O texto de Paulo em Ef 6,10-17 apresenta o cristão como aquele que lutou até ao extremo contra o inimigo e o venceu com a própria morte. É uma passagem muito densa, rica em metáforas. É preciso ver que realidades Paulo queria anunciar através de tais metáforas.

A passagem pode ser dividida em três partes: a primeira parte contém duas exortações; segue, depois, na segunda, o motivo destas exortações; por fim, na terceira, o elenco da armadura espiritual com a qual devemos revestir-nos.

1) As duas exortações são: fortificai-vos no Espírito e revesti-vos da armadura de Deus. Portanto se trata-se de um conselho dado a alguém que se encontra diante de uma situação difícil.

A exortação a armar-se, a revestir-se, encontramo-la também em Rom 13,12 e em 2 Cor 1G,4. Aquela aos Efésios, porém, é a passagem na qual se desenvolve mais a metáfora da panoplía, a armadura completa do servidor de Deus, daquele que segue Jesus de perto.

2) O motivo: por que devemos armar-nos assim? Porque a nossa luta é uma luta espiritual, contra os principados, as potestades, os espíritos malignos. Podemos traduzir facilmente estas expressões numa realidade compreensível porque ela é de evidência diária. Ou seja, devemos viver numa atmosfera o espaço entre terra e céu que é invadida por elementos malignos, contrários ao Evangelho, inimigos de Deus. A atmosfera em que vivemos está saturada de potências contrárias a Cristo, e portanto a nossa luta anuncia-se difícil. Esta mentalidade, esta atmosfera que é fruto, em parte, do poder do mal e, em parte, do homem subjugado por este poder do mal, cria uma situação na qual estamos imersos e que nos ameaça de toda a parte. Daqui a necessidade de armar-se com a armadura de Deus.

3) Tal armadura é descrita com seis metáforas: o cinturão, a armadura, o calçado, o escudo, o capacete, a espada.

Que significa cada uma destas metáforas? Antes delas há uma exortação que permite compreender a situação na qual alguém se encontra: “Permanecei de pé”; em estado de alerta. Trata-se, pois, de pessoa pronta para a batalha; e é nesta situação de prontidão que é descrita a armadura.

A primeira metáfora é o cinturão da verdade. Esta verdade é arma para nós? Para compreender bem é preciso notar que esta metáfora, como também as outras, são tiradas amplamente do Antigo Testamento. Quem escreveu esta passagem conhecia de cor passagens inteiras do Antigo Testamento e supunha o seu conhecimento também nos seus leitores. Sobretudo duas passagens do Antigo Testamento são aqui utilizadas para esta descrição.

A primeira passagem é tirada de Is 11, o rebento de Jessé, do qual é descrito o vestuário, o modo de se apresentar e de combater; a segunda passagem é tirada de Is 59, em que se descreve, num certo ponto, a armadura de Deus. No Antigo Testamento, pois, é a armadura do próprio Deus, ou então do enviado, do predilecto de Deus, que é descrita.

Aqui a armadura de Deus é transferida para o servo de Deus, para aquele que segue Jesus. DizIs 11,5: “Cintura dos seus flancos é a fidelidade” (trad. da C.E.I.); na Bíblia dos LXX o vocábulo usado é alétheia, a verdade, e o texto grego a traduz exactamente.

A verdade de que se cinge, como de uma vestimenta estável, aquele que combate é, pois, a coerência; é aquela fidelidade que é coerência plena, estilo coerente de viver e de agir.

Para poder combater contra a atmosfera maligna, a atmosfera pestilenta na qual vivemos, é preciso estar armados de uma profunda coerência entre o que proclamamos e o que devemos internamente sentir e viver entre nós. E esta coerência é tanto mais importante pelo facto de pregarmos a palavra de Deus. Quem não vive o que prega coloca-se, aos poucos, na condição de ficar exposto aos assaltos do inimigo. Se a nossa pregação fosse continuamente confrontada com o que sentimos interiormente, com aquilo de que estamos persuadidos, seria muito fácil e mais acessível a todos.

É verdade que este profundo confronto entre coerência interior e exterior às vezes fará reconhecer que se está longe daquilo que se prega, mas a humildade em reconhecê-lo já é um aspecto da coerência, é um modo de mostrar que desejamos tê-la.

A metáfora seguinte é a couraça da justiça. Em Is 5,17 descreve-se a armadura de Deus. Deus se revestiu de justiça como de uma couraça.

A justiça é expressa aqui como a actividade de Deus que salva os pobres e humilha os pecadores. Deus que impetuosamente leva a termo as suas obras, que é salvação e punição. Na nossa situação, devemos traduzi-la como o participar do zelo de Cristo pela justiça do Pai. Esta couraça que nos cinge completamente, que nos protege, é o revestir-nos daqueles sentimentos que fazem Cristo gritar pelos caminhos da Palestina: “A Deus o que é de Deus”; ou seja, que lhe fazem proclamar a justiça do Pai, e, como justiça, a obra de salvação para quem se arrepende e o castigo para quem não se arrepende. Para nós, o participar do íntimo zelo de Cristo pela justiça do Pai é esta couraça que nos cinge, nos envolve, que nos defende dos inimigos.

A terceira metáfora: os pés calçados de álacre zelo pelo Evangelho da paz. Prontos a partir para o anúncio do Evangelho da paz. A realidade da metáfora é a prontidão em levar o Evangelho.

Em Is 52,7 encontramos: “Como são belos os pés do mensageiro que anuncia a paz, mensageiro de bem que anuncia a salvação”.

Fora de metáfora é indicado o ardor, o desejo de pregar o Evangelho, sabendo que é benefício para os homens e que lhes traz a paz. Por isso também a alegria de quem encontrou o tesouro (a mulher que reencontra a dracma perdida e, cheia de alegria, chama as vizinhas: Lc 15,8ss).

Esta é uma característica importante do ministério do Evangelho, sobretudo hoje, em que o “pluralismo” quando se torna pluralismo filosófico, cultural, religioso parece de certa forma tirar o ardor de pregar o Evangelho da paz.

Há quem chegue ao ponto de substituir e corrigir o imperativo de Mateus “Ide e pregai a todos os povos” (Mt 28,19) pela exortação “Ide e aprendei de todos os povos” porque há valores por toda a parte, e diz-se que o importante não é levar a mensagem quanto ouvir humildemente o que os outros têm a dizer-nos. E corre-se o risco de perder a ânsia de pregar o Evangelho da paz.

Perguntamo-nos se há uma solução para esta dificuldade. A solução existe e certamente não é a de abolir o pluralismo. Creio antes que quanto mais cresce o diálogo, tanto mais deve crescer o aprofundamento da vida evangélica. Se estas duas coisas crescerem juntas, então é possível e é fácil conciliar um imenso respeito por todas as raças, culturas, valores, com um imenso ardor de levar o Evangelho, que é uma proposta transcendental, que não se compara com nenhum outro valor, mas capaz de iluminar e transformar todos os valores.

Por isso esta arma, esta disposição é extremamente importante para defender-se da atmosfera que tende antes a nivelar todos os valores. Conciliar o ardor do Evangelho com a estima dos valores dos outros e a obra admirável a que é chamada a Igreja de hoje, se quiser conservar o seu impulso missionário.

Quarta metáfora: em todas as ocasiões, empunhar O escudo da fé. Os dardos encandescentes lançados pelo maligno (a expressão é tirada do Salmo 11) são as mentalidades do mundo do pecado que, de manhã à noite e da noite à manhã, nos cercam e nos convidam a interpretar coisas e situações da nossa vida com medidas exclusivamente psicológicas, sociológicas, económicas, investindo de todos os lados para tirar-nos o tesouro da fé.

O escudo para opor-se a esta mentalidade é o escudo da fé, isto é, a consideração evangélica em toda a realidade humana, continuamente mencionada.

Quinta metáfora: o capacete da salvação, ou antes, o capacete da obra salvífica, como diz o texto grego. A expressão é tirada de Is 59,17, e em Isaías quer dizer que Deus está pronto para salvar. O grego tem um verbo (dexasthe) que significa aceitar o capacete da salvação; por isso, aceitar a acção salvífica de Deus em nós como a nossa única protecção, a nossa única esperança; protege a cabeça porque esta é a coisa mais essencial.

Sexta metáfora: a espada do Espírito que é a palavra de Deus. Que é a espada do Espírito? Há três passagens que podem ajudar-nos: Is 49,2 onde se fala de “boca como espada”; Hb 4,12 onde se fala de “espada como palavra”; por fim, Is 11,4 onde se diz que “com o sopro dos seus lábios matará o inimigo”.

A palavra de Deus não é aqui o logos, isto é, a pregação, mas o rhéma, isto é, os oráculos divinos. Por isso pensaria como “espada do Espírito” não tanto a pregação de Jesus, mas a sua luta contra satanás, quando se defende citando os oráculos de Deus. “Está escrito”; isto é, os oráculos de Deus foram para Ele, e são para nós, defesa.

Quando somos assediados pela mentalidade do mundo que queria fazer-nos interpretar todas as coisas de maneira puramente humana, devemos recorrer aos grandes oráculos de Deus na Bíblia para ter uma palavra de clareza sobre estas coisas e rejeitar as interpretações erróneas da história do mundo e da nossa existência.

Estas as exortações de Paulo. Podemos concluir resumindo: que situações supõem e que exortações oferecem estas palavras?

a) Antes de mais nada, supõem que nós estamos numa situação verdadeiramente perigosa; ou seja,, que no mundo de hoje é perigoso viver o Evangelho em todas as suas consequências. Devemos ter este sentido da dificuldade porque isso é realismo. Se nos encontramos diante de realidades adversas sem ousar olhá-las no rosto, se vivemos pensando que nos cercam contínuas dificuldades e riscos, podemos viver numa perpétua e estéril apreensão. Mas se analisarmos bem a realidade, com base na Escritura e procurando conhecer bem o adversário, vendo os caminhos através dos quais o mundo é levado ao mal e como eles se manifestam, então também diante de todo o mistério do mal, na sua inteireza, podemos sentir-nos cheios da força de Deus.

Uma profunda análise e síntese do mistério da perversão feita com a ajuda da Escritura, pode colocar-nos diante de uma situação de risco, de temor, de perigo, mas não de medo, porque vemos com clareza toda a vastidão do adversário e todo o poder de Deus.

b) Segunda observação: trata-se de uma luta sem quartel; ou seja, contra um adversário astuto e terrível que está fora de nós e dentro de nós. Nos nossos dias, com frequência, se esquece isso, vivendo numa atmosfera de optimismo determinista em razão do qual todas as coisas devem ir de bem para melhor, sem pensar na dramaticidade da história humana, sem saber que a história tem as suas trágicas regressões e os seus riscos, que ameaçam precisamente quem não espera por isso, embalam numa visão de evolucionismo histórico que tende sempre para o melhor.

c) Terceira observação: somente quem se arma sob todos os pontos de vista pode resistir. Gostaria de lembrar uma das regras de Santo Inácio que tinha uma ideia claríssima de que o inimigo ataca avaliando a situação do cristão. É preciso conhecê-lo bem, porque o inimigo gira para ver se existe ao menos um elemento falho na armadura. Por isso é uma luta empenhar-nos totalmente e transformar-nos, santificando-nos completamente.

Uma última palavra a propósito de uma ausência notável nesta passagem: a oração. Na realidade, a oração é mencionada, mas não aqui. É lembrada no fim da passagem e com uma exortação intensíssima: “Com toda a espécie de orações e súplicas orai incessantemente movidos pelo Espírito…” (Ef 6,18).

Todas as armas são, pois, continuamente preparadas no exercício da oração que não as substitui; a oração não substitui ozelo, o espírito de fé, o compromisso, a capacidade de dar-se, mas é aquela em que todas são envolvidas e na qual são continuamente retemperadas na luta.