P. Manuel João, comboniano
Reflexão do Domingo
da boca da minha baleia, a ELA
A nossa cruz é o pulpito da Palavra

Chegamos ao final do capítulo 6 do Evangelho de São João, que ouvimos durante cinco domingos. A passagem de hoje nos apresenta a reação dos discípulos de Jesus ao discurso que ele havia acabado de concluir na sinagoga de Cafarnaum. Não se fala mais da multidão ou dos judeus, mas do grupo de discípulos que tomam posição diante da afirmação de Jesus de ser o Pão/Palavra, alimento e bebida, descido do céu.

O trecho se divide em duas partes. Na primeira, encontramos o grupo de seus seguidores que murmura: “Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?”. Esses discípulos se escandalizam e decidem ir embora. Na segunda parte do texto, Jesus interpela os Doze, perguntando-lhes: “Também vós quereis ir embora?”. Pedro faz-se porta-voz do grupo e responde: “Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus”.

O ambiente está carregado de tensão, quase palpável. À medida que Jesus revela o sentido profundo do sinal que havia operado, o desconforto, a murmuração e a crítica se apoderam de todo o seu público: a multidão, depois os “judeus”, ou seja, os líderes religiosos seus adversários, e agora até mesmo o grande grupo de discípulos que o seguiam, atraídos mais pelos seus milagres do que pela novidade da sua mensagem. E então acontece algo inesperado: o maior sinal operado por Jesus, reconhecido como o sinal messiânico que todos esperavam (“Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo!”, 6,14) torna-se o seu primeiro grande fracasso. A situação se inverteu. Não que Jesus tenha sido tomado de surpresa. Na verdade, desde o dia anterior, quando o povo queria “apoderar-se dele” (v.15) para fazê-lo rei, Jesus já havia percebido toda a ambiguidade das expectativas da multidão. Satanás havia voltado para tentá-lo!

Como Jesus explica essa situação? Existem dois tipos de mentalidade que disputam o coração do homem: a carne que “não serve de nada” e o Espírito que “dá vida”. O espírito da carne age por instinto, enquanto o Espírito de Deus age pela fé. A fé, no entanto, não é uma conquista do homem, mas um dom de Deus: “Por isso é que vos disse: Ninguém pode vir a mim, se não lhe for concedido por meu Pai”.

Este é um momento dramático de crise no ministério de Jesus, que corresponde ao seu insucesso em Nazaré, relatado pelos três evangelhos sinóticos. Lá, Jesus havia reagido com admiração, aqui com amargura. Não pensemos que Jesus fosse insensível à reação de seus ouvintes! Ele também experimentou todos os nossos sentimentos. Neste caso, podemos imaginar que ele tenha sentido tristeza, frustração e amargura pela dureza de coração dos ouvintes.

E os Doze? É a primeira vez que o grupo aparece no evangelho de São João. Talvez nem eles tenham entendido muito bem, e uma mistura de pensamentos e sentimentos enchera de confusão suas mentes e corações. Pedro fala aqui pela primeira vez e, com sua profissão de fé, ajuda o grupo a reencontrar a unidade. Mas nada será como antes. Além da incredulidade e do abandono de muitos, flutua agora sobre o grupo a nuvem negra do anúncio de uma traição.

Pontos de reflexão

1. “Escolhei hoje a quem quereis servir!” Existem momentos em que somos forçados a tomar uma decisão e a comprometer nossas vidas. “Escolhei hoje a quem quereis servir”, diz Josué às doze tribos reunidas em Siquém (Josué 24). “Também vós quereis ir embora?”, pergunta Jesus aos Doze. Nós, infelizmente, às vezes tendemos a adiar decisões e a seguir em frente com um pé em dois sapatos, tentando manter todas as possibilidades abertas. Mas quem tudo quer, tudo perde!

2. “Mesmo que todos te abandonem, eu nunca te abandonarei!”. Impressiona o facto de que Jesus esteja disposto a deixar partir também o grupo dos Doze e a retomar a missão sozinho. Sozinho, mas firme! No momento supremo, ele dirá: “Vocês me deixarão só; mas eu não estou só, porque o Pai está comigo” (João 16,32).
Neste momento histórico em que a fé cristã já não goza mais do consenso social, quando se cumpre, mais uma vez, a palavra do evangelho: “Muitos dos discípulos afastaram-se e já não andavam com Ele”, precisamos de cristãos sinceros e generosos como Pedro. Que Deus permita que, apesar da consciência de nossa fragilidade, possamos dizer, num impulso de confiança simples como a de uma criança: “Se todos se escandalizarem de ti, eu nunca me escandalizarei!” (Mateus 26,33).

3. Evangelizar nossos fracassos. Todos nós acumulamos experiências e lembranças de fracassos e insucessos que podem se tornar um fardo em nosso caminho. Muitas vezes, nem sempre o tempo as cura. Precisamos de evangelizar os nossos fracassos. Com o passar dos anos, percebemos que nossa vida não é uma marcha vitoriosa de colheita de triunfos e medalhas, como havíamos sonhado. Aceitar com serenidade nossa fragilidade e nossos limites, reconciliar-se com a própria realidade, enfrentar as derrotas sem desanimar, é o único caminho para recuperar a nossa liberdade interior e alcançar a paz.

P. Manuel João Pereira Correia, mccj