27° Domingo do Tempo Comum (ciclo C)
Lucas 17,5-10

Referências bíblicas
1ª leitura: “O justo viverá por sua fé” (Habacuc 1,2-3; 2,2-4).
Salmo: Sl. 94(95) – R/ Não fecheis o coração; ouvi vosso Deus!
2ª leitura: “Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor” (2 Timóteo 1,6-8.13-14)
Evangelho: “Se vós tivésseis fé!” (Lucas 17,5-10)
5 Os apóstolos disseram ao Senhor: “Aumenta a nossa fé!”
6 Ele respondeu: “Se vocês tiverem fé do tamanho de uma semente de mostarda, poderão dizer a esta amoreira: ‘Arranque-se e plante-se no mar’, e ela lhes obedecerá.
7 “Qual de vocês que, tendo um servo que esteja arando ou cuidando das ovelhas, lhe dirá, quando ele chegar do campo: ‘Venha agora e sente-se para comer’? 8 Ao contrário, não dirá: ‘Prepare o meu jantar, apronte-se e sirva-me enquanto como e bebo; depois disso você pode comer e beber’? 9 Será que ele agradecerá ao servo por ter feito o que lhe foi ordenado? 10 Assim também vocês, quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: ‘Somos servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever'”.
Somos crentes?
José A. Pagola
Jesus tinha-lhes repetido em diversas ocasiões: “Que pequena é a vossa fé!”. Os discípulos não protestam. Sabem que Ele tem razão. Levam bastante tempo junto Dele. Eles O veem entregue totalmente ao Projeto de Deus; só pensa em fazer o bem; só vive para fazer a vida de todos mais digna e mais humana. Poderão segui-Lo até ao fim?
Segundo Lucas, num momento determinado, os discípulos dizem a Jesus: “Aumenta-nos a fé”. Sentem que a sua fé é pequena e débil. Necessitam confiar mais em Deus e acreditar mais em Jesus. Não o entendem muito bem, mas não discutem. Fazem justamente o mais importante: pedir-Lhe ajuda para que faça crescer a sua fé.
A crise religiosa dos nossos dias não respeita nem sequer os praticantes. Nós falamos de crentes e não crentes, como se fossem dois grupos bem definidos: uns têm fé, outros não. Na realidade, não é assim. Quase sempre, no coração humano, existe, ao mesmo tempo e alternadamente, um crente e um não crente. Por isso, também nós que nos chamamos “cristãos” temos de nos perguntar: Somos realmente crentes? Quem é
Deus para nós? Amamo-Lo? É Ele quem dirige a nossa vida?
A fé pode debilitar-se em nós sem que nunca nos tenha assaltado uma dúvida. Se não a cuidamos, pode diluir-se pouco a pouco no nosso interior para ficar reduzida simplesmente a um hábito que não nos atrevemos a abandonar, pelo sim pelo não. Distraídos por mil coisas, já não conseguimos comunicar-nos com Deus. Vivemos praticamente sem Ele.
Que podemos fazer? Na realidade, não se necessitam grandes coisas. É inútil que nos coloquemos objetivos extraordinários, pois seguramente não os vamos cumprir. O primeiro é rezar como aquele desconhecido que um dia se aproximou de Jesus e lhe disse: “Creio, Senhor, mas vem em ajuda da minha incredulidade”. É bom repeti-lo com o coração simples. Deus entende-nos. Ele despertará a nossa fé.
Não temos de falar com Deus como se estivesse fora de nós. Está dentro. O melhor é fechar os olhos e ficar em silêncio para sentir e acolher a Sua Presença. Tampouco temos de nos entreter em pensar Nele, como se estivesse só na nossa cabeça. Está no íntimo do nosso ser. Temos de procurá-lo no nosso coração.
O importante é insistir até ter uma primeira experiência, mesmo que seja pobre, mesmo que só dure uns instantes. Se um dia percebemos que não estamos sós na vida, se captamos que somos amados por Deus sem merecê-lo, tudo mudará. Não importa que tenhamos vivido esquecidos Dele. Acreditar em Deus é, antes de tudo, confiar no amor que Ele nos tem.
Aumenta a nossa fé!
Marcel Domergue
Serviço de Deus, serviço do homem
Quando textos evangélicos parecem contradizer-se, devemos redobrar a atenção: seu acordo estará num nível superior, numa inteligência mais alta da mensagem. É o que acontece com esta parábola de Lucas 17,5-10 e Lucas 12,37. Na parábola, temos um servidor que, depois de voltar do trabalho, deve ainda servir o seu mestre; o que entra em colisão com Lucas 12,37, onde vemos que o mestre fará sentarem-se à mesa os servidores e, ele, cingindo-se, os servirá. Para poder compreender, temos de notar, antes, que, no capítulo 17, tudo é visto na perspectiva dos servidores e dos patrões “humanos”: “Se algum de vós tem um empregado…” (versículo 7); “Assim também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram…” (versículo 10). Digamos que, como servidores, não podemos fazer para Deus menos do que fazemos para os homens. Já, ao contrário, no capítulo 12, Jesus nos revela a conduta de Deus para conosco. Se lidos em conjunto, estes dois textos manifestam uma espécie de competição entre Deus e o homem: qual dos dois irá, a mais, servir ao outro. Um serviço que vai até o fim: sem descanso nem ocaso. É que, para Deus, servir ao homem é fazê-lo viver. E, para o homem, servir a Deus é aderir à vida, viver e fazer viver, reconhecer (ação de graças) este de quem nos vem a vida. E tudo isto se exprime através do tema do alimento, que se liga à vida.
Dar é receber
Servir a Deus é um dom que ele nos faz, pois, servindo-o, é à nossa própria vida que estamos servindo. Este dom de Deus confunde-se com a nossa própria criação, que é permanente como é o nosso serviço. Aí, surgindo de nossa Origem, passamos do nada ao tudo: e, em virtude deste nada inicial, podemos nos dizer “inúteis” (e não “alguém qualquer”). Bem aventurada inutilidade que nos diz que Deus nos faz existir sem razão, ou seja, gratuitamente, por amor. Se fôssemos “úteis”, Deus não nos teria criado por amor, mas por interesse. Também, tudo o que fazemos “para Deus” – e isto sempre passa pelos outros – vem do próprio Deus: “Todas as nossas obras tu as realizas para nós” (Isaías 26,12). No entanto, tudo se passa como se Deus nos pedisse para servi-lo: não é necessário que tudo o que se passa entre Deus e nós tome o caminho de nossa liberdade, faça-se em aliança? Reencontramos assim o esquema do encontro de Jesus com a Samaritana, no capítulo 4 do evangelho de João: Jesus pede à mulher que lhe dê de beber, que o “sirva”, portanto; só depois disto revela-lhe o “dom de Deus”. Ou seja, é ele (é) que, na realidade, dá a ela de beber na “fonte de água jorrando para a vida eterna”. Há equivalência entre dar e receber, porque recebemos o poder de dar.
Deus servidor
Não merecemos nada, pois nada podemos dar que antes não tenhamos recebido. E Deus, no entanto, “aprecia” que, por nosso “serviço” – mais uma vez, o serviço de Deus que passa pelo serviço dos outros -, escolhamos fazer retornar à sua fonte o dom que temos recebido. As Escrituras exprimem esta atitude de Deus em termos de reconhecimento ou de recompensa. É que, ao entregarmos a Deus a vida que Ele mesmo nos dá, reproduzimos o intercâmbio Trinitário. O Verbo, o “Filho”, recebe-se a si mesmo todo inteiro do Pai-Origem e se entrega de volta, todo inteiro, ao Pai. Este ir-voltar é o “movimento”, o intercâmbio que constitui Deus e que, constitui igualmente o homem em sua verdade: é sempre a criação à imagem e semelhança. Então, a maior inutilidade (“servos inúteis”) se mostra como a suprema utilidade, o maior valor. Não podemos pretender recompensa alguma, e, no entanto, a recompensa nos é dada. Voltemos nossa atenção para aquele que nos conta a Parábola: o Cristo é o servo que, após ter servido os homens por toda a “jornada” de sua vida, segue vestido com sua roupa de serviço (João 13). Prepara a mesa para os homens, para os servidores, esta mesa na qual é ele, a uma só vez, quem serve e quem se dá em alimento. Assim é o nosso Deus. Assim somos nós, os homens.
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Se vocês tiverem fé do tamanho de uma semente de mostarda
Enzo Bianchi
Durante a sua subida para Jerusalém, Jesus é interrogado, às vezes invocado ou rezado, às vezes contestado pelo seu comportamento ou pelas suas palavras. Às vezes, Jesus se dirige aos discípulos que o seguem, às vezes a alguns fariseus e escribas, às vezes aos “apóstolos”, isto é, aquele grupo restrito de discípulos tornados por ele “os Doze” (Lc 6,13; 9,1) e enviados (esse é o sentido literal de apóstoloi) para anunciar o Evangelho, aqueles que também serão testemunhas qualificadas da sua ressurreição (cf. Lc 24,48; At 1,8.21-22).
Precisamente estes que escutaram as exigências “duras” proclamadas por Jesus como decisivas para o seu seguimento (cf. Lc 9,23-26; 14,26-27), conhecendo a sua própria fraqueza, pedem a Jesus, designado como Kýrios, Senhor da Igreja: “Aumenta a nossa fé!”.
É uma oração dirigida ao Senhor, àquele que, com a força do Espírito Santo, que sempre habita nele, pode agir sobre a fé, sobre a adesão do discípulo. Esse pedido, porém, corre o risco de não ser compreendido no seu porte real, por isso é bom refletir sobre a confiança-adesão absolutamente necessária para ser discípulo de Jesus.
A fé, que deve ser compreendida em primeiro lugar como adesão, só pode estar presente onde há uma relação pessoal e concreta com Jesus. A fé não é um conceito de ordem intelectual, não é posta acima de tudo em uma doutrina ou em uma verdade, muito menos em fórmulas, nos dogmas. A fé não é, sobretudo, um “crer que” (por exemplo, que Deus existe), mas é um ato de confiança no Senhor. Trata-se de aderir ao Senhor, de se ligar a ele, de confiar nele até se abandonar a ele em uma relação vital, personalíssima.
A fé é reconhecer que, da parte do ser humano, há fraqueza, portanto não é possível ter fé-confiança em si mesmos. Precisamente por isso, principalmente na boca de Jesus, é frequente o uso do verbo “crer” (pisteúo) e do substantivo “fé” (pístis) de modo absoluto, sem complementos ou especificações:
“Crê, não temas” (Lc 8,50; Mc 5,36).
“A tua fé te salvou” (Lc 7,50; 17,19; 18,42; Mc 5,34 e par.; 10,52).
“Vai, e faça-se segundo a tua fé” (Mt 8,13).
“Mulher, é grande a tua fé! Seja feito como tu queres” (Mt 15,28).
Crer sem complementos, ter fé sem especificações é para Jesus determinante na relação com Deus e com ele mesmo.
Certamente, a fé é um ato que se situa na fronteira entre fraqueza humana e força que vem de Deus, força que torna possível justamente o ato de fé. Trata-se de passar da incredulidade (apistía: Mc 6,6; 9,24; 16;14; Mt 13,58) para a fé, mas essa passagem, essa “conversão”, requer a invocação a Deus e, em resposta, o seu dom, a sua graça, que, na realidade, são sempre preventivos.
De fato, é difícil e fatigante para cada um de nós renunciar a contar consigo mesmo para se descentrar e colocar no centro a palavra do Senhor dirigida a nós. Não nos esqueçamos de que a incredulidade ou a pouca fé (oligopistía: Mt 17,20; oligópistos: Mt 6,30; 8,26; 14,31; 16,8; Lc 12,28) denunciadas por Jesus marcam a situação do discípulo (cf. Lc 24,11.41; Mc 9,19 e par.; 16,11.16), não daqueles que não encontram ou não escutam a Jesus. E como não nos surpreendermos diante do grito de Jesus: “A tua fé te salvou”, que emerge diante de doentes, pecadores, estrangeiros e pagãos que, ao encontrá-lo, pedem-lhe com fé para serem ajudados e salvos por ele?
Há um episódio, descrito com especial cuidado por Marcos (cf. Mc 9,14-29), mas presente também em Lucas (cf. Lc 9, 37-43) e Mateus (cf. Mt 17,14-18), que pode nos ajudar a compreender melhor o trecho que estamos comentando. Um pai tem um filho endemoninhado, e os discípulos de Jesus não conseguem curá-lo. Desencorajado, quando se encontra com Jesus, diz-lhe: “Se podes fazer alguma coisa, tem piedade de nós e ajuda-nos”. E Jesus, depois de repreender os discípulos, chamando-os de “geração incrédula” (como fez Moisés em Dt 9,6; 31,27; 32,5), responde: “Se podes!… Tudo é possível para quem crê”. Ou seja: “Se tu tens fé, tudo é possível através da fé que te salva”. É como se Jesus lhe dissesse: “Basta que creias, que tenhas confiança”, isto é, confiar que tudo é tornado possível por Deus para aquele que crê, porque “tudo é possível para Deus” (Mc 10,27; Gn 18,14).
Então o pai responde: “Eu creio, mas ajuda a minha incredulidade (apistía)”. Basta oferecer a Jesus a própria incredulidade, deixar que ele vença as nossas dúvidas, sempre presentes onde a fé está em ação. E assim Jesus cura não apenas o filho, mas também o pai, presa da desconfiança em relação à vida…
Portanto, justamente porque a fé é crer no poder de Jesus, o pedido dos apóstolos não faz sentido: “Aumenta a nossa fé”. De fato, continua Jesus no nosso trecho, basta ter fé, tanto quanto uma sementinha de mostarda, para arrancar uma amoreira e transplantá-lo no mar, para mover montanhas (cf. Mc 11,22-23; Mt 17,20; 21,21).
Os apóstolos estão cientes de que têm uma fé pequena; eles gostariam de ser gigantes da fé, mas Jesus os faz compreender que a fé, mesmo que pequena, se for uma adesão real a ele, é suficiente para nutrir a relação com ele e acolher a salvação.
É verdade, a nossa fé é sempre oligopistía, fé de fôlego curto, mas basta ter em nós a semente dessa adesão ao poder do amor de Deus operante em Jesus Cristo.
Por fim, crer significa seguir Jesus: e, quando o seguimos, caminhamos atrás dele, vacilando muitas vezes, mas acolhendo a ação com a qual ele nos levanta e nos sustenta, para que possamos estar sempre lá onde ele está.
Nós, cristãos, devemos olhar frequentemente para a pequena semente de mostarda, mantê-la na palma da mão, ter consciência de como ela é pequena; mas também devemos vê-la como uma semente semeada, morta no subsolo, germinada e crescida, até se tornar tão grande quanto um arbusto que dá abrigo aos pássaros do céu – imagem usada por Jesus para descrever o reino de Deus (cf. Mc 4,26.31-32) –, e, portanto, nos surpreender.
Assim é a nossa fé, talvez pequeníssima; mas não temamos, porque, se há fé, é suficiente, porque ela é mais forte do que qualquer outra atitude. A fé é a fé: sempre, mesmo que pequena, é adesão a uma relação, é obediência (hypakoé písteos: Rm 1,5); sempre, mesmo que fraca, é acompanhada pelo amor, e o amor sustenta a fé, compensa a falta de fé, renova a fé como adesão ao Senhor.
A resposta de Jesus aos apóstolos continua depois com uma parábola que lhes diz respeito particularmente, por serem enviados a trabalhar no campo, na vinha cujo dono é o Senhor. Jesus os adverte contra confiar em si mesmos, porque esse é o pecado que se opõe radicalmente à fé. É a atitude que Jesus condenará na parábola do fariseu e do publicano no templo (cf. Lc 18,10-14), dirigida a alguns que, como o fariseu, “confiavam em si mesmos porque eram justos” (prós tinas toùs pepoithótas eph’heautoîs hóti eisìn díkaioi: Lc 18,9).
Isso também poderia acontecer com os enviados que, conscientes de terem feito pontualmente a vontade do Senhor, gostariam de ser reconhecidos, premiados. Mas Jesus, com realismo, lhes pergunta: isso pode acontecer no mundo, na relação entre patrão e escravo? Quando o escravo volta do trabalho, o patrão talvez lhe dirá: “Vem e senta-te à mesa”? Pelo contrário, não vai lhe dizer: “Prepara-me o jantar, prepara-te para me servir, e depois tu comerás e beberás”? Deverá, talvez, lhe agradecer por ter feito a sua tarefa?
Não, isso não pode ocorrer, e assim os apóstolos, enviados para trabalhar na vinha do Senhor, quando terminaram o trabalho, devem dizer: “Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer”.
No seguimento de Jesus, não se reivindica nada, não se esperam reconhecimentos, nem prêmios, porque nem mesmo a tarefa realizada se torna garantia ou mérito. Essa gratuidade do serviço deve ser visível na vida da Igreja, porque “um apóstolo não é maior do que aquele que o enviou” (Jo 13,16). Ela é constitutiva da autoridade do apóstolo, de todo enviado que “olha para si mesmo”, não mede o próprio trabalho, mas apenas obedece à palavra do Senhor, movido pelo amor por ele, confiando a ele e à sua misericórdia o julgamento sobre a própria obra.
Para quem ama, basta amar, e não há expectativa de reconhecimento! Aquilo que se faz para o Senhor, deve-se fazer gratuitamente e bem, por amor e na liberdade, não para conquistar um mérito ou para receber um prêmio…
Infelizmente, hoje, na vida eclesial, os prêmios, os méritos são dados por si mesmos, para si mesmos, e não se espera nada de Deus, o Senhor!
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A tradução é de Moisés Sbardelotto.