SER AMOR
“Estive duas vezes no monte Athos. Lembro-me com prazer da primeira visita há vinte anos. O velho padre nos cumprimentou, a mim e a meu irmão, em Simonos Petras. Não entendemos nada do que ele falava. Mas as mãos que nos estendeu eram tão macias e sensíveis que exalavam amor. E os seus olhos irradiavam tal amor que logo nos sentimos em casa. Então pressenti como uma pessoa pode mudar quando é atravessada por inteiro pelo amor de Deus.
Quando olho tais pessoas que são puro amor lembro-me também de uma velha camponesa em cujo olhar se podia ler amor e misericordiosa doçura. Ela passou por altos e baixos na vida. Não falava muito. Mas em todo o seu ser brilhava um amor que brotava em todos os poros do seu corpo.
Dessas pessoas flui um amor que tudo une, Deus, homem e criação. Elas estão em harmonia consigo mesmas e com a sua vida. Elas se amam e se sabem profundamente amadas por Deus. Elas fazem o seu amor fluir para tudo que encontram, para os homens, mas também para os animais e as coisas, que elas tocam amorosamente.
É provável que o leitor também conheça essas pessoas que são preenchidas de amor em todo o seu ser. Perto delas, você se sente em casa, aceite, amado. Mas o que é isso que irradia dessas pessoas? Temos dificuldade quando tentamos definir com mais precisão aquilo a que chamamos amor. Só podemos descrever que o amor é, evidentemente, uma qualidade do sentir, do falar e do agir, uma força que flui de nós, uma irradiação. Nela estão as qualidades da doçura, da bondade, da ternura, da amizade, da mansidão, da alegria. Por fim, estão reunidos no amor todos os frutos do Espírito que Paulo enumera na Epístola aos Gálatas (Gl 5,22s).”

CENTRAR O CORAÇÃO NO REINO
As palavras de Jesus: “Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo” (Mt 6, 33) são o que melhor sintetiza a maneira como somos chamados a viver a vida; com o coração fixo no reino de Deus.
Esse Reino não é nenhuma terra longínqua que um dia esperamos alcançar, nem é a vida depois da morte ou um estado ideal. Não. O Reino de Deus é, antes de mais, uma presença ativa do espírito de Deus no nosso íntimo que nos oferece a liberdade por que realmente anelamos.
E, por isso, a principal questão é a seguinte: Como centrar, acima de tudo, o nosso coração no Reino, se ele está preocupado com tantas coisas?
De alguma forma, é necessária uma mudança de coração, uma mudança que nos possibilite a experiência da realidade, da nossa existência do ponto de vista de Deus.
Uma vez, assisti a uma mímica em que um homem se esforçava por abrir uma das três portas dum quarto em que se encontrava. Ele empurrava e puxava as maçanetas das portas, mas nenhuma das portas se abria. Então deu um pontapé no painel de madeira da porta, mas a madeira não cedeu. Finalmente, deixou-se cair com todo o seu peso contra as portas, mas nenhuma delas cedeu. Era uma visão ridícula, mas muito hilariante, porque o homem estava tão concentrado nas três portas fechadas que nem sequer reparou que o quarto não tinha parede e que podia perfeitamente sair, bastando para isso olhar à sua volta.
A conversão é isto mesmo. É uma volta completa que nos permite descobrir que não somos prisioneiros como julgamos ser.
Do ponto de vista de Deus, frequentemente parecemo-nos com o homem que procura abrir as portas fechadas do seu quarto. Preocupamo-nos com muita coisa e chegamos mesmo a causar mágoa a nós próprios por nos preocuparmos tanto.
Deus diz: “Dá uma volta, centra teu coração no meu Reino. Eu dou-te toda a liberdade que quiseres.”
Henri Nouwen, em “Aqui e Agora”

AMAS-ME?
A afirmação simples “Deus é Amor” tem implicações de longo alcance a partir do momento em que começarmos a viver a nossa vida baseados nessa afirmação. Se Deus, que me criou, é amor e só amor, sou amado mesmo antes que qualquer ser humano me ame.
Quando era criança, perguntava constantemente ao meu pai e à minha mãe: “Gostas de mim?” Fazia esta pergunta tão frequente e persistentemente que se tornou uma fonte de irritação para os meus pais. Embora me garantissem centenas de vezes que me amavam, eu nunca parecia completamente satisfeito com as suas respostas e continuava a fazer-lhes a mesma pergunta. Agora, muitos anos depois, compreendo que pretendia uma resposta que eles não me podiam dar. Eu queria que eles me amassem com um amor eterno. E sei que o caso era esse, porque a minha pergunta “Gostas de mim?” era sempre acompanhada duma outra pergunta. “E tenho que morrer?” De alguma forma, já devia saber na altura que, se os meus pais me amassem com um amor total, ilimitado e incondicional, nunca morreria. Por isso mesmo, continuava a importuná-los com a estranha esperança de eu constituir uma excepção à regra que diz que toda a gente há-de morrer um dia.
Muita da nossa energia está resumida na pergunta: “Amas-me?,… Gostas de mim?” À medida que envelhecemos, vamos desenvolvendo muitas maneiras mais subtis e sofisticadas de fazer esta pergunta. Dizemos: “Confias em mim, preocupas-te comigo, aprecias-me, és-me fiel, apoias-me, dirás bem de mim?”… e assim por diante. Muita da nossa dor vem da nossa experiência de não ter sido bem amados.
O grande desafio espiritual é descobrir, com o passar do tempo, que o amor limitado, condicional e temporal que recebemos dos pais, cônjuges, filhos, professores, colegas e amigos, é um reflexo do amor ilimitado, incondicional e eterno de Deus.
Se conseguirmos dar esse grande salto de fé, então chegaremos a compreender que a morte já não é o fim mas a entrada para a plenitude do Amor Divino.
Henri Nouwen, em “Aqui e Agora”