32° Domingo do Tempo Comum (ciclo A)
Mateus 25,1-13


10 virgens

Referências bíblicas:
Primeira leitura: Sb 6, 12-16
Evangelho: Mt 25, 1-13

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: «O reino dos Céus pode comparar-se a dez virgens, que, tomando as suas lâmpadas, foram ao encontro do esposo. Cinco eram insensatas e cinco eram prudentes. As insensatas, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo, enquanto as prudentes, com as lâmpadas, levaram azeite nas almotolias. Como o esposo se demorava, começaram todas a dormitar e adormeceram. No meio da noite ouviu-se um brado: ‘Aí vem o esposo; ide ao seu encontro’. Então, as virgens levantaram-se todas e começaram a preparar as lâmpadas. As insensatas disseram às prudentes: ‘Dai-nos do vosso azeite, que as nossas lâmpadas estão a apagar-se’. Mas as prudentes responderam: ‘Talvez não chegue para nós e para vós. Ide antes comprá-lo aos vendedores’. Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o esposo. As que estavam preparadas entraram com ele para o banquete nupcial; e a porta fechou-se. Mais tarde, chegaram também as outras virgens e disseram: ‘Senhor, senhor, abre-nos a porta’. Mas ele respondeu: ‘Em verdade vos digo: Não vos conheço’. Portanto, vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora».

Sobre a reserva de óleo
Raymond Gravel

Estamos chegando ao fim do ano litúrgico. Restam ainda três domingos, durante os quais vamos ouvir o último discurso de Mateus, o discurso escatológico, onde o evangelista nos conta em três parábolas, a chegada ou a vinda do Cristo ressuscitado, no final dos tempos, ou melhor, no final das nossas vidas.

  • Primeira parábola: as dez mulheres convidadas para o casamento (hoje).
  • Segunda parábola: os talentos, ou seja, os bens confiados a nós, até o retorno de Cristo (próxima semana).
  • Terceira parábola: o Juízo Final, no domingo de Cristo Rei.

Hoje, portanto, a parábola das dez mulheres convidadas para as núpcias. É uma parábola curiosa que levanta mais perguntas do que respostas. Além disso, há uma mensagem importante que devemos descobrir.

1. Seis observações sobre a parábola:

1) Diz-se que havia dez mulheres, cinco previdentes e cinco insensatas. Muitas vezes há um julgamento moral sobre as mulheres da parábola: as previdentes são dadas como exemplos e as insensatas são tratadas como loucas. Não deve fazer a parábola contar o que ela não quer dizer; se cinco delas são previdentes, é porque elas fizeram uma reserva de óleo, para as suas lâmpadas… ao passo que as outras cinco simplesmente não previram óleo para a reserva. A comparação não deve conter juízos morais sobre a qualidade das mulheres.

2) É uma questão de riqueza ou de pobreza para que as cinco mulheres tenham óleo em reserva e que as outras cinco não o tenham? Não! Porque as cinco insensatas vão comprar óleo com comerciantes. Portanto, se elas não o tinham não é por uma questão financeira.

3) Por que as previdentes não quiseram compartilhar seu óleo com as outras? Como caridade cristã, não é um bom exemplo… Então, para compreender esta realidade, precisamos ver quem são os personagens da parábola: o noivo é o Cristo ressuscitado e mulheres convidadas para o casamento, são a Igreja, somos nós cristãos que devemos manter nossas lâmpadas acesas para a vinda do noivo, isto é, para o momento do nosso encontro com ele. De fato, na Igreja, todos e todas temos a responsabilidade de deixar nossa lâmpada acesa. Podemos aprender com os outros, podemos acender a nossa lâmpada a partir da lâmpada de uma outra pessoa, mas o caminho de cada um é pessoal, e é aí que está o óleo para a nossa lâmpada para iluminar. Ninguém pode fazer isso por nós.

4) É compreensível que as cinco previdentes não possam compartilhar seu óleo com as outras. Mas se elas eram tão previdentes, porque não advertiram as outras, para obter óleo em reserva antes que o noivo chegasse? Mais uma vez, o caminho de cada um, na Igreja, é pessoal, e não podemos responder pelos outros, para que isso aconteça mais rápido. É como regar uma planta; não é puxá-la que ela vai crescer mais rápido. Não podemos colocar a responsabilidade sobre as costas das previdentes porque as insensatas ficaram sem óleo.

5) Para mostrar o lado humano e limitado das dez mulheres da parábola, portanto, de todos os membros da Igreja, como o noivo demora para chegar, todas elas dormiram e é à voz que grita “O noivo está chegando. Saiam ao seu encontro” (Mt 25, 6), que todas elas se acordam para preparar as suas lâmpadas.

6) Por que o noivo é tão duro para com as insensatas? Ele vai se recusar a deixá-las entrar no salão das núpcias, embora tivessem sido convidadas como as outras? “Eu não vos conheço” (Mt 25,12). O que devemos entender disso? A mensagem que emerge desta dura sentença é a seguinte: não é porque eu sou batizado, não é porque eu vou à igreja todos os domingos, não é porque eu sou bispo, padre ou mesmo papa, que eu automaticamente tenho óleo em reserva e que eu posso, necessariamente, entrar e participar das núpcias eternas. No Sermão da Montanha, do mesmo Evangelho de Mateus, diante daqueles que afirmam ter feito exorcismos ou curas, Cristo diz: “Então eu vou declarar a eles: Jamais conheci vocês. Afastem-se de mim, malfeitores” (Mt 7, 23).

2. Mensagem central da parábola.

É agora que chegamos à mensagem central da parábola: qual é? É o óleo que nós colocamos na lâmpada para que possa iluminar. Mas de que é feito este óleo? Aquele que temos e que devemos manter de reserva para a nossa lâmpada, sem se apagar. A parábola diz que o noivo pode demorar. Portanto, o óleo é feito de paciência, de vigilância, de perseverança, de tolerância, de confiança e de esperança. Caso contrário, vamos ficar sem óleo e a nossa lâmpada se apagará. O óleo é, portanto, a nossa responsabilidade pessoal; é ela que acende a nossa lâmpada e que ilumina os outros. É por esta razão, se ao esperar o noivo, eu não fizer nada e esperar tudo dos outros, que eu vou ficar sem óleo e não poderei entrar no salão das núpcias, mesmo se fui convidado. Isso significa que devo praticar a tolerância, a confiança, a paciência, a vigilância e a esperança, para poder entrar no são das núpcias.

3. Uma espera responsável.

O que fazer enquanto espera o noivo? Como Igreja, como cristãos, o que devemos fazer? O Livro da Sabedoria, o livro mais recente do Antigo Testamento, pois foi escrito entre 30 e 50 d.C, nos oferece um personagem para descobrir, personificado na Sabedoria, que podemos atribuir a Deus ou ainda, para nós, cristãos, ao Cristo ressuscitado. É uma relação de amor que nos é proposta, que é descrita de muitos modos: beleza inalterável, contemplação, busca e reencontro, proximidade, cuidado, prudência, bondade e acompanhamento. Esta relação de amor proposta pelo autor vai tão longe que no capítulo 8, o Sábio irá partilhar o seu desejo de esposar a Sabedoria: “Amei a sabedoria e a busquei desde a minha juventude, e procurei tomá-la como esposa, pois fiquei enamorado de sua formosura” (Sb 8, 2).

Mas quem é essa sabedoria, a imagem da bondade de Deus? O exegeta francês Edward Cothenet escreveu: “O leitor cristão vai descobrir facilmente a figura de Cristo, que sempre dá o primeiro passo, como no poço de Jacó, para que possamos encontrá-lo.” E o Cristo que vem ao nosso encontro o faz através dos homens e mulheres de hoje, com o quem devemos construir relacionamentos de amor fraterno; com quem devemos trabalhar para restaurar a justiça; com quem devemos praticar a tolerância, a paciência, a perseverança, e com quem devemos partilhar a nossa esperança… Em suma, devemos fornecer óleo suficiente para a nossa lâmpada, para que ele possa iluminar sempre…

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Queridos irmãs e irmãos,
Hoje, na leitura do Livro da Sabedoria e no Salmo, temos duas imagens diferenciadas mas que expressam bem o que é o nosso caminho espiritual tantas vezes.

No Livro da Sabedoria temos o elogio da própria sabedoria, e que nos diz: A sabedoria é luminosa e deixa-se ver facilmente àqueles que a amam e deixa-se encontrar por aqueles que a procuram – podemos ir à procura da sabedoria e quando voltamos a casa ela está sentada à nossa espera, na soleira da nossa porta. Então, esta é uma experiência que fazemos: de que a sabedoria, a experiência do sentido, o saber viver, a clareza das ideias, o caminho iluminado diante dos nossos pés é uma experiência fácil – há uma evidência no próprio caminho interior que nós vamos percorrendo.

Mas temos também a imagem do Salmo 62, que diz: “A minha alma tem sede de Vós, eu Vos procuro como terra árida, sequiosa, sem água.” Então, esta experiência também é a experiência que nós fazemos, em que não é assim tão claro – nós procuramos e não encontramos, nós tateamos no silêncio, numa parede e não vemos abertura, não vemos surgir com aquela clareza que o nosso coração deseja, as razões, o significado, a resposta, a estrada que devemos percorrer.

Acho que estamos muitas vezes entre uma coisa e outra. Por um lado, momentos de grande claridade, de extraordinária evidência e, por outro lado, momentos de uma noite escura em que parece que a noite não se descose nunca, nunca surge a aurora e temos uma espécie de travessia num caminho de pedras, num caminho sem respostas.

Entre uma coisa e outra o Evangelho de hoje é um chamamento à espera, nós somos chamados a esperar. Porque, de facto, o nosso caminho nunca vai ser só evidência, nunca vai ser essa claridade, o nosso caminho, aqui na história, nunca atingirá esse nível de transparência que nós idealizamos. Mas temos de acreditar que não há de ser só noite escura, que não há de ser só um caminho de pedras, um caminho para o qual nós não encontramos sentido. Não há de ser uma coisa nem outra, nós vivemos no meio, vivemos uma espécie de intervalo entre um modelo e outro. E, esse intervalo que é a nossa vida, no aqui e no agora, é a espera. Nós temos de olhar para a nossa vida, a nossa existência, o nosso quotidiano, os nossos projetos, o nosso fazer, as práticas da nossa existência, como uma espera.

A espera é uma categoria espiritual muito importante com a qual nos precisamos também de reconciliar. Quem espera sente que está inacabado, que não está tudo concluído. Quer dizer, se eu me entendo numa autonomia total, eu é que vou decidir tudo sobre a minha vida, eu já estou resolvido, o que eu decidir é o definitivo, eu não estou à espera de nada. E às vezes também nós vivemos assim, como se estivéssemos já completamente acabados, como se não precisássemos de um resgate, de um Redentor, que desse sentido à vida. Então, a espera pede de nós esta consciência profunda de um inacabamento. Eu faço-me de tantas maneiras mas não estou concluído, não estou rematado, não estou acabado – sou habitado por uma tensão que é uma expectativa, que é uma espera de uma conclusão e de um cumprimento que não me cabe apenas a mim.

E este é o segundo ponto, o primeiro é de facto a consciência do inacabamento, e o segundo é esta espera do Outro. Porque, nós não esperamos por nós mesmos, esperamos do Outro, esperamos o Outro. Então, a espera coloca-me numa relação. Nós somos demasiado frequentemente ilhas, vivemos numa insularidade, cada um por si, cada um fazendo o seu, colocamos o nosso ego à frente do nosso coração e da nossa alma. Muitas vezes parece que já não esperamos por ninguém, porque não dependemos de ninguém e já temos as portas fechadas e a cabeça arrumada. E a espera é uma categoria espiritual que nos faz esperar por Alguém e perceber que relação é que temos verdadeiramente com Alguém.

Nesta relação, nós vivemos numa atenção. O Evangelho usa a palavra “vigilância”. Em Simone Weil é a Espera de Deus, expectativa de Deus (nome dado ao conjunto dos seus escritos, não é o nome dado por ela, mas é o nome que interpreta o pensamento dela).

Então, tudo aquilo que nós fazemos é uma espera de Deus. Mas como é que se traduz essa espera de Deus? Ela dizia: “Traduz-se em atenção.” Quem espera está atento aos sinais, está atento à vinda. Porque, porventura, Aquele que esperamos já está a chegar, já chegou, já está à porta da nossa casa como a sabedoria. Não está apenas numa espera indefinida, mas está numa realidade concreta que eu sou chamado a reconhecer, no aqui e no agora da minha própria existência.

O Evangelho e a tradição cristã usam um sinónimo de atenção que é: vigilância. Então, temos esta parábola que Jesus contou das dez virgens, cinco prudentes, cinco imprudentes. As prudentes são aquelas que levam não só a lâmpada mas também um recurso, uma almotolia com azeite, para garantir que a lâmpada não terá uma duração breve, mas terá uma duração longa. Nós temos de estar preparados para esperas longas. Quem espera por Deus não pode estar apenas à espera de correr cem metros. Nós temos de correr a maratona, nós temos uma espera longa pela frente, qualquer que seja o tempo da nossa vida, a espera de Deus é uma espera longa.

Por isso, a Palavra de Deus diz: “Meu filho, se entras para o serviço do Senhor prepara-te para as Suas demoras.” Deus demora, Deus tem o seu tempo. Nós precisamos de treinar esta espera. O treinar da espera é o treinar de uma vigilância, o treinar de uma atenção. Ter o nosso coração aceso, ter o nosso coração iluminado, ter os recursos espirituais para manter viva a espera. Porque nós cansamo-nos e, como diz o próprio Jesus na parábola, nós fechamos os olhos, começamos a cochilar, dormimos e, de repente, ouve-se na noite o pregão: “o noivo está a chegar!” E o que é que vamos fazer? Este pregão vai ouvir-se na noite da nossa vida. “O noivo está a chegar!” E como é que esse encontro se vai realizar se eu não estou vigilante, se eu não vivo essa atenção permanente? E a atenção é uma tensão, quer dizer, eu não me basto a mim mesmo, eu não sou a resolução, eu não sou a chave da minha vida, eu estou à espera de Deus. Ele, sim, é Aquele Outro que vem completar, que vem dar sentido, que vem esclarecer. Mas para isso eu tenho de estar nesta atitude de abertura, nesta atitude de quem espera. E por isso, nós somos sentinelas.

O Saint-Exupéry no Cidadela, que agora foi reeditado em português, medita muito sobre a figura da sentinela, que é também uma meditação sobre a identidade cristã. A sentinela está entre a chegada e o profundo deserto. A sentinela está ali sozinha muitas vezes, mas ele sabe que não está só, que ele é o representante de um reino. Às vezes, também na nossa vida, diante de nós está um deserto e atrás de nós está uma noite, e nós às vezes já não sabemos quem somos e o que é que estamos aqui a fazer e para que é que isto serve. Mas para que é que me serve rezar? Mas para que é que me serve ir à missa? Mas para que é que me serve acreditar? Estas perguntas vêm ao nosso coração, deixá-las vir é importante, é sabermos que somos representantes de um reino. Nas horas da nossa fragilidade, nas horas mais vulneráveis da nossa vida, nós temos que dizer a nós próprios: eu aqui sou representante de um reino. A sentinela é aquele que está muitas vezes só, mas é aquele que vê surgir os sinais da aurora.

Então, o vigilante é sempre premiado, porque ele acaba por ver a noite desfazer-se e os primeiros indícios da luz e como essa luz cresce. Por isso, vale a pena vigiar. Um dos motes muito importantes de um grande padre da Igreja, S. Basílio, era: “Vigia sobre ti mesmo, vigia sobre ti mesmo.”

Hoje Jesus convida-nos a viver uma vigilância, convida-nos a viver numa atenção que éuma tensão, a tensão das cordas de uma guitarra esticadas para poder tocar, ou então de uma flecha que a corda tem de ficar bem puxada para a flexa ir longe. Nós também temos de viver nessa vigilância, nessa atenção, não nos bastarmos a nós mesmos, não nos prepararmos para uma espera curta. Não, se entras ao serviço de Deus prepara-te para uma espera longa, porque Deus demora-Se, Deus demora-Se. Mas, esta demora de Deus também é o tempo que Deus nos dá para o acontecer da vida, o acontecer de tantas possibilidades. Esta demora de Deus é também as oportunidades que Deus nos dá para nos surpreendermos com Ele, pelo modo fantástico como Ele entra pela nossa porta dentro, como Ele Se revela na nossa vida, tantas vezes de uma forma inesperada. Mas que o nosso coração esteja atento.

Um dos grandes textos literários do século XX foi o do Samuel Beckett, A espera de Godot, porque diziam que o Godot é um jogo entre o inglês e o francês para dizer “Deus”. Godot é God + Ot , que é um sufixo aumentativo do francês, então era o “Deusão” ou o “Deus grande” ou o “Deusinho”. E seria a peça o diálogo de dois vagabundos que estão ali e que parece que estão à espera de ninguém e, no final, Godot não chega. E o que é que é a peça de teatro? É contar uma espera que é só espera, não é mais nada, é só um tempo. Porque, depois não chega aquele que esperamos.

O Cristianismo, de certa forma, é o anti-Godot, porque nós sabemos que Ele chega. Há um pregão na noite: “Está aí o noivo, esta a chegar o noivo.” E esse pregão é uma coisa que nos sobressalta já no aqui e no agora, porque nós sabemos que Ele vai chegar. Ao contrário desta experiência contemporânea que é: não há nada que nos salve, não há nada que nos resgate, não há nada que nos venha surpreender, não há nada que nos venha levantar disto, não há nada que venha trazer o eterno, não há ninguém. É isso que a peça de Beckett diz.

Nós acreditamos que há Alguém. E no fundo, o que faz a diferença na nossa vida, com toda a humildade, com toda a despretensão, é sabermos que do outro lado está Alguém. Eu acho que isso obriga-nos a viver a todos de uma forma diferente. Uma coisa era se estivéssemos à espera e não chegasse ninguém, outra coisa é estarmos à espera e sabermos que Alguém vai chegar e que esse Alguém vai iluminar por inteiro a nossa vida, vai revelar o sentido de tudo aquilo que somos, vai ser a chave. E vai dar a esta vida, que tantas vezes é terra árida, a fecundidade. Vai encher o nosso coração sedento da Sua luz, da água viva do Seu Espírito.

Pe. José Tolentino Mendonça
http://www.capeladorato.org

Na conclusão do ano litúrgico, nesta e nos próximos dois domingos, a Igreja nos propõe a leitura de Mt 25, a segunda parte do grande discurso escatológico, isto é, sobre o fim dos tempos, feito por Jesus nos capítulos 24-25. Mateus lia em Marcos estas palavras de Jesus:

“Prestem atenção! Não fiquem dormindo (agrypneîte, vigilate), porque vocês não sabem quando vai ser o momento. (…) Vigiem (gregoreîte, vigilate), portanto, porque vocês não sabem quando o dono da casa vai voltar; pode ser à tarde, à meia-noite, de madrugada ou pelo amanhecer. (…) O que eu digo a vocês, digo a todos: Fiquem vigiando (gregoreîte, vigilate)!” (Mc 13, 33.35.37) [trad. Bíblia Pastoral].

A partir dessa advertência, Mateus recordou e colocou neste ponto três parábolas do Senhor sobre o que significa vigiar (cf. Mt 24, 45-25.30), seguidas pelo grande afresco sobre o juízo final (cf. Mt 25, 31-46 ). Dado o atraso da parusia, da vinda gloriosa de Cristo – pelo menos aos nossos olhos, se é verdade que “para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos são como um dia” (2Pd 3, 8) –, como viver o nosso “aqui e agora”?

O nosso texto também deve ser colocado pelo menos dentro daquilo que Jesus, sentado no Monte das Oliveiras, em frente ao templo (cf. Mt 24, 3), acabou de dizer aos discípulos:

“Fiquem vigiando (gregoreîte, vigilate)! Porque vocês não sabem em que dia virá o Senhor de vocês. Compreendam bem isto: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, certamente ficaria vigiando (egregóresen, vigilaret), e não deixaria que a sua casa fosse arrombada. Por isso, também vocês estejam preparados. Porque o Filho do Homem virá na hora em que vocês menos esperarem” (Mt 24, 42-44) [trad. Bíblia Pastoral].

Uma afirmação análoga se repete também no fim do nosso trecho, criando uma inclusão: “Ficai vigiando (gregoreîte, vigilate), pois não sabeis qual será o dia, nem a hora” (Mt 25, 13). Mais em geral, tal advertência envolve as três parábolas seguintes, que retratam um cenário em preto e branco, com dois caminhos opostos para se escolher:

Mt 24, 45-51: o servo que pode ser fiel e prudente/sábio ou malvado;

Mt 25, 1-13: cinco virgens sem juízo e cinco prudentes/sábias. Ou: o que é a prudência/sabedoria?

Mt 25, 14-30: dois servos fiéis que fazem frutificar os talentos recebidos, um malvado que os enterra. Ou: o que é a fidelidade?

A nossa parábola retrata os costumes matrimoniais palestinos: no dia anterior às bodas, ao pôr-do-sol, o noivo se dirigia com os amigos à casa da noiva, que o esperava junto com algumas amigas. Mas, se prestarmos atenção, o nosso relato apresenta muitos traços estranhos: a noiva não existe; o noivo chega à meia-noite; pede-se para comprar óleo em plena noite; a conclusão está fora de lugar, quase trágica…

Em suma, o ponto é outro. Essa parábola é construída artisticamente por Mateus, a partir da recordação das palavras de Jesus para descrever a prolongada expectativa pela vinda gloriosa do Senhor Jesus: é ele, o Messias, “o Noivo que tarda”, e o verdadeiro problema é como se comportar nessa expectativa! Como vigiar?

“O reino dos céus é como…”: com esta frase típica de Jesus, somos logo conduzido à vida do relato. Há dez virgens que se munem com as suas lâmpadas para “sair ao encontro do noivo”. Este último detalhe é expressado em grego com uma fórmula técnica para indicar a acolhida do rei na sua parusia, na visita oficial a uma cidade. Eis o que está verdadeiramente em jogo: a acolhida daquele rei totalmente singular que é Jesus Cristo, ele que vem para nos abrir o reino dos céus.

O evangelista logo especifica o essencial: cinco dessas virgens não têm juízo, cinco são previdentes/sábias. Em que consiste a diferença? Em se preparar ou não para o encontro com o Senhor, tomando o óleo consigo. Essa clara contraposição pode ser iluminada através daquilo que Jesus diz ao término do “sermão da montanha”:

“Quem ouve essas minhas palavras e as põe em prática, é como o homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, os ventos sopraram com força contra a casa, mas a casa não caiu, porque fora construída sobre a rocha. Por outro lado, quem ouve essas minhas palavras e não as põe em prática, é como o homem sem juízo, que construiu sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, os ventos sopraram com força contra a casa, e a casa caiu, e a sua ruína foi completa!” (Mt 7, 24-27) [trad. Bíblia Pastoral].

É sábio quem ouve a Palavra e a põe em prática; é sem juízo quem ouve e não faz isso. A escuta é comum ao desajuizado e ao sábio: o que os diferencia é a prática, ponto final.

“O noivo estava demorando…”: eis o detalhe decisivo da parábola. O problema é o atraso da vinda final de Jesus, um verdadeiro trauma para as primeiras gerações cristãs. E nós ainda esperamos Aquele que vem ou – como afirmava Ignazio Silone – temos, em relação à sua vinda, o mesmo entusiasmo daqueles que esperam o ônibus na parada?

“… Todas elas acabaram cochilando e dormindo.” Paradoxo: está se falando de vigiar, e todas dormem! Então, que tipo de vigilância é essa a que Jesus quer nos exortar? Onde está a diferença entre as desajuizadas e as sábias, se todas adormecem?

Antes de tentar dar uma resposta, deixemo-nos tocar pela voz que rompe a noite: “O noivo está chegando. Ide ao seu encontro!”. Grito que vem de repente, à meia-noite, a hora mais inesperada, em que o Senhor vem e nos surpreende como um ladrão na noite, afirma repetidamente o Novo Testamento (cf. Mt 24, 43; 1Ts 5, 2-4; 2Pt 3, 10; Ap 3, 3; 16, 15). Ao ouvir essa voz poderosa, todas as virgens, assim como haviam adormecido, se levantam, “ressurgem” (verbo egheíro). Mas eis que, finalmente, manifesta-se a diferença. As cinco imprudentes não têm óleo, então são forçadas a pedir um pouco para as outras cinco. No entanto, ouvem como resposta: “De modo nenhum, porque o óleo pode ser insuficiente para nós e para vós. É melhor irdes comprar aos vendedores”.

Resposta ditada pelo egoísmo? Não, é um modo, embora brusco, de dizer que, no juízo final, cada um deve responder por si mesmo: não se pode ter, in extremis, o óleo necessário, o encontro com o Senhor deve ser preparado antes. Esse óleo, ou se tem em si mesmo, ou ninguém pode reivindicá-lo dos outros: é o óleo do desejo pelo encontro com o Senhor.

Certamente, os Padres testemunham muitos outros modos de entender esse óleo: a caridade, a compaixão, as ações justas que dão corpo à fé etc. Mas eu acho que não se deve insistir demais em um único elemento, acabando por perder de vista o conjunto, isto é, o essencial: é na capacidade de manter vivo hoje o desejo pelo encontro com o Senhor que se joga o juízo final, ou seja, o fato de sermos ou não reconhecidos pelo Senhor quando ele vier no fim dos tempos. Manifestamos esse desejo na nossa vida cotidiana – como Jesus diz no afresco de Mt 25, 31-46 –; manifestamo-lo neste tempo de espera, na consciência de que a vida é longa e não basta ser homens e mulheres “de um momento” (Mc 4, 17, cf. Mt 13, 21), para lhe dar sentido!

Mas, finalmente, o Noivo chega, e entram com ele na sala de núpcias apenas as cinco virgens sábias, definidas com outro adjetivo: o “como”, o estilo da sua sabedoria consiste em estar “prontas”, preparadas, sem necessidade de qualquer adiamento. Então, “a porta se fechou”, um icástico particular, que diz, em muito poucas palavras, uma verdade muito clara, embora incômoda: dentro ou fora, não há uma terceira possibilidade!

“No fim” – expressão cara a Mateus (cf. Mt 4, 2; 21, 29.32.37; 22, 27; 26, 60) – chegam as outras cinco virgens, retornando da compra do óleo, e começam a invocar: “Senhor! Senhor! Abre-nos a porta!”. Mas ele responde resolutamente: “Em verdade eu vos digo: Não vos conheço!”, fórmula técnica com a qual, dentro de uma escola rabínica, o mestre repudia o seu discípulo.

Não seria, talvez, uma resposta dura demais? Para as bodas, sim; no âmbito do juízo, não: ela nos lembra de que o encontro com o Senhor é, ao mesmo tempo, festa e juízo. No último dia, no momento de dar início ao banquete do Reino, o Senhor Jesus não poderá deixar de evidenciar a verdade da nossa vida, mediante aquele juízo que nós confessamos no Credo (“donde há de vir a julgar os vivos e os mortos”), juízo absolutamente necessário para que a história tenha um sentido.

Tal verdade é admiravelmente expressa por Jesus em outro trecho do “sermão da montanha”, que precede aquele citado acima:

“Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no céu. Naquele dia muitos me dirão: ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos? Não foi em teu nome que expulsamos demônios? E não foi em teu nome que fizemos tantos milagres?’ Então, eu vou declarar a eles: Jamais conheci vocês. Afastem-se de mim, malfeitores!” (Mt 7, 21-23) [trad. Bíblia Pastoral].

Aqui, o discernimento de Jesus é sutil e desmascara uma forma de hipocrisia tipicamente “religiosa”: podemos presumir que fazemos prodígios em nome de Cristo e, em vez disso, nos enganarmos miseravelmente; ou seja, não fazer a vontade do Pai, que é também a sua vontade. Também não é suficiente fazer gestos carismáticos ou surpreendentes, porque essas obras podem se transformar em ídolos sedutores, por serem criados pelas nossas mãos, em ações que dão glória a quem as faz.

Não, o que o Pai quer é a misericórdia, como Jesus afirmou citando o profeta Oseias: “Eu quero misericórdia, não sacrifício” (Os 6, 6; Mt 9, 13; 12, 7). É um anúncio da misericórdia de Deus que deve transparecer a partir da nossa prática em meio aos outros homens e mulheres, e é só sobre isso que seremos julgados no último dia. Então, será revelado quem realmente aderiu ao Senhor e quem, embora fingindo agir em seu nome, foi um operador de injustiça…

Em suma, não há apenas a discrepância entre dizer e fazer; há também a discrepância entre um fazer egoísta, autorreferencial e um fazer inspirado pela vontade de Deus, por aquela misericórdia que é a “justiça superior” (Mt 5, 20) revelada por Jesus. É nesse “fazer diferente” que consiste o fato de estar pronto para ir ao encontro do Noivo que vem.

Por fim, Jesus conclui: “Portanto, ficai vigiando, pois não sabeis qual será o dia, nem a hora”. A vigilância é a matriz de toda virtude humana e cristã, é o sal de todo o agir, é a luz do pensar, do escutar e do falar de todo ser humano. Não se pode deixar de lembrar, a esse respeito, a afiada compreensão do grande Basílio, na conclusão das suas “Regras morais”:

“O que é específico do cristão?” “Vigiar todo dia e toda hora, e estar pronto para cumprir plenamente a vontade de Deus, sabendo que, na hora que não pensamos, o Senhor vem (cf. Mt 24, 44; Lc 12, 40)” (80:22).

E o apóstolo Paulo, naquele que é o mais antigo escrito do Novo Testamento, assim admoesta os cristãos de Tessalônica:

“Vocês, irmãos, não vivem em trevas, de tal modo que esse dia possa surpreendê-los como um ladrão. Porque todos vocês são filhos da luz e filhos do dia. Não somos da noite nem das trevas. Portanto, não fiquemos dormindo como os outros. Estejamos acordados e sóbrios” (1Ts 5,4-6) [trad. Bíblia Pastoral].

Velar, vigiar é ir ao encontro do Senhor com as lâmpadas do desejo acesas; é ser sábio, isto é, pronto para viver o tempo longo da espera com a ajuda do óleo da inteligência. E tendo em mente – como Jesus revela com realismo – a possibilidade de adormecer, ou seja, de esquecer, de remover o horizonte da vinda do Senhor.

Como enfrentar essa que é mais do que uma possibilidade? Lutando a cada dia para não deixar que as nossas vidas pesem com a rotina, a repetitividade do cotidiano, que sempre é o hoje de Deus, a única porta de acesso no mundo à vinda final do Senhor: “Bem-aventurados aqueles servos a quem o Senhor, na sua vinda, encontrar vigilantes!” (Lc 12, 37).

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«A experiência é um pente que a natureza oferece aos calvos». Este provérbio chinês, que soa como uma censura à superficialidade humana, quase uma mofa aos arrogantes, é uma das muitas mensagens que a sabedoria milenária dos povos, de todo o tempo e lugar, lança às futuras gerações, sob a forma de provérbios e axiomas. Também a Bíblia, sobretudo nos chamados livros «sapienciais», está cheia de mensagens de humanidade e de valores espirituais. Temos uma prova disso na I leitura de hoje. Quase a chegar ao termo do ano litúrgico e em proximidade das celebrações de Todos os Santos e de Todos os Fiéis Defuntos, a liturgia deste domingo propõe-nos o tema da «sabedoria», que se nos apresenta como sensatez, fruto da experiência, mas sobretudo como dom gratuito de Deus, que conduz à verdade sobre as pessoas e sobre as coisas. A sabedoria aparece muitas vezes como personificada: «Ela mesma procura por toda a parte os que são dignos dela» (v. 16) e senta-se à porta dos que a procuram desde a aurora (v. 14). Para todos os que anseiam a verdade e a sabedoria, vale a pena recordar o testemunho de um sábio da Índia: «A verdade é como uma grande árvore: quanto mais se a cultiva, mais frutos dá» (Mahatma Gandhi).

A Sabedoria, a Verdade em grau máximo, é o próprio Deus. É Ele o tesouro pelo qual a alma do salmista suspira como o sequioso em busca de água. O salmo responsorial exprime intensamente a alegria da procura e do encontro com Deus, dirigindo-se mais de 15 vezes (com pronomes e adjectivos) a um «Tu» muito concreto, amado e desejado. Este amigo de coração é o próprio Jesus, o esposo que hoje, na parábola das dez virgens (Evangelho), fala à sua esposa, a Igreja, no seio da qual algumas pessoas são insensatas e outras sábias. A parábola é rica de símbolos e de mensagens que devem ser entendidos no contexto bíblico: o simbolismo nupcial que indica a relação homem-Deus, os símbolos da vigília e do sono, a noite e a luz, o óleo, sensatez e insensatez, o atraso do esposo, a porta fechada, o banquete nupcial e outros símbolos.

A expectativa e o acolhimento do esposo, o Senhor Jesus, que chega a todo o momento, exige uma resposta pessoal e insubstituível, simbolizada também na disputa do azeite (pedido por algumas das virgens e recusado pelas outras), que cada um deve procurar na vida. A sabedoria é como um óleo que não é fácil distribuir: «é um óleo que produzimos a partir de nós mesmos, da nossa maceração interior, dos nossos sofrimentos, dos nossos amores…Nós devemos esforçar-nos para que este óleo não nos venha a faltar» (E. Balducci). É verdade que não podemos substituir-nos a ninguém na resposta ao Deus que chama e salva, mas podemos, ou melhor devemos partilhar com outros o dom da fé e do conhecimento de Cristo, que nos sustenta no caminho e que pode iluminar também outras pessoas que procuram a verdade de coração sincero.

Pela fé sabemos que o esposo que aguardamos e que chega durante a noite é Cristo, o qual nos convida a entrar no banquete da vida, a estar «para sempre com o Senhor» (II leitura, v. 17). Nós que somos confortados por esta esperança (v. 13-14.18), com sentido de responsabilidade missionária queremos que também para outros – para todos! – seja aberta a porta do banquete. Conscientes de que a porta é Cristo (Jo 10,9), anunciamo-lo como mestre e salvador, focalizando a mensagem missionária antes de mais sobre a Sua pessoa. Isso nos é ensinado por um santo moderno, apaixonado por Cristo e pelos pobres: «O cristianismo não é uma doutrina abstracta: um conjunto de dogmas a acreditar, de preceitos e mandamentos. O cristianismo é Ele! Cristo no cristianismo não é uma devoção. Não é a principal devoção, nem sequer a devoção mais importante. Verdade basilar: o cristianismo é Cristo» (São Alberto Hurtado Cruchaga, jesuíta do Chile). O Reino, que Jesus proclama e personifica, é acima de tudo o encontro com Ele. O anúncio missionário tem sempre esta centralidade: é o convite ao banquete da Vida. Em Cristo. Para todos!