20° Domingo
do Tempo Comum (ciclo A)
Mateus 15, 21-28
- Isaias 56,1.6-7
A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos - Salmo 66 (67)
Refrão: Louvado sejais, Senhor, pelos povos de toda a terra - Carta aos Romanos 11,13-15.29-3
Deus encerrou a todos na desobediência, para usar de misericórdia para com todos - Evangelho Mateus 15,21-28
Naquele tempo, Jesus retirou-Se para os lados de Tiro e Sidónia.
Então, uma mulher cananeia, vinda daqueles arredores, começou a gritar:
«Senhor, Filho de David, tem compaixão de mim. Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio».
Mas Jesus não lhe respondeu uma palavra.
Os discípulos aproximaram-se e pediram-Lhe: «Atende-a, porque ela vem a gritar atrás de nós».
Jesus respondeu: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel».
Mas a mulher veio prostrar-se diante d’Ele, dizendo: «Socorre-me, Senhor».
Ele respondeu: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos».
Mas ela replicou: «É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa de seus donos».
Então Jesus respondeu-lhe: «Mulher, e grande a tua fé. Faça-se como desejas».
E, a partir daquele momento, a sua filha ficou curada.
Migalhas de Deus são tão grandes como o próprio Deus
A mulher das migalhas, a cananeia pagã, surpreende e converte Jesus: fá-lo passar de mestre de Israel a pastor de todas as dores do mundo (Mateus 15,21-28). A primeira das suas três palavras é uma oração, a mais evangélica, um grito: “Kyrie eleyson”, piedade, Senhor, de mim e da minha criança. E Jesus não lhe dirige nem sequer uma palavra.
Mas a mãe não se rende, cola-se ao grupo, diz e rediz a sua dor. Até que provoca uma resposta, mas distante e brusca: vim para os de Israel, e não para vós.
Frágil mas indómita, não larga; como toda a verdadeira mãe pensa na sua criança, e relança. Lança-se por terra, corta o passo a Jesus, e do coração irrompe-lhe a segunda oração: ajuda-me! E Jesus, áspero: não se tira o pão aos filhos para o lançar aos cães.
E eis a inteligência das mães, a fantasia do seu amor: é verdade, Senhor, mas os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa dos seus donos. Faz uma migalha de milagre, para nós, os cachorrinhos do mundo!
É a reviravolta da narrativa. Docemente, a mulher confessa que está ali só para buscar migalhas, só restos, pão perdido. Poderosamente, a mãe acredita com todo o seu ser que para o Deus de Jesus não há filhos e não-filhos, seres humanos e cachorrinhos. Mas só fome e criaturas a saciar; que o Deus de Jesus está mais atento à dor dos filhos que ao seu credo, que prefere a sua felicidade à fidelidade.
Jesus está fulgurado, comove-se: mulher, grande é a tua fé! Ela que não vai ao templo, que não lê as Escrituras, que reza aos ídolos cananeus, é proclamada mulher de grande fé. Não conhece o catecismo, todavia mostra que conhece Deus por dentro, sente-o pulsar na profundidade das suas feridas do seu coração de mãe. Sabe que «faz chaga no coração de Deus a soma da dor do mundo» (G. Ungaretti).
A dor é sagrada, há ouro nas lágrimas, há toda a compaixão de Deus. Pode parecer uma migalha, pode parecer pouca coisa a ternura de Deus, mas as migalhas de Deus são tão grandes como o próprio Deus. Grande é a tua fé!
E hoje continua a ser assim, há muita fé na Terra, dentro e fora das igrejas, sob o céu do Líbano como sob o céu de Nazaré, porque grande é o número das mães do mundo que não sabem o Credo, mas sabem que Deus tem um coração de mãe, e que misteriosamente lhe prenderam e guardaram um fragmento.
Sabem que para Ele a pessoa vem primeiro que a sua fé. Seja como desejas. Jesus realça o pedido da mãe, restitui-lhe: és tu e o teu desejo que mandam. A tua fé e o teu desejo de mãe, uma fração de Deus, ardente (cf. Cântico 8,6), são verdadeiramente um ventre que dá à luz milagres.
Ermes Ronchi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
http://www.snpcultura.org
JESUS É PARA TODOS
A cena é impressionante. Uma mulher pagã gritando ao encontro de Jesus. Ela é uma mãe com uma personalidade forte pedindo compaixão para com sua filha enferma, porque ela tem certeza de que Deus quer uma vida digna para todos os seus f ilhos e filhas, apesar de serem pagãos, apesar de serem mulheres. O seu pedido é direto: “Senhor, Filho de David, tem piedade de mim. Minha filha é atormentada por um demônio”. Mas seu grito caiu no vazio: Jesus fica num silêncio difícil de explicar. Não fica comovido seu coração frente à desgraça daquela mulher sozinha e indefesa?
A tensão se torna insuportável quando Jesus quebra o silêncio e se recusa categoricamente a ouvir aquela mulher. Sua recusa é firme e nasce de seu desejo de ser fiel à missão recebida do Pai: “Eu fui mandado somente para as ovelhas perdidas da casa de Israel”.
Ela não desanima. Caminha mais rapidamente, alcança o grupo, prostra-se diante de Jesus e, do chão, repete seu pedido: “Senhor, ajuda-me”. Em seu grito está ecoando a dor de tantos homens e mulheres que pertencem ao grupo daquele Curador, e sofrem uma vida indigna. Hão de ser excluídos da sua compaixão?
Jesus reafirma a sua negativa: “Não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo para os cachorrinhos”. A mulher não se rende à frieza perturbadora de Jesus. Não discute. Aceita sua imagem dura. Porém, extrai um resultado que Jesus não levou em conta: “Está certo, Senhor, mas também os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos”. Na mesa de Deus há pão suficiente para todos.
Jesus reage surpreso. Ouvindo ao fundo esse desejo pagão, ele entende que aquilo que pede é exatamente o que quer Deus: “Mulher, grande é a tua fé: que se cumpra sua vontade”. O amor de Deus para com aqueles que sofrem não conhece fronteiras e nem faz diferença entre crentes ou pagãos. Escutar esta mulher não fica longe da vontade do Pai, mas ele descobre qual é seu verdadeiro alcance.
Os cristãos de hoje têm que aprender a viver com agnósticos, indiferentes ou pagãos. Não são inimigos a serem tirados de nosso caminho. Se ouvirmos o seu sofrimento, descobriremos que eles são pessoas frágeis e vulneráveis que procuram, como nós, um pouco de luz e estímulo para viver.
Jesus não é propriedade dos cristãos. Sua luz e seu poder de cura são para todos. É um erro nos fecharmos em nossos grupos e comunidades, distanciando-nos , excluindo ou condenando aqueles que não são iguais. Somente cumprirmos a vontade do Pai quando vivemos abertos a todo ser humano que sofre e geme pedindo compaixão.
José Antonio Pagola
http://www.ihu.unisinos.br
Ninguém é excluído do Evangelho da Vida
Romeo Ballan mccj
Ninguém está longe, e menos ainda excluído, do coração de Deus. O tema central das quatro leituras bíblicas deste domingo é a salvação que Deus oferece livremente, sem exclusões, a toda a pessoa, a todos os povos. Esta afirmação, que para nós, hoje, é evidente e fora de discussão, foi pelo contrário uma conquista bastante atormentada pela comunidade dos judeo-cristãos, para os quais Mateus escrevia o seu Evangelho. É conhecido quanto o Israel antigo e o contemporâneo de Jesus vivessem a salvação e a aliança como propriedades privadas, quase exclusivas do povo eleito, frente aos «pagãos, que aos olhos dos judeus eram considerados cães» (alcunha depreciativa), como anota a Bíblia de Jerusalém em Mt 15,26. O livro dos Actos dos Apóstolos dá conta do difícil percurso e da lenta abertura da primeira comunidade cristã sobre este ponto. A difícil gestão do caso de Cornélio por parte de Pedro e da comunidade (Actos 10-11), o debate no Concílio de Jerusalém (Actos 15), as controvérsias de Paulo com os judeo-crsitãos… são testemunhos claros de quanto tenha sido árduo para a Igreja primitiva admitir novos membros provenientes do mundo pagão, isto é, de origem não hebraica. E ainda mais inconcebível era aceitá-los sem passar sob a Lei antiga.
O texto de Isaías (I leitura) oferece um ar de universalidade: os estrangeiros entram com alegria na casa de oração, os seus sacrifícios são aceites por Deus no templo, que Ele abrirá «para todos os povos» (v. 7). Tal abertura universal, cantada com alegria pelo salmista (salmo responsorial), permanecia ainda condicionada à observância do sábado e à subida ao monte santo (Is 56,6-7), elementos que se tornarão caducos depois da ressurreição de Jesus. O esforço do crescimento em ordem à universalidade está patente no diálogo e no milagre de Jesus com a mulher cananeia (Evangelho), originária da região de Tiro e Sidónia (v. 21). O evangelista Marcos insiste em descrevê-la como estrangeira e pagã: «era grega, de origem siro-fenícia» (Mc 7,26). A superação do exclusivismo mostra-se clara, no fim, na admiração de Jesus pela fé daquela mulher pagã e estrangeira. Ela está consciente de não ser filha, mas cachorrinho, com direito pelo menos às migalhas dos donos (v. 26-27); está certa no entanto de ter um lugar no coração de Deus. Jesus exalta a grande fé daquela mãe, atende-a curando instantaneamente a filha doente (v. 28). Exactamente como tinha curado o servo do centurião pagão de Cafarnaúm, louvando a sua fé como primícias dos novos comensais do Reino, que «virão do oriente e do ocidente» (Mt 8,10-13).
Depois de factos como estes, é evidente que a pertença ao povo de Deus não virá mais pela via do sangue (raça), mas pela via da fé, que é sempre e simplesmente dom misericordioso e gratuito de Deus, Pai de todos. Pai em primeiro lugar dos Judeus, e depois dos pagãos, ensina Paulo aos Romanos (II leitura): a prioridade, ou a primogenitura dos Judeus é verdadeira, mas apenas temporária; não significa exclusão dos outros povos. Segundo Paulo, todos os povos foram igualmente desobedientes, rebeldes e infiéis a Deus: primeiro os pagãos, e depois também os Judeus; mas agora Deus quer «ser misericordioso para com todos» (v. 32). É o dom e o mistério do amor misericordioso de Deus. Por todos! Este é o Evangelho, a boa-nova missionária de que o mundo tem necessidade. Para sua vida e sua alegria! (*)
Hoje, não se nega, teoricamente, a admissão de todos à salvação em Cristo, mas, na prática, existe o perigo de considerar o Evangelho como propriedade privada, de uso pessoal. Não se chega a negar que todos sejam igualmente chamados a conhecer Cristo, mas, de facto, faz-se pouco ou nada para o anunciar a quantos ainda não o conhecem. Pensa-se: “Sim, têm direito, mas podem ainda esperar; um dia alguém pensará nisso”… O desafio é descobrir a missão como dom e empenho urgente. A isto nos convida o próprio Mateus: «Ide, pois, e fazei discípulos de todos os povos» (Mt 28,19).
O episódio da cananeia – que é mulher, pagã, estrangeira – acolhida e atendida por Jesus, repropõe o tema do acolhimento dos estrangeiros na sociedade civil e nas comunidades cristãs. O exemplo de Jesus faz escola! Merecem apoio, portanto, todas as iniciativas que promovem a solidariedade e a integração entre povos e grupos diferentes. Dizem-no bem muitos programas: «Abre a tua casa ao mundo e o mundo será a tua casa» – «Na minha cidade ninguém é estrangeiro!».
Palavra do Papa
(*) «A Palavra de Deus oferece-nos a oportunidade de reflectir sobre a universalidade da missão da Igreja, constituída por povos de todas as raças e culturas. É precisamente daqui que provém a grandiosa responsabilidade da comunidade eclesial, chamada a ser uma casa hospitaleira para todos, sinal e instrumento de comunhão para toda a família humana. Como é importante, sobretudo no nosso tempo, que cada comunidade cristã aprofunde cada vez mais esta sua consciência, com a finalidade de ajudar também a sociedade civil a superar toda a possível tentação de racismo, de intolerância e de exclusão, e a organizar-se com opções respeitosas da dignidade de cada ser humano!»
Bento XVI
Angelus domingo 17.8.2008