14° Domingo
Tempo Comum (ciclo A)
Mateus 11,25-30

Referências:
1ª leitura: Zacarias 9,9-10
2ª leitura: Romanos 8,9.11-13
Evangelho: Mateus 11,25-30
Naquele tempo, Jesus exclamou: «Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos
pequeninos. Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do teu agrado. Tudo Me foi dado por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve»
Doce e humilde
“Vós encontrareis descanso”
A primeira leitura nos convoca à alegria e o evangelho nos promete o descanso. São textos que se inscrevem na longa lista de louvores, ações de graças e exultações que encontramos na Bíblia. Todas as Escrituras são portadoras de uma boa nova, a boa nova do poder do amor que nos faz existir, que nos acompanha em todos os nossos percursos e nos encaminha para a vitória da vida.
Por que repetir isto? Porque há uma parte de nós que tem medo de Deus. Medo das suas exigências, do peso dos fardos que temos dificuldade em achar leves. Medo da sua «justiça». Isto nos impede de dar o passo decisivo para uma confiança total, para nos abrirmos sem reservas ao amor. E, no entanto, o medo é o contrário da fé. O descanso de que Jesus nos fala é, por um lado, o fim da inquietude, da tensão e das preocupações. Nossos projetos, previsões e disposições sem dúvida se mantêm, mas agora vividos na paz. Até mesmo as nossas falhas não podem abalar a certeza fundamental de que Deus está conosco.
Tudo o que a vida nos propicia de sofrimentos, enfermidades, doenças, decepções etc. não é obra de Deus, não mais que a cruz do Cristo que foi erguida pelos homens. Mas bem aí onde a morte queria reinar, Deus acaba de fazer jorrar a vida. E, desde então, todo fardo pode se tornar leve e se torna de fato, se acreditamos verdadeiramente nesta Presença que nos habita e que nos acompanha na travessia de todos os Mares Vermelhos que temos de transpor.
O fardo leve
Jesus, no evangelho, nos convida a tomar sobre nós o seu jugo. Lembremos que jugo é o instrumento que serve para associar dois animais, tendo em vista a tração de um objeto difícil de mover-se. Sendo assim, estamos «conjugados», somos «cônjuges». O convite para carregar o jugo do Cristo pode nos meter medo, mesmo se apenas para carregarmos junto com Ele.
Isto merece reflexão. De início, não esqueçamos que o fardo da vida será carregado de qualquer modo, com Ele ou sem Ele. Além disso, devemos compreender, sobretudo, que o jugo do Cristo é na realidade nosso. Foi Ele que veio até nós para suportar as nossas misérias, fraquezas e sofrimentos. Veio carregar o nosso fardo, um fardo que não veio dele, que não é o seu, mas que nisto se converteu, em virtude do amor que o fez «renunciar à sua condição divina» (reler Filipenses 2,5-11).
A Cruz não acrescenta nada às nossas cruzes; não é um fardo suplementar que Deus viria acrescentar aos nossos males. Ao contrário, Deus é que vem assumir os pesos que nos arrasam e, exatamente por isso, o fardo pode tornar-se leve. «Pode tornar-se leve», não que automaticamente se torne: mas só se, pelo caminho da fé, aceitamos carregar este jugo que era o nosso, e que se tornou o do Cristo. Não seremos mais, então, os únicos a levá-lo. O fardo torna-se Cruz e, por conseguinte, podemos levá-lo mediante a promessa da travessia pascal.
Sob a moção do Espírito
Deus é o ser imperceptível que é o fundamento de tudo o que existe e que nos dá tudo, mais além até dos nossos desejos os mais desmesurados, mas não nos dá nada apesar de nós. É preciso o assentimento da nossa liberdade. Encontra-se aí o fundamento da nossa dignidade, porque, sem o livre acolhimento do dom que nos é feito, dom que somos nós mesmos, não seríamos imagens da sua liberdade soberana.
A recusa do dom pode assumir muitas formas. Primeiro, o desgosto de viver, a solidão em desespero. Mas também a ilusão de viver por si mesmo, a ignorância, aceita ou mesmo até cultivada, do fato de que viemos dum Outro. A recusa do «Outro» que nos permite ser «Eu». Podemos, sem nenhum artifício, assimilar esta maneira de sermos nós à recusa de levar o jugo com o Cristo.
Na segunda leitura, Paulo chama de carne este fechamento em si mesmo que nos deixa na órbita da morte. A carne é fechamento. Já o Espírito, que tem como símbolos o vento e o pássaro, ao contrário, é abertura. Ele vem nos visitar, vem nos habitar, para fazer-nos sair de nós mesmos. É movimento e liberdade. Ele «sopra onde quer», diz Jesus em João 3,8. Abertura e também movimento. Vôo para um lugar outro, que não podemos adivinhar qual seja, porque é participação na natureza divina. Por isso não é absolutamente necessário ser um intelectual de alto nível nem um teólogo formado: basta ser confiante como uma criança em relação à sua mãe, para acolher o Filho em quem o Pai se revela.
Marcel Domergue sj
http://www.ihu.unisinos.br
Dois braços abertos,
em vez de um dedo acusador
O que me encanta é Jesus que se maravilha com o Pai. Uma coisa belíssima: o Mestre de Nazaré surpreende-se por um Deus sempre mais fantasioso e inventivo aos seus olhos, que surpreende todos, até o seu Filho.
O que aconteceu? O Evangelho tinha acabado de referir um período de insucessos e problemas: João Batista é preso, Jesus é contestado abertamente por representantes do templo, as povoações em redor do largo, após a primeira onda de entusiasmo e de milagres, afastaram-se.
E eis que, naquele ambiente de derrota, abre-se diante de Jesus uma brecha inesperada, uma reviravolta repentina que o enche de alegria (Mateus 11,25-30): Pai, bendigo-te, dou-te graças, agradeço-te, porque te revelaste aos pequenos.
O lugar vazio dos grandes preenchem-no os pequenos: pescadores, pobres, doentes, viúvas, crianças, publicanos, os preferidos de Deus. Jesus não o esperaria, e admira-se com a novidade; a maravilha invade-o, sente-se feliz.
Descobre o agir de Deus, como antes sabia descobrir, na profundidade de cada pessoa, angústias e esperanças, e para elas sabia inventar como resposta palavras e gestos de vida, que o amor nos faz chamar “milagres”.
Revelaste estas coisas aos pequenos… de que coisas se trata? Um pequeno, uma criança, depressa compreende o essencial: se alguém lhe quer bem ou não. No fundo, é este o segredo simples da vida. Não há outro, mais profundo.
Os pequenos, os pecadores, os últimos da fila, as periferias do mundo compreenderam que Jesus veio trazer a revolução da ternura: vós valeis mais do que muitos pássaros, disse-o no outro domingo, tendes o ninho nas suas mãos. Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos, e Eu vos darei alívio.
Deus não é difícil: está ao lado de quem soçobra, leva aquele pão de amor de que necessita todo o coração humano cansado… E todo o coração está cansado.
Vinde, dar-vos-ei alívio. E não vos vou já apresentar um novo catecismo, regras superiores, mas o conforto do viver. Duas mãos nas quais apoiar a vida cansada e retomar o fôlego da coragem. O meu jugo é suave, e o meu peso é leve: palavras que são música, boa notícia.
Jesus veio para eliminar a velha imagem de Deus. Não mais um dedo acusador apontado contra nós, mas dois braços abertos. Veio para tornar leve e fresca a religião, a tirar-nos pesos das costas e a dar-nos as asas de uma fé que liberta. Jesus é um libertador de energias criativas, e por isso é amado pelos pequenos e oprimidos da Terra.
Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, isto é, aprendei do meu coração, da minha maneira de amar delicada e indómita. Dele aprendemos o alfabeto da vida; na escola do coração, a sabedoria do viver.
Ermes Ronchi
http://www.snpcultura.org
A Missão parte da pequenez e da pobreza
Romeo Ballan mccj
Encontramo-nos, mais uma vez, no coração do Evangelho de Mateus. O texto do hoje é definido pelos estudiosos como a grande manifestação do mistério de Deus, uma grande síntese messiânica, um Hino de júbilo. É o Magnificat de Jesus, expressão do seu mundo interior, como para Maria o seu Magnificat… Com efeito, esta oração de Jesus (Evangelho) resume todo o programa das bem aventuranças (Mt 5,3 s), com particular atenção aos pobres, humildes, aflitos, misericordiosos, puros de coração, operadores de paz… Como afirma o autor de O Pequeno Príncipe, “a bem aventurança é o acesso a um ponto de vista que unifica todo o universo” (Antoine de Saint-Exupéry). A página de Mateus oferece-nos um angulo de observação panorâmica sobre todo o Evangelho de Jesus, que aqui é resumido à volta de alguns temas fundamentais: o louvor ao Pai, Senhor e Criador (v. 25); a vida de comunhão íntima da Trindade (v. 27); a atitude de amor e acção de Jesus para com o sofrimento humano, oferecendo repouso a quando andam “cansados e oprimidos” (v. 28); a nova escola e o estilo do Mestre que diz a todos: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis repouso para a vossa vida” (v. 29-30). Na escola deste Mestre, se o contemplamos na pobreza de Belém e na derrota humilhante do Calvário, compreendemos que os critérios de grandeza foram invertidos: como os pensamentos humanos estão longe dos pensamentos de Deus! (Is 55,8-9).
A metade da sua vida pública, depois de um período de tensões e polémicas com os fariseus e de abandono por parte de alguns discípulos, o balanço humano daquele novo Mestre de Nazaré era certamente uma desilusão, um fracasso. Jesus, porém, longe de abandonar a sua missão e de se retirar, confirma o caminho iniciado, louva e agradece ao Pai por ter escolhido os pequenos, os últimos, como destinatários privilegiados das suas revelações extraordinárias (v. 25-26).
As opções de Jesus são os critérios essenciais para as decisões da Igreja Missionaria. Os temas do anúncio e da catequese devem ser os mesmos, transmitidos sempre ao estilo de Jesus: a Santa Trindade, Jesus Cristo Salvador, a Igreja como casa de acolhimento humano e espiritual, na qual os “oprimidos e cansados” de todo o género, de todos os tempos e lugares, encontram alívio, repouso e protecção. O ideal da Igreja é fazer-se discípula exemplar de Cristo, tanto na mensagem como no estilo, a ponto de poder dizer a todos os povos: vinde a mim. Todos vós… aprendei de mim que sou manso e humilde… encontrareis repouso, e a carga se tornará ligeira. É este o rosto autêntico e atraente da Igreja, o único do qual as multidões se interessam, e que os missionários e a comunidade cristã inteira são chamados a incarnar. Entre as mais belas imagens da Igreja encontram-se estas duas: a pousada, casa para todos (pandokeion), onde o bom samaritano levou o desgraçado que caiu nas mãos dos bandidos (Lc 10,34); e a casa de Paulo, que, chegado a Roma, vivia numa casa arrendada, onde acolhia a todos, anunciando e ensinando Jesus Cristo abertamente (Act 28, 30-31). Duas imagens que falam de acolhimento, pobreza e humildade…
A Igreja missionária oferece com frequência esta imagem de acolhimento, humildade e austeridade, sobretudo nos países pobres do planeta, mas também nos meandros das metrópoles industrializadas. Este estilo de vida e de missão, inaugurado por Jesus, é possível (II leitura) na medida em que o Espírito de Deus habita em nós. Graças à sua presença, os frutos seguros serão a vida, a paz (v. 9.13). O profeta Zacarias (I leitura) apresenta o sonho de um rei justo, pacífico e humilde, que monta um burro (c.9), que fará desaparecer os carros e os cavalos de guerra, e terá um claro programa de paz: “O arco de guerra será despedaçado, anunciará a paz às nações”, o seu domínio será universal, e estende-se de mar a mar, até aos confins da terra (v.10). Nessa mesma linha, S. Agostinho indica aos governantes um critério de máxima sabedoria: “É sinal de maior gloria matar as guerras com a palavra, do que os homens com as armas; e conquistar a paz com a paz, não com a guerra”. As obras de paz serão possíveis só a quem é habitado pelo Espírito de Deus (segunda leitura). Disso são testemunhas pessoas simples como Santa Josefina Bakhita (Sudão), a Beata Clementina Anuarite (RD Congo), S. Martinho de Porres (Peru), Beata Madre Teresa de Calcutá (Índia), S. João Maria Vianney (França).