantes fulani estão a travar uma guerra religiosa, uma jihad, contra comunidades agrícolas cristãs indefesas em grandes áreas da Nigéria”, argumentou. “Igualmente inegável e chocante é o facto de o Governo nigeriano ter assistido e tolerado estes ataques implacáveis durante muitos anos. O objetivo dos militantes de erradicar a presença cristã através do assassínio, da conversão forçada ao islão e da expulsão da sua pátria parece ser partilhado pelo governo de Abuja [a capital da Nigéria], caso contrário tomaria medidas.”
Shea criticou o Departamento de Estado dos Estados Unidos pela sua repetida recusa em designar a Nigéria como “país de particular preocupação”, uma lista de países responsáveis por graves violações da liberdade religiosa.
A Nigéria foi incluída pela primeira vez na lista em 2020, o último ano da administração do antigo Presidente Donald Trump. No entanto, foi removida em 2021, durante o primeiro ano da administração do Presidente Joe Biden. O relatório do Departamento de Estado atribuiu a violência nigeriana a “confrontos intercomunitários” e a uma competição por recursos.