Quinta Meditação
JESUS EM ACÇÃO
A terceira parábola, a do grão de mostarda, também é apropriada a esta situação.
Os apóstolos que estão em torno de Jesus vêem, num determinado momento, que o seu grupo continua muito pequeno, não se desenvolve, muita gente não leva o Mestre a sério. E ele responde às suas mudas interrogações com a parábola do grão de mostarda, da pequena semente. Não tenhais medo diz, o Reino de Deus começa aos poucos. Não queirais pretender grandes resultados; deixai que as coisas se desenvolvam gradualmente: de pequenas sementes, de invisíveis inícios, nascerá o grande sucesso do Reino de Deus.
Em substância, Jesus pede aos apóstolos carta branca; pede confiança absoluta nele: vinde atrás de mim! Vós vedes que as coisas não vão bem e ficais imaginando que tendes um Mestre que arrasta as multidões, mas na realidade eu não sou bem isso. Isso não depende de mim, depende do facto que o Reino de Deus é poder de Deus e portanto se desenvolve com toda a certeza. De pouco, Deus produzirá o muito; do pouquíssimo, desenvolver-se-ão coisas imensas.
Jesus educa os seus e a Igreja primitiva repete este ensinamento aos seus catecúmenos a fecharem os olhos ao que parece realidade porque se vê, e abri-los ao que é; ou seja, à realidade misteriosa do Reino de Deus que está frutificando silenciosamente, enquanto nós não percebemos, e dará o fruto no tempo devido.
Vamos aplicar a nossa reflexão a um episódio da vida de Jesus narrado em Mc 9,14-29. Ele nos mostra o seu modo típico de agir, num momento difícil. Isto é, queremos ver nesta meditação, como Jesus fala, como age, como se move, como se comporta, numa palavra, Jesus em acção.
Mc 9,14-29 é um episódio longo, circunstanciado, que se refere a um momento histórico da vida do Senhor.
Por que era transmitido nas comunidades primitivas com tanta riqueza de pormenores? Podemos arriscar uma hipótese: porque na comunidade primitiva se praticavam muitos exorcismos, alguns dos quais fracassavam. O episódio do menino endemoninhado quer, então, vir ao encontro do insucesso de modo a poder superar o escândalo dos exorcismos falidos. Isso nos mostra que o exorcista não deve estar muito seguro de si, porque também os apóstolos não conseguiram; o exorcista não deve gloriar-se do seu poder porque também ele está sujeito a falhar se não possuir as condições aqui indicadas.
Mas, provavelmente, está presente também algum elemento que faz pensar num reflexo de catequese baptismal; isto é, parece que Marcos ajuda o catequista a indicar alguns aspectos do baptismo. Podemos dividir o episódio em seis partes.
1) Mc 9,14-16. Acena: é construída acuradamente. Através de uma série de imagens visuais desperta-se o interesse do leitor.
Jesus, depois da Transfiguração, desce do monte com os três apóstolos, junta-se aos outros, vê uma grande multidão, os escribas que discutem, o povo que alterca e que, ao vê-lo, corre para saudá-lo. Esta confusão indica a existência de um grave problema que interessa a todos. E Jesus interroga os apóstolos: “O que estais discutindo com eles?”
2) Mc 9,17-18. O caso: o problema é apresentado através da palavra do pai do menino: “Mestre, eu te trouxe o meu filho, que está possesso de um espírito mudo. Quando o domina, deita-o ao chão e o menino espuma, range os dentes e fica todo rijo. Pedi aos teus discípulos que o expulsassem, mas não foram capazes”.
A cena concretiza-se, assim, num caso difícil. Difícil pela tragicidade, pelo calafrio, pelo mal-estar que produz, e ainda mais difícil porque os apóstolos não conseguiram expulsar o demónio. Começa, desta forma, toda uma discussão sobre a inanidade da pregação apostólica. O caso é muito sério, se se pensa, além disso, que Jesus escolheu os Doze para estarem com Ele, mandá-los pregar e ter poder de expulsar os demónios. Eles fracassaram na sua missão essencial. A sua situação é dramática.
3) Mc 9,19-20. As reacçõesde Jesus. A primeira (v. 19), configura-se como uma explosão de ira violenta. Ela é verdadeiramente grave, porque parece dizer: “não estou mais no meio de vós”. Parece até que se questiona a permanência de Jesus entre os homens, no mundo. Se não se queixa de todos, queixa-se ao menos do público que o cerca: “Não sois dignos da minha obra”.
Qual é a causa deste grito de desdém, tão ofensivo para as pessoas a que se dirige? A incredulidade, a falta de fé. A mesma constatação de ira, estupor e censura que temos em 6,6 e em 6,14. Jesus, durante toda a sua vida, deve enfrentar semelhante situação de incredulidade. O homem que não confia nele, que não se abandona a ele e não crê no seu amor. A culpa fundamental, a encontramos também nas outras repreensões de Jesus em Marcos, é sempre a incapacidade de abandonar-se ao seu mistério, aquela rigidez que não permite transpor o limiar da fé, da confiança no Senhor.
A segunda reacção (v. 20) parece diametralmente oposta: a calma, o sangue frio de Jesus.
Pelas palavras: “Trazei-o aqui para mim! E o levaram até ele. Logo que viu Jesus, o espírito sacudiu com violência o menino, que caiu por terra, contorcendo-se e espumando”, podemos intuir que Jesus não se altera, mas domina a situação. É importante este tomar as devidas distâncias realizado por Cristo! Para ele não é uma atitude passageira, mas descreve um habitual estado de ânimo. Diante da crise dos apóstolos e do doente, antes de mais nada Jesus observa com tranquilidade a situação. Vem à mente o que Paulo diz em 1 Cor 7,29-31 quando descreve, as atitudes, da distância cristã, nas situações difíceis. À lista, de São Paulo poderíamos acrescentar: “Quem governa, como se não governasse; quem age pastoralmente, como se não o fizesse”; ou seja, não devemos ser envolvidos pela situação. Devemos aprender a olhá-la, a observá-la à distância.
Como a observa Jesus? Observa-a com Gestalt. Esta palavra alemã, intraduzível, significa: levar em consideração todo o conjunto de uma situação, inserindo todo elemento com o seu justo destaque no conjunto. Daqui nasce a constatação de que, geralmente, as formas de degradação psicológica não nascem do facto de que não se veja bem o objecto, mas do facto de não saber enquadrá-lo na situação com a devida distância.
Vemos Jesus que lança precisamente um olhar de Gestalt: de relação imagem-fundo, a tudo o que acontece. Ele vê o doente, mas vê também o pai, vê os apóstolos, vê a multidão e coloca tudo no quadro da sua missão.
Assim o olhar de Jesus domina o que acontece. Não se deixa desviar pelo facto particular do menino que rola na frente dele, mas leva em consideração toda a situação.
Como acontece, concretamente, na psicologia humana de Jesus, este separar-se do detalhe e a sua capacidade de considerá-lo no quadro do conjunto? Devemos atentar para uma nota finamente psicológica narrada por Marcos. Jesus não se ocupa com o menino, mas com o pai; ele passa mentalmente de um a outro aspecto da situação.
Que acontece quando nós nos detemos a considerar apenas um aspecto das coisas? Acontece que este aspecto se agiganta e nos hipnotiza. A situação de separação ou distância dá-se quando de um pormenor se passa ao seu contrário, ou presente ou possível, e por isso se começa a ampliar o quadro da realidade considerada.
Na realidade, que faz Jesus? Vê o menino que grita, espuma, se debate, mas reflecte que o verdadeiro doente é o pai. Compreende por isso que o caminho a seguir é outro. Através de uma reflexão atenta e livre encontra o verdadeiro ponto de apoio que é novo, diverso, e no qual ninguém tinha pensado. Os apóstolos haviam-se posto a gritar, a rezar pelo menino, mas tinham começado pela parte errada; haviam sido incapazes de ver uma nova abertura na situação.
4) Mc 9,31-34. O colóquio. Jesus começa, pois, o colóquio com o pai; um exemplo de pastoral dialógica. “Desde quanto tempo acontece isso?” A pergunta é muito simples, quase banal, mas é feita em tom cordial que manifesta a participação e que por isso liberta o coração do pai. Ele é precisamente o grande protagonista da situação, ignorado por todos.
E vemos como o coração do pai se desmancha. De uma resposta quase monossilábica: “Desde a infância”, passa, sentindo-se compreendido, a dizer outras coisas. Começa a descrever os sintomas do mal do filho, e depois sai finalmente do seu coração o que constitui o núcleo do problema: “Se podes alguma coisa, ajuda-nos, tendo muita pena de nós!”
Assim chegamos ao momento em que do simples relacionamento com um menino que deve ser curado, se chegou a um coração que pede, que se dirige com humildade ao Senhor para pedir ajuda.
Jesus continua o colóquio e corrige, amavelmente, as palavras muito tímidas do pai, trazendo o jovem para ele: “Disseste, se podes; mas tudo é possível a quem crê!” Em outras palavras: estás pedindo alguma coisa que tu mesmo deves começar a fazer. Então o pai compreende e grita: “Creio, ajuda a minha fé!”
Chegamos ao centro, ao nó, ao ponto verdadeiramente difícil da situação. Jesus, deixando de lado os dados exteriores da realidade, gradualmente e com doçura, encontra o fio da meada; ou seja, começa a curar a incredulidade deste homem. O grito do pai é muito belo em a sua simplicidade. Diz: “Creio, ajuda a minha fé”. Mostra a abertura, o desejo de ser ajudado, é um humilde acto de fé, e ao mesmo tempo um reconhecimento de estar ainda muito atrás, de ter necessidade de algo mais.
Esta é a admoestação que na comunidade é repetida aos exorcistas imprudentes e fanfarrões: “Cuidado! É necessária muita fé para realizar tão grandes coisas; não acrediteis que sois omnipotentes, mas reconhecei a fundo a vossa fraqueza e pedi ajuda”.
Se o episódio na catequese da Igreja primitiva tem um reflexo primário para os exorcistas, tem também com relação à catequese catecumenal. Com efeito, o catecúmeno, diante das exigências muito grandes de Jesus, do mistério do Reino que começa a ver em toda a sua pobreza, a sua dureza, a sua aridez diária, é tentado a desanimar, a se fechar. Mas com este episódio é convidado a não espantar-se com o seu medo, manifestando-o humildemente ao Senhor; é convidado a tirar vantagem também desta sua sofrida pobreza e fraqueza, para fazer disso objecto de humilde oração.
5) Mc 9,25-27. O exorcismo: ele é um exemplo típico no seu género. Existe aí a menção do espírito, a menção de quem faz o exorcismo, a menção do seu poder de mando e a menção do que se pede com autoridade. Segue-se o paroxismo das manifestações do mal no próprio menino, depois o seu cair como morto, e, por fim, a cena de Jesus que o levanta curado.
Em todo o episódio, além do tema do exorcismo propriamente dito, talvez existam também elementos que forneciam ocasiões para uma primitiva catequese baptismal. Não apenas no sentido de que o baptismo liberta o homem do poder de um mal que o fecha aos outros, mas num sentido ainda mais específico.
Com efeito, no v. 26, insiste-se duas vezes no tema da morte: “E o menino ficou como morto, de modo que muitos diziam que estava morto”; e logo depois, no v. 27, são usados os dois verbos clássicos da ressurreição: “Jesus o pega com a sua mão, o levanta e o faz ressurgir”.
O certo é que, com o emprego destes quatro verbos, dois de morte e dois de ressurreição (Cristo morto pelos nossos pecados, e Cristo ressuscitado para a nossa justificação), a catequese primitiva explicava o baptismo como um morrer com Cristo e um ressuscitar com Ele e por virtude dele.
6) Mc 9,28-29. A conclusão: “Quando Jesus entrou em casa, os seus discípulos perguntaram-lhe em particular: Por que nós não pudemos expulsar esse espírito? Ele respondeu: Espírito desse tipo só pode ser expulso pela oração”.
Este ensinamento de Jesus tinha um reflexo múltiplo na catequese primitiva.
Em nível do exorcista, era precisamente o convite a não presumir de si, mas rezar, reconhecer que o poder é de Deus e não próprio.
Em nível de catecúmeno, que se encontra diante de dificuldades aparentemente intransponíveis no seu seguimento do Senhor, estava aí o convite a pensar que somente através da oração, da confiança total nele, poderia superar as próprias dificuldades.
O episódio do menino endemoninhado é, de um lado, algo que diz respeito ao próprio Jesus, apresentado num momento forte da sua vida, enquanto age com desapego, com simplicidade e profundidade na descoberta das causas do mal; de outro, é um ensinamento para a Igreja primitiva e para o catecúmeno que se entregou ao seguimento de Jesus e que assim compreende como é possível segui-lo com confiança.
O próprio Jesus nos convida a pedir-lhe para obter a força de fazer todas as coisas difíceis, para vencer todas as dificuldades aparentemente intransponíveis que são exigidas de nós, e nos diz que Ele veio ajudar-nos a superá-las.