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Jesus chegou a casa com os seus discípulos. E de novo acorreu tanta gente, que eles nem sequer podiam comer.
Ao saberem disto, os parentes de Jesus puseram-se a caminho para O deter, pois se dizia: «Está fora de Si». Os escribas que tinham descido de Jerusalém diziam: «Está possesso de Belzebu», e ainda: «É pelo chefe dos demónios que Ele expulsa os demónios». Mas Jesus chamou-os e começou a falar-lhes em parábolas: «Como pode Satanás expulsar Satanás? Se um reino estiver dividido contra si mesmo, tal reino não pode aguentar-se. E se uma casa estiver dividida contra si mesma, essa casa não pode durar. Portanto, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não pode subsistir: está perdido. Ninguém pode entrar em casa de um homem forte e roubar-lhe os bens, sem primeiro o amarrar: só então poderá saquear a casa. Em verdade vos digo:Tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e blasfémias que tiverem proferido; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: será réu de pecado para sempre». Referia-Se aos que diziam: «Está possesso dum espírito impuro». Entretanto, chegaram sua Mãe e seus irmãos, que, ficando fora, O mandaram chamar. A multidão estava sentada em volta d’Ele, quando Lhe disseram: «Tua Mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura». Mas Jesus respondeu-lhes: «Quem é minha Mãe e meus irmãos?». E, olhando para aqueles que estavam à sua volta, disse: «Eis minha Mãe e meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus esse é meu irmão, minha irmã e minha Mãe».

Queridos irmãs e irmãos,
A leitura do livro do Génesis começa com uma pergunta inesperada mas necessária: “Onde estás?” Deus pergunta à sua própria criatura: “Onde estás?”

“Onde estamos nós?” é uma pergunta existencial e espiritualmente obrigatória: porque é partindo do lugar onde estamos que nós podemos fazer um caminho, é abraçando e aceitando o lugar onde estamos que uma transformação pode acontecer, que a receção do dom de Deus e do acolhimento de Deus pode acontecer.

É claro que os rabinos diziam que esta era a pergunta mais estranha que aparecia no Antigo Testamento, porque Deus é Omnisciente, Ele sabe tudo. Se Deus sabe tudo, porque é que Ele pergunta ao homem “Onde estás?”. Então, esta seria talvez a única palavra da Bíblia desnecessária, redundante. Deus faz a pergunta mas já sabe a resposta. E se Deus faz a pergunta e não sabe a resposta, quer dizer que não é Omnisciente, e então esta pergunta também é uma pergunta que coloca problemas colossais em termos teológicos.

Eu acho que o que está aqui em causa não é o debate a saber se Deus faz a pergunta sabendo a resposta ou ignorando a resposta. O importante é que Deus faz a pergunta. Deus fez a pergunta e continua hoje, a cada um de nós, a fazer a pergunta: “Onde estás?”

Porque se Deus tem desejo de vir ao nosso encontro e tem esse desejo incondicional e eterno de tocar a mulher e o homem que nós somos, Deus faz-nos essa pergunta: “Onde estás?”

E “onde estás” não apenas no sentido geográfico, mas no sentido existencial, no sentido psicológico, no sentido biográfico, no sentido invisível: “Onde é que tu estás? O que é que estás a viver? O que é de ti? ”

E nós sabemos que é muito fácil enganar-se nesta resposta.

Aliás, o Evangelho de certa forma é uma expressão do engano, porque quando Jesus começou a sua atuação pública, a sua família ficou muito preocupada, pensou: “Esse lugar onde tu estás não é um bom lugar para ti, esse lugar é um lugar perigoso, esse lugar é um lugar do qual nós temos de retirar-te”… e então vão ter com Jesus precisamente para o retirar daquele lugar, porque não compreendiam ainda, até ao fundo e até ao fim, a missão de Jesus, a identidade de Jesus, o que é que Ele estava a fazer. E julgavam-no como ilegítimo, como um perigo.

Por isso o lugar onde nós estamos é um lugar que cada um de nós tem de responder. E na nossa oração é importante que nós possamos dizer a Deus onde estamos, dizer: “Senhor, eu estou aqui, eu estou neste lugar.”

Porque é desse reconhecimento do lugar onde estamos que nasce verdadeiramente a possibilidade de um encontro, e de um encontro que nos salve.

A vida espiritual não pode ser só um encontro de funções, um encontro de papéis, um encontro de fórmulas. Tem de ser um encontro de pessoas, porque a oração é um verdadeiro abraço de Deus à minha vida, à minha história.

Por isso o que eu transporto, o que eu vivo, o que eu sou, a intercessão das múltiplas variantes da minha existência não são coisas indiferentes. Não é: “Deus tanto me ama a mim como podia amar qualquer outra pessoa diferente do que eu sou….” Não, Deus ama-nos a nós, à nossa vida, Ele está interessado em vir ao encontro exato daquilo que nós somos. E para Ele não há obstáculo, não há limites.

Aqui, de facto, também o Antigo Testamento às vezes até parece blasfemo, está a “esticar a corda” para lá daquilo que é razoável, que põe em causa os próprios atributos de Deus. Porque, por exemplo, o Salmo 23, o Senhor é meu Pastor, vai dizer: “Se eu estiver no Inferno, Deus vai ao Inferno buscar-me, se eu estiver no vale da morte, Deus desce à morte, se eu estiver a atravessar a escuridão, Deus está na escuridão”.

Então Deus está em todo o lado, naqueles sítios em que pensamos “Bem, Deus não pode vir aqui porque esta é a minha miséria, esta é a minha confusão”. Deus vai aí arrancar-nos. Deus vai aí. Qualquer que seja o lugar onde nós estivermos, Deus vai aí ao nosso encontro. Vai para dar-nos uma palavra de esperança. Por isso não vale a pena escondermo-nos. Muitas vezes a nossa relação com Deus é um jogo de esconde-esconde, em que dizemos meias palavras, faz de conta, está e não está…como Adão que, por se sentir nu, esconde-se de Deus. E Deus pergunta: “Mas porque é que te escondes?’” E ele disse: “Porque eu estava nu.”

A nossa nudez, a nossa fragilidade, a nossa vulnerabilidade não é um impedimento. Estou convencido que não é o nosso pecado que nos afasta de Deus.

O que nos afasta de Deus é a descrença no Seu amor, a descrença na possibilidade que Deus tem de transformar a nossa vida. Porque Deus pode tudo. Dirá S. Paulo: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”. Por isso aquela coisa misteriosa que Jesus fala hoje no Evangelho de S. Marcos: “Tudo será perdoado aos filhos dos homens, há só um pecado que não é perdoado, é o pecado contra o Espírito Santo.”

Na história da teologia discutiu-se imenso sobre o que seria esse pecado contra o Espírito Santo que não tem perdão. Mas cada vez é mais claro que o pecado contra o Espírito Santo é não acreditar na força do Espírito Santo, é desarmadilhar, tirar o tapete ao próprio Deus, é dizer: “Não, Tu isto não podes salvar, esta parte de mim nem Deus consegue recuperar, isto é insalvável”… esse é o pecado contra o Espírito Santo. Porque Deus pode tudo, Deus é Deus, e não há nada em nós que Ele não possa salvar.

Por isso, não desesperemos da Salvação. Às vezes numa vida adulta o desespero expressa-se de muitas maneiras. E uma forma com que o desespero se expressa é o cinismo ou uma condescendência, que no fundo revelam o quê? Revelam esta dúvida que Deus possa fazer alguma coisa de mim: “Será que Deus pode de facto fazer alguma coisa de mim?” É importante que sintamos que Deus pode. Deus pode fazer destas pedras filhos de Abraão, Deus pode fazer do meu coração de pedra um coração de carne, Deus pode fazer da minha incerteza, da minha nudez um lugar de encontro, um lugar de reencontro. Deus pode.

O facto de Deus poder enche a nossa vida também de possibilidade, enche a nossa vida de projeto, enche a nossa vida de destino.

Queridos irmãos, esta coisa tão bela que S. Paulo nos diz hoje na Segunda Carta aos Coríntios: “Nós não olhamos só para as coisas visíveis, nós olhamos para as coisas invisíveis.”

Nós estamos aqui não apenas pelas coisas visíveis. E muitas vezes as coisas visíveis da nossa vida é a “espuma dos dias”, é esta coisa incerta, inacabada, impreparada, imperfeita, é este rame-rame, é esta rotina. Muitas vezes as coisas visíveis são o aspeto menos interessante da nossa realidade.

Mas nós estamos aqui não apenas para fixarmos os olhos nas coisas visíveis, nós estamos aqui para olhar para as coisas invisíveis.

E o que é para nós, neste momento das nossas vidas, olharmos para as coisas invisíveis? S. Paulo dá-nos uma ajuda: “As coisas visíveis são passageiras, as coisas invisíveis são eternas.”

Então, a grande sabedoria hoje para a nossa vida é colocar os olhos mais naquilo que é eterno do que naquilo que é passageiro. E isto implica de nós uma conversão, implica de nós uma transformação, mas nós não estamos sós.

Hoje um dos dramas trágicos da cultura contemporânea é que coloca o custo da existência apenas sobre cada um de nós. Nós só podemos contar connosco… ou acertamos ou erramos, mas a culpa é nossa ou o mérito é nosso. E estamos sozinhos perante uma aventura ontológica, uma aventura de ser que claramente é maior do que nós, claramente nos supera, porque nenhum de nós é uma ilha, para bem e para mal. Há coisas que nós herdamos, há coisas que vieram de longe, há coisas que nós não conseguimos mudar, não conseguimos fazer diferente e há coisas de bem que nos excedem, que são maiores do que nós. Mas a cultura contemporânea diz: “Não, é o indivíduo, és tu que tens a responsabilidade. És tu e és só tu!”

A visão cristã e católica da vida não diz isto, diz: “Nós somos responsáveis, nós somos sujeitos da nossa história, mas nós não estamos sós, nem no bem nem no mal. Por isso nós temos este diálogo interessante do jardim: Deus vem perguntar a Adão “Onde estás?” e ele reponde “Escondi-me porque estava nu”, “Mas quem te disse que estás nu?”, “Foi a Eva”, e Deus vai falar com Eva “ Mas então o que é que aconteceu?”, “Olha, foi a serpente”, e Deus no fim dá o castigo à serpente e diz “Olha, tu é que estiveste a enganar estes dois”…

Então, há um pecado social, há uma influência em nós, há um condicionamento da nossa vida que não depende de nós. E saber isto também nos liberta, porque às vezes carregamos o peso todo do mundo, esmagados por aquilo que não conseguimos nem vamos conseguir, porque nós não estamos sós e estamos numa luta que em grande medida é maior do que nós e nos ultrapassa, que é uma luta entre o mal absoluto e o bem absoluto. Por isso é que há a figura de Deus como a figura do bem e há a figura de demónio como a figura do mal, que também nos condiciona, também nos tenta, também nos limita, também nos empurra para a desesperança, também nos tira o chão debaixo dos pés.

O Papa Francisco fala muito desta figura que tenta diminuir a nossa vida.

Às vezes, nós cantamos um cântico de Taizé com uma letra do Irmão Roger que dizia: “Senhor, não deixes que a noite fale ao meu coração”. E às vezes a noite pesada, a noite escura, a escuridão fala ao nosso coração e condiciona o nosso coração. A culpa é nossa? É! Mas a culpa é também de existir noite, e não fomos nós que a inventámos. A culpa também é de tanta coisa má que já existia antes de nós e que nos enreda, que é uma armadilha para nós e nos rouba a nossa liberdade, nos seduz e nos engana.

Por isso a culpa não pode ser só do homem, individualmente, por isso dizemos: ”Não, é o Demónio que te tenta, é o Demónio que te quer vencer”. E Deus vira-se para a serpente e diz: “Tu fizeste isto às minhas criaturas”.

E a mesma coisa em relação ao bem. Há um bem que sentimos que é um dom, não teve mérito, não dependeu de nós, foi-nos dado… e o que nós podemos fazer é agarrar e agradecer, dizer “Obrigado”!

Com esta representação da vida, do bem e do mal, de Deus e do demónio, o que é que nós temos? Temos o Amor de Deus, a Misericórdia de Deus para com o ser humano, frágil no meio disto tudo, tantas vezes incapaz, tantas vezes condicionado.

Isto é para dizer-nos que nós não estamos sós nesta aventura, neste caminho que nós estamos a percorrer e que é no fundo a história da nossa vida. Nós não estamos sozinhos, Deus vem ao nosso encontro, Deus compreende-nos. Ele até compreende que nós falhamos, que nós nos estendamos ao comprido, Ele até entende como entendeu os primeiros pais no jardim.

Mas Ele não deixa de vir ao nosso encontro, Ele não deixa de perguntar “Onde estás?”, e não por uma curiosidade académica, mas por uma curiosidade de Amor. De vir recomprar-nos, redimir-nos, recuperar-nos, reintegrar-nos na dinâmica da Sua Graça, da Sua Ternura, da Sua Esperança.

Sintamo-nos por isso apoiados. Um cristão não está só, nós não estamos sós no meio da nossa noite. Ele está connosco, Ele entende-nos, Ele dá-nos a capacidade de ser, aquela capacidade, aquele reforço de que exatamente nós precisamos.

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Retomamos a leitura quase cursiva do Evangelho segundo Marcos, neste tempo per annum, e busquemos ficar muito atentos à especificidade da mensagem desse Evangelho.

Jesus já é reconhecido como mestre confiável, para alguns como um profeta que continua a missão de João Batista. Mas Jesus não habita no deserto, não vive em solidão e reuniu ao seu redor uma comunidade de discípulos e discípulas, entre os quais emergem 12 pela vida vivida junto dele e pela participação no anúncio da vinda do reino de Deus.

A palavra de autoridade de Jesus e a sua atividade de cuidado e cura dos doentes ativam muitas pessoas, que querem escutá-lo e vê-lo. Esse sucesso da sua pregação às vezes impede, de fato, que ele e sua comunidade se saciem até mesmo com um pouco de pão: não há tempo…

Quando Jesus está em casa, em Cafarnaum, as pessoas, sabendo onde ele se encontra, vão procurá-lo, e, assim, essa fama desperta preocupação na família de origem de Jesus e também na sua comunidade religiosa. Marcos ousa até atestar aquela desconfiança hostil a Jesus por parte dos “seus”, os familiares que, tendo vindo do seu vilarejo, tentam pôr as mãos nele, pegá-lo e levá-lo embora, julgando-o “fora de si”, exaltado, enlouquecido.

Jesus tinha feito escolhas de vida que, aos seus familiares, podiam parecer tolice e loucura. De fato, tinha abandonado a família, havia assumido uma vida itinerante, vivia a condição de celibatário, de não casado, infame para a cultura da época, e, com o seu sucesso, tinha feito inimizade com as próprias autoridades religiosas.

Julgado “subversivo”, portanto, devia ser detido. Mas não havia sido esse o destino dos profetas? Com o seu jeito de viver e de falar, de fato, o profeta perturba, por isso preferem calá-lo, julgando-o louco, delirante, até pensarem em eliminá-lo fisicamente (cf. Os 9, 7).

Mas a hostilidade dos familiares se soma à das legítimas autoridades judaicas. Os escribas, tendo descido de Jerusalém à Galileia, estão preocupados com a escuta de Jesus por parte das multidões. Se, para os seus familiares, Jesus está louco, os especialistas nas Sagradas Escrituras o consideram possuído por Belzebu, o chefe dos demônios, que – afirmam estes – trabalha nele para expulsar das pessoas os demônios inferiores.

Preste-se atenção: estes não negam que Jesus realiza uma obra de libertação, de cura das pessoas que ele encontra e cuida. Eles pensam que Jesus expulsa os demônios que mantêm os homens e as mulheres na escravidão, mas que faz isso como endemoninhado: nele, age o chefe dos demônios, Belzebu (literalmente: o senhor do esterco)! Essa é a insinuação e o julgamento daqueles que importam, das autoridades da comunidade religiosa a que Jesus pertence.

Mas Jesus os chama para si, desmascara-os e se dirige a eles com linguagem parabólica, mediante uma pergunta seguida por algumas afirmações: “Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela não poderá manter-se. Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído”.

O conceito expressado por Jesus é claro: se fosse verdade aquilo que os escribas dizem, se Satanás, através das suas ações, se insurgisse contra si mesmo, isso significaria que o seu poder está se arruinando, que ele não é mais vencedor, mas vencido.

Por isso, Jesus acrescenta, de modo decididamente convincente e incontestável: “Ninguém pode entrar na casa de um homem forte para roubar seus bens, sem antes o amarrar. Só depois poderá saquear sua casa”.

Jesus, portanto, pode expulsar Satanás porque o amarrou, porque tornou impotente aquele que é forte, desde a sua imersão no Jordão (cf. Mc 1, 9-11) e da sua luta contra Satanás no deserto (cf. Mc 1, 12-13).

Além disso, Jesus havia sido anunciado por João Batista como “o mais forte” (Mc 1, 7), aquele que, munido pela força de Deus, tem “autoridade” (exousía: Mc 1, 22) e pode mandar nos demônios que lhe obedecem (cf. Mc 1, 27).

Mas a resposta de Jesus se torna também uma advertência grave e ameaçadora, introduzida por um solene “Amém”: “Amém, em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno”.

Palavras duras, mas que devem ser acolhidas sem se entregar a fantasias ou imaginações sobre esse pecado contra o Espírito Santo. Na realidade, é um pecado banal, assim como o mal é banal; é um pecado que não requer maldades particulares, mas é simplesmente cometido por aqueles que veem e discernem o bem que é feito, mas, em vez de reconhecerem essa verdade, preferem chamá-lo de mal, atribuindo-o a Satanás. É o pecado que procede da inveja, do fato de não suportar que outro tenha feito ou faça o bem, porque se gostaria que apenas si mesmo fosse sujeito do bem; e, não querendo reconhecer em outro aquele bem que vem de Deus, prefere-se atribuí-lo ao demônio.

Aqueles escribas viam o bem realizado por Jesus, mas, em vez de reconhecê-lo como obra inspirada por Deus, optavam deliberadamente por imputá-lo a Satanás. Não reconhecer a obra de Deus, não reconhecer a ação do Espírito Santo, até inverter o olhar e o julgamento, atribuindo o bem realizado a Satanás, é realmente o pecado imperdoável, diz Jesus! E isso – lembremo-nos – é um pecado cometido muitas vezes por pessoas religiosas, até hoje na Igreja!

Como complemento do julgamento negativo sobre Jesus por parte dos seus e dos escribas, Marcostambém conta que a mãe e os irmãos de Jesus chegam à casa onde ele mora e, do lado de fora, mandam chamá-lo. Trata-se dos seus familiares, daqueles que haviam saído para levá-lo embora, julgando-o louco, ou Marcos se refere a outro episódio em que se destaca principalmente a mãe de Jesus?

Em todo o caso, o evangelista parece sublinhar que justamente os seus familiares que haviam declarado Jesus como fora de si (exéste), na realidade, permanecem fora (éxo), fora do espaço de Jesus. Ele é advertido: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura”. Querem encontrá-lo, mas ficam fora do seu espaço.

Jesus, de sua parte, não se move na direção deles, permanece no seu lugar, entre os seus discípulos, no meio da comunidade reunida em círculo ao redor dele e, voltando o olhar para esse grupo, diz com força: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

Desse modo, ele declara conhecer e viver os laços de uma nova família, a comunidade dos discípulos, laços que não nascem da carne ou do sangue, isto é, da história familiar, mas do fato de fazer a vontade de Deus. A proximidade a Jesus não é decidida pelo vinculo parental, mas se baseia na escuta da palavra de Deus, na realização da sua vontade, na vivência da fraternidade no vínculo do amor como filhos e filhas de um único Pai: Deus.

Após essa declaração de Jesus, portanto, devemos nos perguntar: quem está realmente fora e quem está dentro do espaço de relação e de comunhão com ele?

Certamente, essa página evangélica parece ser dura, e nós também nos perguntamos como a mãe de JesusMaria, viveu esse encontro perdido. Podemos responder que ela o viveu na fé, porque essas palavras de Jesus aparentemente duras, na realidade, atestam a sua grandeza: Maria cumpriu plenamente a vontade de Deus, por isso foi mãe para Jesus, digna de ser mãe na sua carne.

A leitura desse trecho adverte, em todo o caso, os discípulos e as discípulas de Jesus de todos os tempos: também eles conhecerão a desconfiança e a inimizade por parte da família de origem, conhecerão a oposição por parte das autoridades religiosas, sempre terão que se interrogar sobre a sua proximidade a Jesus, experimentável apenas no cumprimento da vontade de Deus, na realização da sua palavra e na acolhida da ajuda preventiva e gratuita da sua misericórdia.

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A tradução é de Moisés Sbardelotto