15° Domingo
Tempo Comum (ciclo A)
Mateus 13,1-23
- 1ª leitura: A chuva faz a terra germinar (Isaías 55,10-11)
- Salmo: Sl. 64(65) – R/ A semente caiu em terra boa e deu fruto.
- 2ª leitura: A criação espera ansiosamente o momento de se revelarem os filhos de Deus (Romanos 8,18-23)
- Evangelho: O semeador saiu para semear (Mateus 13,1-23)
Escutar a vida em profundidade

Queridos irmãs e irmãos,
Naquele dia, Jesus saiu de casa e foi sentar-Se à beira mar. Nós colhemos as imagens principais de Jesus em movimento. Jesus é um itinerante, é um pregador itinerante. Ele diz: “As raposas têm as tocas e as aves do céu os seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde encostar a cabeça.” Mas, a verdade é que Jesus também dormia em determinados lugares, também era acolhido em casa dos Seus amigos.
Há uma questão que se levanta a partir desta passagem do Evangelho de Mateus, que é a questão: Jesus teve uma casa ou não? Ou viveu na casa dos pais e depois viveu onde calhava? Ele tinha uma casa ou não? Nós não sabemos. Não podemos dizer: não, não tinha. E não podemos dizer: sim, tinha. Mas, esta passagem do evangelho de Mateus deixa-nos com a pergunta quando se diz: “Jesus saiu de casa.” Mas da casa de quem? “Jesus saiu de casa e foi sentar-Se à beira mar.”
Possivelmente, durante um tempo, ali em Cafarnaum, quando ele começou a Sua vida pública Ele tinha uma casa ou alugou uma casa ou tinha permanentemente uma casa. Mas, para nós o importante não é apenas a casa mas é este movimento: Jesus saiu de casa e foi sentar-Se à beira mar. Foi sentar-Se à beira mar também pelas mesmas razões que nós vamos neste período sentar-nos à beira mar, porque está muito calor, não se consegue viver fechado dentro das casas muito tempo. E então, Jesus foi procurar a brisa do mar, a frescura do mar.
Este tempo de férias é também um tempo de procura, no sentido de que a nossa alma, o nosso coração, precisa de outros caminhos, precisa de outros espaços, precisa de uma vastidão. Nós não somos feitos para o ar condicionado ou para a vida condicionada. Nós somos feitos, como lembra S. Paulo na Carta aos Romanos, para o incomparável. Isto é, para aquilo que não tem comparação. Nós fomos feitos para o infinito. Quer dizer, nós sentimos que a nossa vida está numa gestação. Nós sentimos que há umas dores de parto e que essas são a nossa vida, e que estamos a gerar e, ao mesmo tempo, a ser gerados, estamos a criar e a ser recriados. Mesmo quando só parece que temos a vida sonâmbula, ofegante, as tarefas, as rotinas, as obrigações, os deveres, as coisas que se impõem. Mesmo quando parece que o nosso horizonte é cada vez mais curto, breve, imediato, que é aquilo, que não pode ser outra coisa, que não podemos ter ilusões. Mesmo quando parece que a vida se estreita, se afunila, o nosso coração é feito para coisas incomparáveis. E ele está-nos sempre a dizer isso, a nossa alma está sempre a dizer isso.
Por isso, nós precisamos de subir aos montes, precisamos de ir olhar o mar, precisamos de contemplar a natureza, precisamos de estar parados, só a receber, precisamos do confronto com o silêncio, precisamos de ver, de tatear, de cheirar, de degustar uma medida que seja maior do que a vida pequenina, do que a vida minúscula, do que a vida que se escreve por estreitas sílabas. Precisamos de mais. “Jesus saiu de Sua casa e foi sentar-Se à beira mar.”
Mesmo se não temos oportunidade de sentar-nos à beira-mar, mesmo se não temos oportunidade de fazer férias, por qualquer que seja a razão, é importante na nossa vida haver uma deslocação. É importante sentarmo-nos a contemplar, é importante sairmos do nosso lugar habitual, nem que seja para visitar o parque, visitar o nosso lugar interior e dar lugar a essa experiência de que somos feitos para coisas incomparáveis.
“Jesus sai da Sua casa e vai sentar-Se à beira mar.” E ali há uma parábola, Jesus conta uma parábola e a multidão senta-se à beira do lago a escutar. Quando nós vamos de férias o que é que vamos fazer? Às vezes parece que enchemos tudo, enchemos o carro e vamos evadir, vamos fugir, vamos esquecer, vamos distrair, vamos submergir no mundo num espaço que não nos lembre a vida, não queremos pensar. E é o contrário, as férias são um tempo favorável para a escuta profunda, é uma oportunidade para eu escutar, para eu sentir que há uma parábola que me está a ser contada. E o que é que estás a ouvir? É interessante a parábola que Jesus conta porque é, no fundo, a parábola da vida. Do que é que eu estou a ser, do que é que eu estou a viver, como é que eu estou a abraçar a vida ou a deixar simplesmente passar ao lado? Como é que eu estou a ser? Fecundo ou estéril? Como é que eu estou a produzir, a multiplicar a vida? Ou, pelo contrário, como é que eu estou a enterrar, como é que eu a estou a diluir? Jesus conta esta parábola que é a parábola da nossa vida e que é a parábola de um tempo de balanço.
Porque Deus passa sempre na nossa vida, o semeador passa a semear. Todos os dias nós recebemos sementes, oportunidades. Cada dia é uma oportunidade, cada encontro é uma viagem, hoje pode ser o dia da salvação. Hoje jogam-se as coisas mais importantes da minha vida. O semeador passa a semear, e ele vai passando a sua semente e a semente cai em lugares diferentes, lugares diferentes da nossa própria vida, porque nós somos tudo isto ao mesmo tempo. Nós somos este caminho, a semente perde-se no caminho. Há tantas coisas que nós ouvimos e entram a cem e saem a mil, e nós parece que ouvimos mas não ouvimos porque já estávamos de costas, já não percebemos bem. A vida está cheia de coisas que nós devíamos ter escutado e não escutamos. Muitas vezes, a dor, o peso é isso: o que eu devia ter escutado a dada altura e não escutei, foi-me dito e eu não ouvi. Não estava aí, estava noutra, estava a caminhar e a semente perde-se.
E há outra semente que é deitada em sítios pedregosos. E parece que acontece um milagre porque ela floresce logo, mas depois não tem raiz em si mesma. Nós também sentimos que muitas vezes é assim. Há entusiasmos, há coisas pompeantes, há alegrias, há coisas que parece que agora é que vai ser, que agora é que é. Mas depois nós não cuidamos da nossa raiz, não damos tempo, não amadurecemos, não fazemos um caminho bom. E então, como não há uma fidelidade, não há um permanecer, aquele entusiasmo muito vigoroso, muito prometedor, acaba por morrer.
Outras sementes são colocadas entre espinhos e quando crescem ficam sufocadas. E Jesus diz: “É a nossa vida, andamos preocupados com as tarefas, andamos seduzidos pela riqueza, por isto e por aquilo e não damos espaço, sufocamos dentro de nós a vida.” Vejam que responsabilidade nós temos em relação à nossa própria vida porque não damos ar, não permitimos, não permitimos muitas vezes que a palavra de Deus cresça dentro do nosso coração. Não damos espaço, é tudo cheio de espinhos que sufoca esta vitalidade do Espírito em nós.
E, por fim, há a semente que cai em terra boa. E o nosso coração também é uma terra boa. É importante sentirmos isso e confiarmos nisso, confiarmos nisso. Este pobre coração, esta pobre vida que é a nossa, esta vida vulnerável, frágil é também ao mesmo tempo uma terra boa, é um lugar onde é possível, é possível. E precisamos de acreditar nisso, que a semente pode cair e dar fruto. Pode dar três ou trinta, pode dar um ou cem. Não importa. Ela vai dar fruto, vai dar fruto.
Jesus saiu da Sua casa e foi à beira mar, escutar a vida em profundidade. E é no fundo isto que nós precisamos fazer, este exercício. Não nos deixemos empurrar por esta sociedade do consumo que nos atordoa com isto e aquilo, e sobretudo não quer que a gente pare nunca, que a gente mergulhe nunca na sua vida interior. Não, há uma parábola que nos está a ser contada e que nós precisamos de escutar, e essa parábola é a nossa própria vida e é aquilo que nós estamos a fazer da nossa própria vida, é a atitude que temos para com a nossa própria vida.
Que ela seja a terra boa na qual o Semeador passa e tem a confiança de que aquela semente não é em vão. Isso que a imagem do profeta Isaías que hoje nós ouvíamos nos diz e uma forma tão maravilhosa: “Assim como a chuva e a neve descem do céu e não voltam para lá sem terem regado a terra, assim a Palavra que sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu efeito.” Deixemos que o efeito de Deus, o efeito da Sua Palavra, nos transforme, faça acontecer dinamismos de vida, de afetos, de esperança dentro de nós. E que este tempo que vamos viver seja um tempo de graça, um tempo para escutar a vida em profundidade.
José Tolentino Mendonça
http://www.capeladorato.org
A semente de Deus converte terra árida em chão fecundo
De muitas coisas Ele lhes falou com parábolas (Mateus 13,1-9). As parábolas saem da voz viva do Mestre. Escutá-las é como escutar o murmúrio da fonte, o momento inicial, fresco, espontâneo do Evangelho. As parábolas não são um remedeio ou uma exceção, mas o extremo mais alto e genial, o mais refinado da linguagem de Jesus. Ele amava o lago, os campos de trigo, as extensões de espigas e papoilas, os pássaros em voo, a figueira. Observava a vida e nasciam parábolas. Tomava histórias de vida e delas fazia histórias de Deus, desvelava que «em cada coisa está semeada uma sílaba da Palavra de Deus» (“Laudato si’”).
O semeador sai para semear. Jesus imagina a história, a criação, o reino como uma grande sementeira: é tudo um semear, um voo de trigo ao vento, na terra no coração. É todo um germinar, um brotar, um maturar. Cada vida é narrada como um amanhecer contínuo, uma primavera tenaz. O semeador sai, e o mundo logo engravida. E eis que o semeador, que pode parecer desprevenido, porque parte das sementes cai sobre pedras, silvas e estrada, é, ao invés, aquele que abraça a imperfeição do campo do mundo, e ninguém é discriminado, ninguém excluído da sementeira divina. Somos todos duros, espinhosos, feridos, opacos, mas a nossa humanidade imperfeita é também um torrão de terra boa, sempre apta a dar vida às sementes de Deus.
Há no campo do mundo, e naquele do meu coração, forças que contrastam a vida e os nascimentos. A parábola não explica porque é que isso acontece. E também não explica como arrancar ervas daminhas, remover pedras, expulsar pássaros. Mas fala-nos de um semeador esperançoso, cuja confiança, no fim, não é traída: no mundo e no meu coração está a crescer trigo, está a amadurecer uma profecia de pão e de fome saciada. Explica-o o verbo mais importante da parábola: deu fruto. Até cem por um. E não é um piedoso exagero. Vai a uma seara e vê que, por vezes, de um só grão podem brotar vários caules, cada um com a sua espiga. A ética evangélica não procura campos perfeitos, mas fecundos. O olhar do Senhor não pousa sobre os meus defeitos, sobre pedras ou silvas, mas sobre o poder da Palavra que revira os torrões pedregosos, protege os rebentos novos e rebela-se contra toda a esterilidade.
E fará de mim terra boa, terra mãe, berço acolhedor de embriões divinos. Jesus narra a beleza de um Deus que não vem como ceifeiro das nossas poucas searas, mas como o semeador infatigável das nossas charnecas e abrolhais. E aprenderei dele a não precisar de colheitas, mas de grandes campos a semear em conjunto, e de um coração não roubado; preciso do Deus semeador, que as minhas aridezes nunca detêm.
Ermes Ronchi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
http://www.snpcultura.org
O semeador saiu para semear
Por que as parábolas?
Lendo de modo apressado as versões deste mesmo episódio em Lucas ou Marcos, poderíamos acreditar que Jesus fala por parábolas (ou seja, por “comparações”) para que seus ouvintes não possam compreender. Mas, em Mateus, pelo contrário, Jesus diz que, porque seus ouvintes não compreendem a verdade nua e crua, é que usa de analogias.
E, por aí, nos faz descobrir algo de essencial: que o Reino de Deus, ou seja, este universo em que a vontade do Amor, de que Deus se constitui, será compartilhada plenamente pela humanidade, já está presente e em atividade na criação e em nossa vida diária.
“O Reino de Deus é semelhante a…”, diz ele muitas vezes, no início de suas parábolas. Já o estamos vivendo, portanto, ainda que sem perceber, e a parábola nos permite descobri-lo. Na 2ª leitura, Paulo diz que toda a criação está também “gemendo, como que em dores do parto”.
Se Jesus fosse dizer diretamente a verdade, estaria imediatamente fazendo-se rejeitar. Qual é esta verdade? Os seus ouvintes imaginavam que ele tivesse vindo para restabelecer a autonomia de Israel… Enquanto ele veio para fazer seus os sofrimentos e a morte de todos, a fim de libertá-los deles.
Veio para dar vida a um homem novo, depois do doloroso parto da Cruz. Será que a média de seus ouvintes compreenderia isto? Nem mesmo os discípulos entenderam! Conforme podemos verificar a propósito até mesmo de Pedro, em Mateus 16,22-23 ou em Marcos 9,30-32.
Notemos que, de um modo ou de outro, todos os ensinamentos de Jesus comportam uma perspectiva pascal. Confessemos que, em se tratando de morte, não é fácil decifrar o amor.
No entanto, se não chegarmos até aí, os nossos problemas permanecerão por inteiro. Mas tenhamos confiança: a primeira leitura nos diz que a Palavra emitida por Deus (o Cristo, para nós) não voltará para Ele sem que tenha irrigado e fecundado a terra.
Como a terra recebe a semente
A parábola sobre a sorte das sementes conforme a qualidade dos terrenos é uma parábola sobre o destino das parábolas. Temos aí “uma grande multidão” atraída pela reputação de Jesus. A maior parte estava errada, com respeito ao que ele veio trazer.
Por isso não compreendem o que ele diz nem percebem o sentido do que o veem fazer. Três tipos de terreno, três destinatários sobre quatro, mostram-se incapazes de fazê-lo dar seu fruto. E as pessoas da quarta categoria nem todas têm a mesma fecundidade: algumas dão à base de cem, outras de sessenta, outras enfim de trinta frutos por semente.
Podemos compreender também que a quantidade de frutos dados pela mesma pessoa pode variar segundo as circunstâncias, as dificuldades encontradas, o estado de espírito do momento. Tudo isto se passa hoje. Não desesperemos ao ver os três quartos das pessoas permanecerem insensíveis ao anúncio do Cristo, e até mesmo desprezá-lo ou contestá-lo: já estava previsto.
Nos dias atuais, passamos de um pertencimento sociológico ao cristianismo, herdado da família ou de nosso meio social, a uma adesão fundada numa escolha pessoal. E aqui estamos, neste momento, num pequeno número, conforme a qualidade dos “terrenos”, cheio de pedras, mal carpidos ou prontos para dar frutos.
As parábolas, portanto, dirigem-se a nós, ajudando-nos a compreender o que se passa. Assim como os ouvintes da “grande multidão” que se reuniu em torno do Cristo, muitos de nós, terminada a leitura, irão fechar o Novo Testamento e entregar-se às suas ocupações habituais.
Para estes, Jesus terá falado em vão: a Palavra Semente não produzirá nem cem, nem sessenta, nem trinta por uma. Devemos compreender que Cristo dirige-se a cada um de nós e que temos de perguntar: somos que tipo de terreno? E que fruto, até aqui, a sua palavra tem dado em nós?
A criação escravizada
Olhos que não veem devem obviamente culpar-se a si mesmos. Eles têm, no entanto, algumas desculpas. Pois, se a criação tornou-se opaca, sendo necessária muita perspicácia para decifrá-la, é porque ela mesma é alienada, “ficou sujeita à vaidade” como explica Paulo na segunda leitura.
O livro do Gênesis, em sua descrição simbólica do pecado fundamental no terceiro capítulo, vê o divórcio radical entre o homem e a natureza como consequência de nossas faltas: a terra, espontaneamente, só produzirá espinhos e sarças, e é com trabalho duro que o homem poderá tirar dela o seu alimento.
Enfim, a natureza (a terra, no texto) acabará por recuperar o homem que ela produziu. Todo o esforço das ciências e das técnicas não visa a restaurar o acordo entre a criação e nós, e, até mesmo, a nossa senhoria? No versículo 5 do Salmo 82, podemos ler: «Eles não sabem, não entendem; vagueiam em trevas; todos os fundamentos da terra se abalam». Em resumo, a natureza, para nós, não é o que deveria ser, e esta é uma das causas dos «sofrimentos do tempo presente».
A Palavra semeada, no entanto, não retornará sem que tenha dado o seu fruto. O que a criação suporta e o que suportamos torna-se dor do parto. Nossa 2ª leitura é um poderoso grito de esperança: a natureza escravizada e o homem alienado caminham para a liberdade dos filhos de Deus. Então, os olhos verão e os ouvidos irão escutar e entender.
Marcel Domergue sj
http://www.ihu.unisinos.br
Missão com a esperança de Deus,
semeador generoso e insistente
Romeo Ballan mccj
Poucas coisas na natureza são tão pequenas e quase invisíveis, e no entanto tão poderosas e surpreendentes como a semente das plantas. Há milhares e milhares, de todas as espécies, entram por todo o lado, calcamo-las, agarram-se-nos à roupa sem que nos demos conta; parecem insignificantes, a verdade é que são fortes, resistentes, com capacidade enorme de desenvolvimento.
Todas as plantas da floresta, da horta, do pomar ou jardim, têm a sua origem num punhado de sementes: nelas a natureza concentrou potencialidades quase infinitas de desenvolvimento. Jesus, Mestre capaz e bom observador da natureza, com a parábola de hoje – chamada do semeador – (Evangelho) tece o seu famoso e extraordinário ensinamento partindo mesmo das sementes. Podemos estudas esta parábola partindo de três perspectivas: o semeador, a semente e os terrenos; todas elas com uma projecção universal.
Antes de mais, o semeador surpreende pela sua generosidade. Age como pessoa sem experiência, espalha a semente por toda a parte, quase sem querer saber onde ela vai acabar por cair: na estrada, no meio das pedras e entre os espinheiros, e enfim, no terreno bom. O semeador é o símbolo da esperança: spes in semine, dizemos. Este semeador é a imagem de um Deus de vida, de esperança e de misericórdia, generoso e ‘obstinado’ na distribuição dos seus dons: ama a todos, deseja que a sua palavra chegue a todos, “quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tim 2,4). E assim, na vida e nas culturas de todos os povos, mesmo se não evangelizados, encontram-se dons e valores que têm a sua origem e plenitude no Deus que é pai de todos e fonte de todos os bens.
A semente é a Palavra de Deus, é o próprio Jesus, Verbo e dom do Pai, Deus em carne humana, Ele, que é a plenitude do Reino. O anúncio missionário do Evangelho de Jesus faz crescer os valores presentes nas culturas, purifica-os e os aperfeiçoa. Com razão já São Justino (+165) indicava tais valores como sementes do Verbo. Ele, Palavra eficaz do Pai, é como a chuva (II leitura) que desce do céu para irrigar a terra, fecundá-la e fazer germinar novos frutos (v. 10). Esta Semente divina tem uma potencialidade infinita: oferece a todos a salvação, não há barreiras capazes de impedir que a salvação chegue a toda a parte e a todos, até os mais desesperados. No mundo, que é o campo do Pai – sempre belo para contemplar! – (Salmo Responsorial), não existem pessoas ou realidades irrecuperáveis. É este o fundamento do optimismo cristão: tenaz, acima de toda e qualquer resistência. Esta é a esperança que sustenta o missionário: ele acredita no poder surpreendente da Palavra que ele proclama, espera que a Palavra semeada produza frutos, joga a sua vida para salvar a si mesmo e aos outros.
Deus aceitou deixar-se condicionar pelos terrenos diversos. Ele oferece generosamente a sua salvação a todos, mas não força ninguém, respeita e confia na liberdade humana. Os diversos terrenos, isto é cada pessoa, têm a capacidade de acolher ou de rejeitar a semente. Tal é o drama da existência humana, com a sua faculdade de escolher se ser estrada, pedras, espinheiros, ou terreno bom. E mesmo este, com diversas possibilidades de responder e de se realizar: produzir 30, 60 ou 100 por um (v. 8.23). Dentro destes meandros do coração humano insere-se a obra do Espírito (II leitura), que está presente na criação que geme e sofre à espera da plena salvação dos filhos (v. 23).
Na história das missões e na actividade de evangelização fazemos com frequência a agradável descoberta de tesouros de santidade e de graça mesmo lá onde tudo parece árido e pedregoso. Alguns exemplos o confirmam. No profundo Darfur (região ocidental do Sudão, devastada por violências sem fim) Deus fez brilhar a grandeza de uma ex-escrava, santa Bakhita. Por entre os horrores da guerra civil do Congo (1964), Deus acendeu a luz da beata Clementina Anuarite, mártir da castidade e do perdão. Entre as testemunhas recentes de terrenos bons podemos recordar: Maria Goretti, Gandhi, a beata Madre Teresa e tantas outras conhecidas a nível das Igrejas locais. A propósito de terrenos, a história mostra que há processos que se alternam e se transformam com os acontecimentos: épocas de acolhimento, fechamento, recusas, de regressos. Com razão a Igreja nos ensina a pedir ao Pai, com toda a força do Espírito, “a disponibilidade para acolher o germe da palavra, que continuas a semear nos sulcos da humanidade, para que frutifique em obras de justiça e de paz”. (Oração inicial).